Kunsthaus Bregenz, Áustria

Na edição no. 85 de abril passado da revista Abrava+Climatização & Refrigeração, na matéria Pandemia reforça a necessidade de obediência às normas em projetos de climatização, páginas 9 a 12, posicionamo-nos sobre medidas para majorar a segurança dos sistemas de ar-condicionado na mitigação da propagação da Covid-19, abordando providências de caracteres operacional e estrutural e suas implicações quanto à segurança, eficiência energética e a viabilidade econômica, considerando a amplitude do impacto provocado.

Abordaremos, para esta edição, proposições de natureza energética conceitual para fazer frente ao acréscimo de energia térmica requerida, sem transmiti-lo, na mesma proporção, ao consumo da energia primária necessária à obtenção do processo de melhoria da segurança da climatização.

Referímo-nos não à majoração da potência térmica, mas à racionalização dos processos. Estágios progressivos exergéticos no uso da energia, de forma a produzir mais, consumindo menos e, assim, ensejar que providências ditadas pela atual emergência provocada pela pandemia possam tornar-se duradouras, senão permanentes, evitando o risco de descarte, passado o flagelo.

Também citamos na mesma matéria, as vantagens que o sistema incorpora à QAI, ensejando que o ocupante desenvolva a excelência de sua capacidade cognitiva e usufrua de ambiente saudável, confortável e seguro.

Os sistemas de climatização dotados de filtração de ar diferenciada, ausência de geração de contaminantes biológicos, taxas de renovação de ar majoradas e distribuição de ar personalizada ou por deslocamento foram considerados fundamentais para prover a diluição e conter a dispersão de contaminantes gerados ou conduzidos para o ambiente interior.

Trata-se da utilização de filtração com qualificação F8 ou F9, uso de UVGI nos sistemas de tratamento de ar nos quais ocorre desumidificação, além do emprego de processos de insuflação que favoreçam aos ocupantes o usufruto de ar renovado, tratado e filtrado, mitigando de forma importante a possibilidade de inspirar contaminantes, se não impedindo, mas reduzindo fortemente (ver artigo Distribuição de ar em tempo de coronavírus, de autoria do Eng. Celso Simões Alexandre, em publicação da Trox no início da pandemia).

Enfocaremos, nesta edição, o conceito exergia, o qual significa a utilização de energia com índice de qualidade compatível com a exigência da carga e, para tanto, utilizaremos o processo já referido na edição de abril de 2021, de sistema de tratamento de ar com desacoplamento total entre cargas de resfriamento e de desumidificação, com ênfase nos seguintes aspectos: 1) Eficiência energética e mitigação de impactos ambientais e 2) Otimização da segurança e conforto.

Viabilidade técnico-econômica dos sistemas incrementados

Consideramos o processo de desacoplamento total entre cargas de resfriamento e de desumidificação o fator chave para obter melhorias consideráveis em ambos os aspectos.

Adotamos, desde 2009, os sistemas abordados nas publicações periódicas de associações consagradas, como a ASHRAE e a RHEVA, e pudemos comprovar, com o acompanhamento do uso, os ganhos energéticos e econômicos teoricamente sinalizados decorrentes da aplicação dos sistemas ar-água de cerca de 40%, em relação a sistemas tradicionais todo ar.

Além de equipamentos de tratamento de ar com resfriamento sensível, a própria edificação pode ter as superfícies da sua massa construtiva resfriada, tornando-se receptora de calor, ao invés de emissora, reduzindo consideravelmente a potência e as vazões de ar das unidades de tratamento de ar.

Além do mais, o sistema radiante recebe água com temperatura acima da temperatura de orvalho do ar do ambiente climatizado (TPO ± 13°C), utilizando o fluido já circulado nas unidades DOAS (unidades de tratamento do ar exterior).

Essas unidades levam o ar tratado até a temperatura de orvalho 7°C, seguido de reaquecimento em ciclo fechado (run around) com a água gelada de retorno, resultando em perda energética nula.

A água oriunda da central de água gelada, sob temperatura 5°C, após utilizada no processo de desumidificação e reaquecimento do ar exterior, ao invés de voltar à CAG – o que aconteceria num sistema tradicional, vai atender o sistema de frio radiante, alimentando-o a temperatura de 14°C e retornando à CAG a 17°C.

A ciência termodinâmica nos mostra que o COP das máquinas de refrigeração por compressão mecânica é dado pela expressão, o que conduz a uma eficiência termodinâmica 40% superior para resfriar água até 14°C, comparada à eficiência termodinâmica para se obter água a 5°C.

Em outras palavras, produz-se água gelada por estágios de temperatura e utiliza-se também por estágios, escalonando as qualidades entre produção e consumo. É possível concluir, portanto, poder-se fazer frente ao acréscimo de energia térmica requerido pelas medidas operacionais e estruturais de segurança contra a contaminação aérea sem, necessariamente, transferir esse acréscimo para o consumo de energia primária, reduzindo também, em igual magnitude, os impactos ambientais decorrentes do uso da energia.

A matriz elétrica brasileira é composta em 80,4% por energias renováveis, enquanto a matriz mundial só dispõe de 22,8% (dados de 2019 da EPE-MME). Apesar disso, é essencial consumir apenas o estritamente indispensável para cada processo, no propósito de conter o avanço da temperatura global, mesmo quando se atingir a matriz energética 100% renovável.

Do ponto de vista do conforto térmico

A temperatura do corpo humano é de aproximadamente 37°C, com pequenas variações de pessoa para pessoa. A circulação do sangue junto à pele deixa a superfície do corpo, em contato com o ar, a 34,4°C.

Num ambiente para ocupação humana, qualquer superfície com temperatura superior a 34,4°C emite calor para o corpo humano, enquanto qualquer superfície com temperatura inferior à 34,4°C recebe calor emitido pelo corpo humano, reduzindo a carga metabólica a ser trocada com o ar do ambiente por convecção e por evaporação.

Quando as superfícies circundantes estão a 22,2°C, 2/3 do calor cedido pela pele do indivíduo são resultantes da radiação; a 30,6°C somente 1/3, cessando a troca térmica por radiação entre a pele e as superfícies circundantes ao atingir a igualdade de temperatura, ou seja, 34,4°C (Evaporative Air Conditioning Handbook – Dr. John R. Watt, P.E.).

O processo radiante considera as superfícies circundantes mantidas a 21°C, resultando numa ótima sensação de conforto térmico e possibilitando manter o ar do ambiente 2°C acima da temperatura de bulbo seco de projeto, ou seja, 26°C, resultando em significativa economia energética e em idêntica temperatura operacional, se comparada à do sistema todo ar com temperatura ambiente 24°C.

A escolha dos vidros tem papel fundamental no conforto térmico. Vidros absorventes podem atingir altas temperaturas, provocando desconforto aos ocupantes mais próximos, dada a alta taxa de radiação emitida, o que pode levar à equivocada decisão de baixar o set-point da temperatura do sistema, na vã esperança de eliminar o desconforto, incorrendo em significativo acréscimo no consumo de energia.

A medida eficaz é a escolha correta dos vidros e/ou uma conveniente aplicação de sombreamento das fachadas, além de tratamento isotérmico das lajes e paredes ensolaradas, evitando a ocorrência de assimetria radiante.

Edificações ativadas termicamente

A utilização de frio radiante deve ser avaliada do ponto de vista de simultaneidade da climatização entre ambientes adjacentes ou superpostos, de modo a prevenir a ocorrência de condensação em situações de climatização não sincronizada. Neste caso, as superfícies radiantes seriam termicamente isoladas.

Na hipótese de climatização simultânea sincronizada, dispensa-se a isolação térmica das massas construtivas comuns entre ambientes climatizados, resultando em armazenamento térmico na edificação e constituindo-se em âncora resiliente às variações de temperatura provocadas por cargas transitórias. São as chamadas Edificações Ativadas Termicamente (TABS, da sigla em inglês).

Como exemplificação emblemática indicamos o Museu de Arte em Bregenz, Áustria, constante do Guidebook nº 7 da REHVA, constituindo-se em edificação ativada termicamente e com insuflação de ar por deslocamento vertical convectivo (Displacement Flow).

O referido artigo informa o uso de energia geotérmica viabilizada pela alta temperatura de resfriamento requerida pelo sistema radiante e um custo operacional equivalente a 50% do respectivo custo para aplicações semelhantes de instalações para museus na mesma região climática.

É um exemplo típico de uma abordagem exergética na aplicação da energia.

Saiba mais sobre o Kunsthaus Bregenz em: https://www.kunsthaus-bregenz.at/ueber-uns/architektur/klimatechnik/ – acessado em 31/05/2021 às 12H00.

 

 

 

 

 

Francisco Dantas, é engenheiro mecânico, consultor e projetista e diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado

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