A revista Abrava+Climatização & Refrigeração provocou-me com uma pergunta sobre a viabilidade ambiental da geração simultânea de energia, água gelada e água quente. Obviamente, minha resposta só pode ser a de que é muito vantajoso. E explico.

Uma combustão em ciclo aberto aproveita algo como 35% da energia contida no combustível, transformando-a em energia mecânica, reconhecida do ponto de vista           termodinâmico como sendo exergia pura, a qual pode ser totalmente transformada em outra forma de energia, por exemplo, eletricidade.

O restante da energia do combustível transforma-se em energia térmica, que se dissipa na atmosfera gerando aquecimento global imediato e liberando gases de  efeito estufa, quando utilizado combustível fóssil. Essa energia térmica varia em função do tipo de equipamento utilizado e do combustível, mas situa-se em temperaturas que oscilam entre 300°C e 500°C. A hipótese de aproveitamento desse resíduo térmico da combustão poderá levar a eficiência do ciclo à 90%, utilizando-o para gerar água quente para consumo predial   doméstico, bem como, ativar equipamentos de produção de frio por processo de absorção ou adsorção. São as chamadas tecnologias ativadas termicamente.

Assim, considerando-se os motores de combustão interna, pode-se utilizar todo o calor gerado na água de arrefecimento do bloco para ativar equipamentos de simples efeito de refrigeração por absorção, ou adsorção, enquanto o calor dos gases resultantes da combustão pode ser utilizado para ativar equipamentos de  refrigeração por absorção de duplo efeito, cujo COP situa-se em torno do dobro do  valor do COP dos equipamentos de simples efeito (1,4 contra 0,7).

Há, ainda, uma terceira fonte de calor, de menor qualidade, o sistema de resfriamento do óleo de lubrificação do motor e de arrefecimento do turbo, com temperatura em torno de 55°C, suficiente para atender a maior parte, ou integralmente, da demanda de água quente sanitária predial.

Desse modo, pode-se escalonar o uso da energia, qualificando-a por níveis de temperatura e distribuindo-a para ativar equipamentos de eficiências crescentes conforme a qualidade da energia primária disponível. Esse procedimento minimiza o valor da geração necessária e realiza uma redução considerável das emissões, por reduzir a potência gerada e minimizar os efeitos da emissão dos gases, por reduzir a temperatura do rejeito final, podendo fazê-lo à temperaturas da ordem dos 50°C, levantando a eficiência do ciclo dos 35% para 90%, no chamado processo CCHP (Combined Cooling, Heat & Power), ou a trigeração. É um processo que se espelha na Geração Termelétrica em Ciclo Combinado.

Ambientalmente obrigatório e economicamente viável

Outro questionamento foi do ponto de vista econômico. A geração combinada é sustentável? Mais uma vez sou obrigado a responder positivamente.

Acredito na viabilidade econômica, haja vista a existência de várias empresas ESCO que praticam essa modalidade na sistemática BOT, vendendo os produtos a preços competitivos, remunerando-se e transferindo o ativo fixo para o cliente após o tempo de exploração contratual.

É imprescindível, entretanto, um estudo minucioso dos respectivos perfis das demandas elétrica e térmica, para certificar-se de como obter a congruência (armazenamento térmico?) entre os respectivos perfis de demandas, sem o que, o sistema seria tecnicamente inviável.

Sem embargo, o principal argumento em defesa da geração combinada de energia elétrica e energia termica é o apelo ambiental. Transformar um processo de eficiência energética de 35% em algo próximo à 90%, demonstrando preocupação com os impactos ambientais e responsabilidade social com o uso de recursos energéticos não renováveis, poupando-os de forma a estender o seu uso até a descoberta de fontes renováveis que os substituam, por exemplo, a expansão da matriz energética de gás natural renovável, ou dos biocombustíveis líquidos.

Por outro lado, há entraves para essas operações.Temos alguns exemplos de intervenções das concessionárias financiando subestações em alta tensão, em contraposição a sistemas alternativos CCHP que integram o uso simultâneo de eletricidade, calor e frio.

Mas sempre é possível buscar alternativas várias para proceder à geração combinada de energia, água gelada e água quente. A primeira providência é adotar o conceito de edificações de baixa exergia, nas quais estão presentes, fortemente, as aplicações das ciências Transmissão de Calor,   Psicrometria, Mecânica dos Fluidos e Termodinâmica, o que leva à adoção de Altas Temperaturas de Resfriamento e Baixas Temperaturas de Aquecimento. Eficientizar, escalonar e diversificar o uso da energia, desacoplando as cargas sensível e latente, empregando sistemas dedicados ao tratamento do ar exterior, fazendo uso de frio radiante e edificações termicamente ativas e empregando, quando adequado, processo de ventilação personalizada para otimizar a eficiência energética e a excelência da qualidade do ar interior.

Assim como, é possível lançar mão de recursos que tornem ainda mais vantajosa a geração de água quente e água gelada. Por exemplo, adotar o processo de desumidificação por dessecagem, seja ele por sólido ou por líquido, o que otimiza a formatação das edificações de baixa exergia, evitando as baixas temperaturas para o processo de desacoplamento entre cargas de resfriamento e de desumidificação, fazendo-o através de tecnologia ativada termicamente que utiliza calor de baixa qualidade (temperaturas de 95°C, q  ≤ 0,20), alcançável com a temperatura da água de arrefecimento do bloco dos motores de combustão interna empregados nos sistemas CHP ou CCHP. Com essa configuração utiliza-se água gelada a 12°C, majorando o COP, quer seja por equipamento ativado termicamente, quer seja por equipamento por compressão mecânica.

Há outras medidas de racionalização energética no sentido de viabilizar a aplicação do conceito. A geração de água quente, como já foi dito anteriormente, deve ser feita para a menor temperatura satisfatória ao consumo. Água para banho, que representa o maior consumo doméstico de água quente sanitária predial, para hospitais, hotéis etc., necessitam uma temperatura de 43°C, e geralmente é produzida a 70°C, resultando em maior dispêndio de energia, em muitos casos obtida a partir da combustão de gás natural, cuja chama atinge cerca de 1.700°C. É um descalabro exergético usar uma fonte de energia com qualidade 12 vezes maior que a exigência da carga (q = 0,90 contra q = 0,07).

Solução de engenharia

Temos empregado para essas necessidades a operação com chillers arrefecidos a água, os quais operam com os condensadores conectados em paralelo, tornando-os em série somente por ocasião do aquecimento da água para o sistema de água quente sanitária predial. Durante a operação com os condensadores interligados em série, a temperatura de saída da água do estágio de alta temperatura atinge 45°C, propiciando o aquecimento da água do sistema sanitário predial para 43°C, em trocador de calor de placas operando em contrafluxo com a água de arrefecimento dos condensadores. Periodicamente eleva-se a temperatura até 60°C através de bomba de calor, como medida sanitária, não de necessidade de uso.

Essa configuração é feita automaticamente com o emprego de 2 válvulas de 3 vias, on-off. Terminando o carregamento térmico do tanque de água quente, retorna a conexão em paralelo entre os condensadores. Durante o carregamento do tanque de água quente o COP de refrigeração decresce 10%, mas o COP associado (refrigeração + aquecimento) cresce a depender da potência térmica necessária. Caso não houvesse a reversão da conexão hidráulica entre os condensadores após o término da demanda térmica, o balanço energético diário poderia ser negativo.

Importante observar que na solução descrita acima, os equipamentos são de linha normal de produção. O processo de recuperação de calor é feito na instalação, através das válvulas de três vias que conectam os condensadores em série, ou em paralelo. Para temperaturas mais altas, a obtenção seria através de trocador de calor água/gás refrigerante atuando como um desuperaquecedor e tirando partido da temperatura elevada do gás de descarga, em relação à temperatura saturada de condensação do gás.

Outra questão é a assincronia entre os perfis elétrico e de demanda de frio e calor que solicita um processo de armazenamento térmico, pelo menos no lado da água quente, tendo em vista os picos de consumo que ocorrem entre 05h00 e 08h00 e entre 20h00     e 23h00, mas isso já é uma exigência técnica, independentemente do processo de aquecimento utilizado, especialmente quando se utiliza coletores solares. A não existência de um perfil de consumo de frio que justifique o processo CHP, direcionaria para a geração elétrica em ciclo combinado, o que reduziria os rejeitos térmicos a um montante, em quantidade e qualidade, que pudesse ser compatível com a demanda de frio existente.

Francisco de Assis Dantas é engenheiro mecânico, consultor em eficiência energética e sistemas de Climatização e diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado

Veja também:

Bombas de calor em aplicações industriais

Geração distribuída e a CHP

Racionalizar a geração de energia térmica faz bem para o planeta e para o bolso

 

 

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