Por mais que as concepções e prioridades políticas hoje dominantes posterguem a ratificação da Emenda de Kigali, e em que pese a paralisia do Congresso Nacional em relação às questões ambientais, ela fatalmente deverá acontecer. Afinal, a pressão mundial é grande, principalmente após a divulgação do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Em todo o mundo as mensagens são claras. Países ricos não conseguem controlar queimadas que destroem milhares de quilômetros quadrados, Europa e China têm vivenciado enchentes monstruosas, o noroeste dos Estados Unidos e regiões do Canadá, onde vigoram baixas temperaturas o ano inteiro, experimentaram ondas de calor de mais de 38º.C. No Brasil, que tem desmatado o equivalente a cerca de 3.300 campos de futebol por dia na Amazônia, a escassez de chuvas já prenuncia uma crise hídrica inimaginável.

Assim, mais cedo ou mais tarde, sob pena de transformar-se em pária internacional, o país deverá ratificar a Emenda. Para se ter uma ideia, dos 144 países em desenvolvimento apenas Brasil e Iêmen não a ratificaram. Com a ratificação o país estaria apto a receber cerca de US$ 100 milhões a fundo perdido para modernização da indústria e investimento em treinamento e capacitação da mão de obra, como informa Alexandre Lopes, presidente do DN Meio Ambiente da Abrava, no editorial desta edição.

No entanto, há que se levar em conta o que fala Cristiano Brasil, da Engenharia de Aplicação da Midea Carrier. “Antes de mais nada acredito que seja importante pontuar que o Brasil é signatário do Artigo 5º do Protocolo de Montreal. Estamos entrando em um processo de phasedown (redução) e não phaseout (eliminação). Nosso país está em processo de medição do consumo médio dos HFCs para que em 2024 seja estabelecido o valor máximo a partir da qual o consumo dos HFCs será congelado e terá sua primeira redução de 10% em 2029. Isto é muito importante de ser pontuado porque não existe nenhuma obrigação de redução imediata de consumo, muito menos em relação a proibição de comercialização, como já é possível ouvir, e os consumidores de equipamentos que utilizam estes refrigerantes precisam ficar tranquilos em relação a isto. A Midea Carrier sempre foi pioneira em relação as tendências de mercado e estamos sempre atentos às legislações vigentes e a mudanças no cenário global. Quando os CFC eram considerados os maiores degradadores da camada de ozônio, buscamos alternativas para substituição dos CFC-11, CFC-12 entre outros, assim como, quando foi estabelecida a necessidade de eliminação dos HCFC, fomos a primeira empresa a introduzir resfriadores de líquidos com os refrigerantes HFC no Brasil.”

A indústria tem buscado fazer a sua parte, oferecendo produtos de baixo GWP, embora ainda não existam saídas claras para a substituição. “Para equipamentos de ar-condicionado de expansão direta, ainda não existe um consenso claro para a substituição do R410a e muitas das opções disponíveis no mercado são inflamáveis. Atualmente, a Trane está avaliando diversas alternativas, mas ainda sem uma definição publicada até o momento”, informa Rafael Dutra, Coordenador de Aplicação da Trane.

“Para equipamentos de ar-condicionado expansão indireta, a Trane, através de seu portfólio ECOWISE, dispõe para o mercado produtos com a nova geração de refrigerantes e alta eficiência energética. Dessa forma, para os chillers que operam com R134a estamos oferecendo atualmente a opção do R513A, uma opção drop in, ou seja, pode ser usado sem modificações nos componentes do chiller. Além disso, os chillers de baixa pressão já contavam com opções de baixo GWP e agora utilizam opções de baixíssimo GWP, na ordem de GWP=2, como é o caso do R514A”, continua Dutra.

A Trane, segundo Dutra, tem um compromisso firmado de reduzir em 1 giga toneladas as emissões de carbono das operações de seus clientes até 2030. “Nesse compromisso, a Trane, além de apresentar soluções de alta eficiência, está incrementando o seu portfólio com refrigerantes de nova geração de forma continuada e sempre balanceando a questão de impacto direto do GWP e eficiência energética. Hoje, as soluções que utilizavam HCFC utilizam HFO como o R514A, e diversos produtos que utilizam HCF possuem alternativas com fluidos da nova geração.”

“Hoje já se faz necessário pensar em uma nova geração de fluidos refrigerantes, desta vez buscando minimizar o potencial de aquecimento global. Falando em presente e futuro, temos diversos estudos e desenvolvimentos no Brasil e no exterior em relação à futura geração de fluidos refrigerantes como o R32, R513-A, R-1233zd(E), R515-B, R1234ze(E) entre outros. A grande diferença entre estes fluidos refrigerantes são as suas características em relação a custo, a médio ou baixo GWP e se são refrigerantes de classificação A1 (sem inflamabilidade e sem toxidade) ou A2L (baixa inflamabilidade e sem toxidade). É muito difícil se afirmar neste momento se todas as linhas de produtos utilizarão futuramente refrigerantes de mesmas características. Poderá haver tendências diferentes para large splits e rooftops, outra para sistemas VRF ou outra para resfriadores de líquido. Para a linha de produtos residenciais, por exemplo, já fizemos o lançamento da linha Split Hi Wall Air Still com o refrigerante R32. Afirmamos que estamos atentos a todas as tendências e que nenhuma alternativa que reúna sustentabilidade, custo competitivo e alta eficiência está descartada para um futuro próximo. Já realizamos vendas de equipamentos que utilizam o refrigerante R-1233zd(E) no Brasil, por exemplo, o que é um refrigerante com GWP 0”, completa Brasil.

Refrigeração comercial

Segundo informam Marco Antonio de Moraes, da Engenharia e Aplicação da RAC, e Marcos Euzébio, da Engenharia, Aplicação e Treinamentos da Bitzer, levando-se em conta o índice de ODP (Potencial de Destruição da Camada de Ozônio), qualquer opção técnica com valor diferente de zero já indica impedimento e restrição ao uso, uma vez que a agenda de extinção para os fluidos HCFCs segue a passos largos e os fabricantes de equipamentos de refrigeração mantêm a disponibilidade de seus produtos apenas como componentes para reposição em sistemas com esses fluidos, pois projetos novos não são mais desenvolvidos. O melhor exemplo nesse caso é o fluido R-22, tecnicamente excelente, porém já em fase final de aplicação.

“O índice de GWP e o fator eficiência energética dividem o peso no critério de escolha da opção técnica dos novos projetos, pois ambos atualmente têm grande valor e importância na decisão, sendo necessário estudo específico de viabilidade por regime de aplicação, disponibilidade regional, custo, classe de segurança, índice de eficiência energética e capacitação profissional ao uso”, alerta o representante da RAC.

“Os fluidos HFCs que inicialmente foram ofertados como solução para substituição dos HCFCs atualmente dominam as aplicações comerciais de forma geral, como por exemplo R-404A e  R-507A , porém as restrições indicadas na Emeda de Kigali já surtem efeito direto nos novos projetos em que passamos a observar crescimento de uso das blendas HFC+HFO, que possuem menor GWP e maior eficiência, com aplicação extensa e variada (BT,MT,AT) para equipamentos de pequeno, médio e grande porte na refrigeração comercial, como é o caso dos fluidos R-448A, R-449A e R-513a”, complementa Euzébio.

Os representantes da Bitzer e da RAC explicam, ainda, que na refrigeração comercial existem fluidos naturais, como CO2 e hidrocarbonetos (HCs). “Os hidrocarbonetos atendem muito bem os três principais regimes (BT, MT, AT), porém são fluidos do grupo de segurança A3, inflamáveis, o que requer projeto específico de segurança e observação da carga máxima permitida por legislação para equipamentos conforme meio a ser resfriado. O CO2 tem se consagrado mundialmente como excelente opção técnica para regimes de baixa e média temperatura de evaporação, por atender bem aos requisitos de baixo GWP e boa eficiência energética, além de ser menos suscetível às variações de custo tal qual temos observado recentemente no caso dos sintéticos.”

Refrigeração industrial

Os representantes da Bitzer e da RAC esclarecem que a classificação de projeto como refrigeração industrial é bem ampla, sendo a Amônia (NH3), geralmente a decisão mais comum por apresentar excelente eficiência energética, GWP nulo e baixo custo de aquisição. “Porém, se o projeto é equipamento para menores capacidades frigoríficas, os sistemas híbridos têm ganhado bastante força, utilizando CO2 com NH3, CO2 com HCs, CO2 com R-449A ou R134a, visando sempre a aplicação com uso de fluidos de baixo GWP e ótima eficiência. Para o caso de projetos sem uso de fluidos naturais a opção R-448A ou R449A tem tido bons resultados nas aplicações de baixa e média temperaturas de evaporação.”

Moraes e Euzébio explicam, ainda, que são diversas as opções disponibilizadas pelos fabricantes para aplicações comerciais e industriais, mas recomendam ao cliente final sempre observar fatores como custo e disponibilidade regional, compatibilidade do fluido com os materiais de construção mecânica do sistema, além da capacitação técnica dos profissionais que irão operar o equipamento.

Na hipótese de um retrofit, eles explicam que ser de suma importância verificar o resultado de capacidade frigorifica que o novo fluido irá apresentar no equipamento, e para tanto torna-se necessária a consulta ao fabricante do compressor e dos trocadores de calor para certificar a condição, bem como a validação com os demais fabricantes dos componentes de construção do sistema, pois o novo fluido deve ser compatível com os materiais utilizados, bem como com as máximas pressões admissíveis de trabalho e correntes elétricas consumidas. “Cada caso específico é um caso, portanto uma indicação generalista nem sempre será a informação correta”, alertam.

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