Pouco mais de um ano da sanção presidencial da Lei 13.589, que tornou obrigatória a implantação do PMOC (Plano de Manutenção, Operação e Controle) em edifícios de uso público e coletivo, faz-se necessário um balanço do seu impacto junto aos diversos agentes envolvidos na preservação da qualidade do ar de interiores (QAI), públicos, privados e institucionais. Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), em setembro último, mostrava que o impacto da lei pouco se fizera notar ainda.

A impressão é de que o fato de a Lei não ter sido regulamentada por decreto, o resultado junto ao mercado não foi tão efetivo. “Órgãos públicos interpretam que só poderão tomar as devidas providências após a regulamentação. Nós, da Abrava, entendemos que independe de regulamentação a obrigatoriedade para que se observem as boas práticas de engenharia”, afirma Arnaldo Basile, presidente da entidade nacional da refrigeração e climatização.

Basile não está só. Mirian Gonçalves Dilguerian, Procuradora do Estado de São Paulo, em recente seminário internacional de qualidade do ar de interiores, foi enfática: “A Lei 13.589/2018 não precisa de decreto regulamentador. O próprio parágrafo único do artigo 3º já indica quais os padrões a serem usados: Resolução da Anvisa no. 9/2003 (e posteriores alterações) e as Normas ABNT. É imperativa, não é uma mera recomendação.”

Interpretações legais à parte, é certo que houve uma evolução na atenção aos requisitos para a QAI. “O que era feito esporádico, como diferencial, passa a ser apresentado como uma necessidade que agora deve ser observada mais criteriosamente. Com o tempo os fornecedores de serviços e produtos irão aprimorar a argumentação e os usuários deverão se conscientizar cada vez mais dessa necessidade”, argumenta o presidente da Abrava.

A Coordenadora de Infraestrutura e Meios de Transporte em Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados da Anvisa, Viviane Vilela Marques Barreiros, aponta os efeitos sobre os órgãos de fiscalização: “Nas áreas que envolvem os portos, aeroportos e as fronteiras, a publicação da Lei 13.589 incentivou o retorno da discussão sobre os critérios de manutenção e controle de instalações e equipamentos de sistemas de climatização. A Lei também foi bastante importante para destacar a importância dos sistemas de climatização e o seu impacto na saúde diária das pessoas que circulam em determinadas ambientes. No caso de aeroportos, por exemplo, esse é um item de saúde muito importante, pois estas são áreas onde há um trânsito muito grande de pessoas dos mais diversos locais e origens.”

“O PMOC não é algo novo na área de facilities. O segmento corporativo sempre adotou, desde o princípio da portaria, as premissas e as práticas do plano. Uma grande maioria dos profissionais do setor, por exemplo, não sabem o que é trabalhar sem PMOC. Ou seja, esta foi uma lei que ‘pegou’ antes de virar lei. Percebemos, entretanto, que a sanção da 13.589 jogou ainda mais luz sobre a importância do tema, atingindo principalmente os usuários de pequeno e médio porte, que representam, quantitativamente falando, a maioria das instalações do país”, explica Thiago Santana, presidente da Abrafac (Associação Brasileira de Facilities).

Levando em conta essa realidade, a diretoria da Abrava adotou, a partir da sanção da lei, um plano visando a conscientização dos responsáveis por ambientes climatizados. Assim, relata Basile, “definimos, estrategicamente desde a sanção da lei, dar visibilidade, mostrar aos colegas do setor as responsabilidades da prestação desse serviço; dar visibilidade aos usuários contratantes que eles são os responsáveis pela qualidade do ar oferecido ao público; por fim, trabalhar junto aos órgãos de fiscalização, particularmente a Anvisa e Covisas, os maiores interessados em fazer a fiscalização, com quem estabelecemos acordos para treinamento de fiscais.”

Leonardo Cozac, VP de capacitação profissional e membro do Qualindoor da Abrava, diz que a entidade atuou, basicamente, na capacitação da fiscalização e na orientação ao mercado. Além da capacitação de fiscais sanitários em todo o Brasil, foram mais de 400 nos últimos dois anos, a entidade trabalhou junto ao CREA/SP e CONFEA em ações para melhorar a fiscalização. Ele lembra, ainda, que a Abrava criou a RENABRAVA 07, um guia rápido de respostas às principais dúvidas do setor sobre a legislação, e uma página em seu website com perguntas e respostas frequentes. Desde a sua criação o canal de atendimento da associação respondeu a mais de 400 consultas.

Responsabilidade dos gestores

Para a coordenadora da Anvisa, a Lei agregou e reforçou a responsabilidade dos proprietários das instalações climatizadas no que tange à manutenção das boas condições sanitárias dos sistemas e acompanhamento dos parâmetros de qualidade do ar. “Na prática”, diz ela, “isso melhorou o arcabouço legal para os órgãos de fiscalização atuarem. Tanto a Anvisa, no caso das áreas de aeroportos, portos e fronteiras, bem como os órgãos locais na fiscalização municipal. A Anvisa já vem preparando seus técnicos para as áreas de fiscalização sob nossa responsabilidade. O fato de termos uma lei que trata especificamente do tema oferece maior credibilidade à ação de fiscalização e confere ao fiscal maior segurança em sua atuação, especialmente para os sistemas instalados a partir da publicação da Lei.”

Santana argumenta, também, que a Lei reforça a importância dos profissionais responsáveis pelos sistemas de climatização perante os níveis decisórios das organizações. “Não raro, ainda que erroneamente, o Plano de Manutenção Operação e Controle era visto como algo ligado aos setores de engenharia. Hoje, ele já passa a ser visto como algo quase que regulatório.”

Ainda na avaliação do presidente da Abrafac, mais do que destacar apenas os aspectos documentais e processuais da adoção do PMOC, “que são igualmente importantes”, a Lei jogou luz sobre a discussão de aspectos práticos da qualidade de ar interior, e sua influência em produtividade, comportamento e competitividade dos negócios. “Sempre defendi que o Plano de Manutenção é meio, e não fim em sim mesmo. Esta mudança de pensamento mostra que cada vez mais as organizações enxergam o tema da mesma forma.”

Apesar de entender que a 13.589 carece de regulamentação, inclusive para definir claramente a responsabilidade da atuação dentro do Estado brasileiro, Viviane Barreiros entende que a Lei enriqueceu o arcabouço jurídico sobre o tema, fortalecendo as diretrizes que visam minimizar os riscos à saúde da população exposta. “Os órgãos de fiscalização poderiam contribuir na construção dos dispositivos legais que tratam desta temática”, conclui.

Do lado dos fornecedores de serviços e produtos para a qualidade do ar de interiores tem havido resposta para a sedimentação da cultura do PMOC, acredita Basile. “Têm cumprido seu papel. Estamos na fase de amadurecimento, de evolução constante, das empresas se aprimorarem para cumprir o papel que lhes cabe. Existe boa vontade e compromisso, pois sabem que quando a lei entrar em vigor será benéfica até mesmo para os negócios.”

Santana, da Abrafac, também acredita que tem existido resposta, ainda que tímida. Para ele, as empresas prestadoras de serviços devem reforçar que o PMOC não é opção, mas obrigação. Entretanto, coloca algumas questões.

“Vou me ater aos serviços de análise de qualidade do ar. Percebo uma comoditização desta atividade, e isto é um risco enorme. É verdade que quem contrata um serviço deste tipo precisa ter ao seu lado um profissional capacitado para interpretar os resultados das análises; mas sabemos que isto não é o que acontece, e não ocorrerá pelo menos no curto espaço de tempo. Como conclusão, há empresas vendendo ‘laudo de qualidade de ar’ com um nível de entrega muito aquém do que é necessário em termos laboratoriais.  Perde o cliente, que recebe uma informação incompleta, mas principalmente perde o setor, que não ajuda na formação e na transferência de conhecimento para a população de uma forma geral”, protesta o presidente da Abrafac.

Leonardo Cozac

Cozac concorda: “O mercado ainda não está devidamente organizado. Como no setor de climatização não há cláusulas de barreira ou, pelo menos, não são devidamente cumpridas, existem todos os tipos de fornecedores, desde empresas éticas e corretas, bem como aqueles que fazem o exercício ilegal da profissão ou que atuam fora das normas técnicas e legislações.”

“Como em todo setor existem diversas empresas sérias e comprometidas que buscam a conscientização de seus clientes para a importância de bons projetos, instalações e manutenção. Mas também existem as empresas menos comprometidas que buscam resultado imediato e acabam por infringir a legislação e as normas técnicas brasileiras”, completa Cozac.

Quais seriam, então, os passos a serem dados pelo mercado para a consolidação de uma “cultura do PMOC”?

“Comunicar, comunicar e comunicar. Associações como a Abrava e Abrafac possuem centenas de informações, artigos e estudos mostrando que um sistema de refrigeração e ar condicionado bem instalado e bem mantido aumenta a competitividade dos negócios, a satisfação dos colaboradores e o lucro.  Lembro-me há alguns anos de gráficos comparando a performance de empresas que haviam adotado sistemas de gestão de qualidade em comparação com as que não o haviam feito (com as primeiras, via de regra, sendo mais eficientes). Temos dados para fazer correlações no mesmo sentido. Tangibilizar as vantagens de adoção do Plano certamente é um dos passos neste sentido”, recomenda Santana.

Cozac, da Abrava e diretor da Conforlab, acredita que a crescente capacitação e conscientização dos órgãos de fiscalização, como Vigilâncias Sanitárias e CREAs, bem como maior responsabilidade das empresas do setor, são os caminhos para a efetiva aplicação da Lei e das normas técnicas nacionais. “Entendo que essas empresas devem disseminar a legislação e as boas práticas. Devem acreditar e exigir dos seus clientes que sejam cumpridas as leis. Se o mercado produtor não lutar por seu interesse, quem vai lutar? O consumidor quer gastar pouco e é leigo. Os bons profissionais devem alertar seus clientes da legislação em vigor no Brasil, que isso é para o bem do próprio usuário. As empresas do setor, bem como os contratantes, podem ser punidas se não atenderem a lei do PMOC do ar condicionado.”

Arnaldo Basile

Basile diz sentir-se “razoavelmente” satisfeito com o que foi desenvolvido desde a publicação da sanção da Lei 13.589 em termos de divulgação, esclarecimento e treinamentos ao mercado consumidor e de prestação de serviços, assim como em relação às demais entidades. Entretanto, ele alerta para o fato de algumas entidades  estarem promovendo treinamentos sem conhecer a fundo o que é o ar condicionado. “Fruto de um mercado com muitas possibilidades e poucas barreiras de acesso que torna possível a profissionais pouco preparados tentarem dominar um campo que não é simples. Ar condicionado é complexo e depende de muitos aspectos que nem sempre são conhecidos. Chamamos a atenção dos usuários para que contratem empresas especializadas em ar condicionado. Preocupa a superficialidade que profissionais não conhecedores dos sistemas têm se manifestado no mercado. É fundamental que as empresas contratantes procurem especialistas em manutenção de sistemas de ar condicionado e não quem quer vender o PMOC como simples documento que resolveria um problema de fiscalização. PMOC é planejamento de manutenção com rotinas bem definidas, e não um documento para ser apresentado a um fiscal”, alerta o presidente da Abrava.

Da redação

redacao@nteditorial.com.br

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