Podemos definir um sistema que condiciona o espaço ambiental construído como o conjunto de tecnologias que o torna seguro, saudável e confortável. Tal sistema controla a luz, a temperatura, a qualidade do ar, a umidade e o som. Parte dessas tecnologias podem ser passivas, ou seja, obtidas fundamentalmente a partir das potencialidades do clima do local e de características da envoltória e da massa construtiva das edificações, entre elas a iluminação natural, a ventilação natural, a isolação térmica e a inércia térmica predial.

Para o engenheiro Francisco Dantas, diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado, os procedimentos descritos no parágrafo acima contribuem, significativamente, para o propósito de atingir o conceito de baixa exergia para o resfriamento e aquecimento dos edifícios, que parte da maximização do uso de energia utilizando fontes renováveis e o aproveitamento, como insumo, de rejeitos de processos que o antecederam.

“O conceito de baixa exergia considera o uso de altas temperaturas de resfriamento e baixas temperaturas de aquecimento para o controle da temperatura e da umidade nos processos de conforto termohigrométrico das edificações. Entre essas tecnologias destacam-se a isolação térmica, o uso da inércia térmica das edificações, o ganho solar para a calefação, os dispositivos de sombreamento, a ventilação natural e os processos de free cooling e free heating”, explica Dantas.

“Deve-se conceber, construir e gerenciar a utilização dos sistemas passivos de modo a qualificá-los como tecnologias passivas capazes de substituir, sem prejuízo de eficácia, tecnologias ativas intensivas consumidoras de energia no seu estado mais nobre, a eletricidade. Isso passa, obrigatoriamente, pelo respeito às características climáticas específicas da região da construção, adotando uma ‘cultura arquitetônica’ regionalizada, dependente das características climáticas da região e dos padrões comportamentais dos ocupantes das edificações”, continua Dantas.

Para o engenheiro Dantas, as grandes torres de edificações espalhadas por todo o mundo, com concepção, envoltória e gerenciamento idênticos, independentemente da variedade de climas das regiões onde estão construídas, são consumidoras intensivas de energia através de tecnologias ativas como única forma possível de atendimento a essas edificações, que não retratam as culturas arquitetônicas regionais baseadas, sobretudo, no clima específico de cada região geográfica. “Considero a climatização do Museu de Arte de Bregenz, na Áustria, um exemplo emblemático de climatização passiva, onde a isolação térmica e o uso da inércia térmica da massa da edificação, como âncora, reduziram a vazão de ar total circulada, transformando um sistema ativo ‘todo ar’ de vazão 25.000 m³/h, num sistema híbrido ‘ar-água’ de vazão total 3000 m³/h por processo ativo convectivo, completado por processo passivo de resfriamento radiante, reduzindo para 12% a magnitude de unidades de tratamento de ar e dutos de condução de ar do processo ativo por convecção”.

Orientação e implantação da edificação

Erica Umakoshi, professora doutora do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília – UNB, entende que, para uma significativa redução da carga térmica da edificação deve-se, primeiramente, avaliar a orientação do edifício desde o início do projeto. “É importante que a distribuição dos espaços seja pensada para setorizar as áreas que podem receber mais ou menos radiação direta. No caso de fachadas que recebam mais insolação direta, podemos prever espaços como áreas de circulação, sejam elas verticais, por elevadores ou mesmo corredores, ou espaços de curta permanência. Pode-se, ainda, dispor nesses locais ambientes menos nobres como sanitários ou, em residências, áreas de lavanderia”.

O segundo passo é a escolha, o dimensionamento e o posicionamento das aberturas. “Dessa forma, pode-se verificar a necessidade de elementos de sombreamento. Lembrando que esse sombreamento pode ser feito pela própria forma do edifício, utilizando recuos ou avanços de alguns elementos na fachada ou utilizando elementos externos como os brises. Vale ressaltar que os equipamentos de arrefecimento serão dimensionados para serem usados no momento em que todas essas estratégias tenham sido esgotadas, com isso, o consumo energético será drasticamente reduzido”, diz a professora da UNB.

Umakoshi alerta ser necessário levar em conta qual tipo de edificação está sendo projetada, ao se pensar em redução da carga térmica, pois as estratégias podem ser totalmente diferentes em edifícios horizontais e edifícios verticais. “No caso de edificações horizontais podemos utilizar elementos de sombreamento externo, eles irão funcionar muito bem para reduzir a carga térmica, tanto por elementos transparentes como opacos, garantindo que os ambientes internos não fiquem muito quentes, como mostradas nas fotos do CEU Brasilândia.

Elementos de sombreamento no CEU Brasilândia

Já em edifícios de múltiplos andares, caso existam fachadas que recebam muita insolação direta e onde foram esgotadas todas as alternativas de sombreamento, como no caso da UNIBES Cultural, podem ser utilizadas cores claras, que já refletem a radiação incidente. Por fim, podem ser escolhidos materiais com pouca capacidade de transferência térmica, os isolantes. As paredes verdes (veja foto) podem ser utilizadas como elementos de redução de ganho de carga térmica por insolação direta”.

Paredes com cobertura vegetal protegem fachadas

Em relação aos elementos que podem ser utilizados no isolamento de fachada, visando à redução da carga térmica, Bruno Martinez, diretor do escritório de Curitiba da Petinelli Inc., explica que cada edifício possui um comportamento térmico próprio. “Alguns possuem cargas internas predominantes e estão em climas amenos. Neste tipo de edificação, isolar a fachada poderia prejudicar a performance do edifício. Outros já possuem uma enorme área de fachada, portanto, as cargas externas são predominantes. Em climas frios, certo nível de isolamento pode se tornar uma medida eficiente; já em climas quentes, a proteção através de sombreamento e a utilização de cores claras pode trazer um resultado melhor que o isolamento. No final das contas, cada prédio irá possuir o Fator-U (valor numérico que aponta a emissividade de cada vidro) ótimo da sua fachada. A melhor forma de encontrar essa fachada otimizada é utilizando a ferramenta de simulação termoenergética, em que num modelo virtual as soluções podem ser testadas e o comportamento do edifício avaliado”.

A NBR 15.575:2013 (Edificações Habitacionais – Desempenho – Parte 5: Requisitos para Sistemas de Coberturas) estabelece critérios relativos ao desempenho térmico, acústico, lumínico e de segurança contra o fogo, cujos projetos são particularmente determinados e influenciados por ações atuantes como o vento, a intensidade de chuvas e a insolação. As coberturas ou telhados são partes das edificações onde ocorrem as maiores trocas de calor entre os ambientes interno (edificações térreas e último pavimento de sobrados ou prédios) e externo.

Em relação às soluções a serem utilizadas para a redução de carga térmica, Umakoshi comenta que é preciso avaliar a influência sobre a edificação em questão. Em edificações horizontais a interferência desse elemento é muito maior do que em edifícios altos (verticais). Ela comenta, também, que há no mercado inúmeras soluções de telhas com propriedades isolantes. É possível encontrar uma grande variedade de mantas térmicas que podem ser colocadas sob a cobertura. “A avaliação para a escolha de cada um desses materiais deve ser pautada pela avaliação do conjunto, devendo ser averiguados todos os ganhos de carga térmica da edificação, avaliando se a estratégia principal será ventilar o ambiente naturalmente ou climatizá-lo”, ressalta. É preciso, ainda segundo a professora da UNB, levar em consideração se abaixo da cobertura haverá laje ou somente forro, e que tipo de forro. A cor da cobertura também influencia no ganho de carga térmica; quanto mais clara for a cor da cobertura, maior será a redução da carga térmica. As coberturas verdes também podem reduzir a carga térmica. “Em geral, é importante que seja feita uma avaliação completa da edificação e não apenas uma escolha de material, sendo este, sempre, o resultado de todos os outros processos”, avalia.

Martinez acredita que as soluções de cobertura também seguem o mesmo conceito das fachadas “cada edifício possui um comportamento térmico próprio”. É preciso entender esse comportamento. “Existem diversas soluções de isolamento térmico de cobertura no mercado. Essas soluções vão desde telhas sanduiches com PUR/PIR até mantas de lã de rocha que podem ser utilizadas acima do forro”, diz.

Uso natural de ventilação e iluminação

A iluminação natural também influencia o comportamento da carga térmica em uma edificação. “Esse é um tema muito discutido nos nossos projetos, principalmente porque envolve inovação. O problema é simples e cultural. Para facilitar o entendimento, irei citar, como exemplo, um edifício envidraçado com uma laje estreita cuja fachada principal está para oeste. O pico da carga térmica é às 16h00, quando o Sol incide diretamente na fachada. É nesse momento, também, que toda a laje recebe uma quantidade enorme de iluminação natural. O arquiteto projeta brises de maneira correta, e os ocupantes não se sentem ofuscados pela incidência direta do sol. Um sistema de dimerização contínua, em conjunto com sensores de luminosidade, será instalado no prédio para reduzir a potência das luminárias sempre que a iluminação natural atender os níveis de iluminância estabelecidos pelo projeto, de maneira automática. Para o cálculo da carga térmica, o projetista deveria ou não considerar a potência da iluminação artificial? A resposta, na maioria desses casos, é que o projetista, responsável técnico pelo projeto, não se sente confortável em excluir a potência de iluminação desse cálculo. O principal motivo de insegurança é que durante a operação do prédio não é possível garantir que todos esses sistemas irão funcionar e os ocupantes irão se comportar como o esperado. Nas nossas avaliações, as reduções de carga térmica, relacionadas a essa estratégia, podem ser enormes, de 10 a 20%. Podendo representar uma diferença muito grande no custo de instalação do sistema de ar condicionado. Quando encontramos esse dilema, sempre buscamos engajar o cliente na decisão. Mostrar para ele os custos e os riscos. Uma decisão pautada em informações de qualidade é sempre a melhor decisão”, relata Martinez.

Em ambientes de trabalho ou estudo, por exemplo, a radiação direta sobre o indivíduo pode causar ofuscamento, dificultando a realização das tarefas, levando os usuários a fecharem a janela ou a persiana. Para que a iluminação natural seja bem utilizada é preciso que não haja penetração de sol pelas aberturas, sendo necessário o conhecimento da carta solar do local e a avaliação dos ângulos de insolação para cada fachada. “Isso permite que em determinados ambientes sejam propostas janelas altas e, em outros, janelas amplas e recuadas ou sombreadas, com isso, a compatibilização da iluminação natural com a redução da carga térmica é otimizada”, evidencia Umakoshi.

Para o diretor da Petinelli, a ventilação natural só pode ser utilizada quando existe certo nível de tolerância em relação ao conforto do ocupante. Segundo ele, existem regiões no Brasil com climas amenos, que permitem o uso dessa estratégia, principalmente em ambientes escolares. Porém, por mais ameno que seja o clima, se o ocupante não tem a capacidade de se adaptar às condições climáticas, provavelmente a ventilação natural não é a melhor solução para o projeto. “Soluções passivas como sombreamento, aumento da inércia térmica, ventilação cruzada, efeito chaminé, vidros de controle solar etc., devem ser avaliados cuidadosamente. Nesse tipo de projeto sempre sugerimos utilizar a ferramenta simulação, principalmente simulação CFDComputational Fluid Dynamics ou Fluidodinâmica Computacional. Ela permite estudar e otimizar os fluxos de ar na edificação. Mesmo com todo este cuidado ocorrerão variações de temperatura durante o ano, e o usuário (no caso o aluno) poderá adaptar suas vestimentas às condições climáticas locais. Essa flexibilidade é que possibilita adotar esse tipo de solução para esses projetos”, argumenta Martinez.

Para Umakoshi, o uso da ventilação natural como estratégia de arrefecimento, deve partir do pressuposto que as aberturas devem estar posicionadas em diferentes fachadas, lembrando que janelas altas favorecem a ventilação por efeito chaminé e que, em ambientes onde só existe uma janela, a ventilação ficará comprometida. É importante conhecer as direções e as intensidades dos ventos predominantes em cada região.

Em ambientes corporativos, é preciso levar em conta que nem todos os usuários estão dispostos a trabalhar com vento sobre a sua estação de trabalho, e o posicionamento das janelas deve prever essa realidade. Além disso, é preciso levar em consideração que elementos de sombreamento podem dificultar a ventilação do ambiente, estejam eles posicionados dentro ou fora do ambiente. “É importante ressaltar que um projeto energeticamente eficiente deve ser desenvolvido dentro de um processo de projeto completo, em que a proteção das aberturas para a otimização da iluminação natural deve ser aliada às estratégias de ventilação natural. Apenas assim essas duas estratégias passivas irão trabalhar juntas em prol da redução da carga térmica interna dos ambientes”, conclui Umakoshi.

Charles Godini – charles@nteditorial.com.br

Veja também: 

Tecnologias para a otimização dos sistemas de climatização

Isolamento de coberturas e fachadas

 

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