O estudo de ambientes internos tornou-se um campo da ciência nos últimos anos. As interações complexas entre os poluentes com os quais as pessoas entram em contato podem causar efeitos adversos à saúde.

Apesar de não ser uma classificação científica, de maneira geral, poluição interior é composta de partículas físicas (como poeira, material particulado e fibras), partículas biológicas (como fungos, bactérias, vírus, grãos de pólen, ácaros do pó doméstico e fragmentos e proteínas de seres vivos) e gases (compostos orgânicos voláteis, ozônio e monóxido de carbono).

Esse artigo trará informações sobre contaminantes biológicos, seus efeitos na saúde dos ocupantes e sua relação com a umidade.

Fontes de contaminantes biológicos em ambientes internos e condições para sua proliferação

Microrganismos, como fungos, bactérias e vírus, podem migrar para ambientes internos através do ar externo. Indivíduos, pragas urbanas, materiais contaminados, água e alimentos são outras importantes vias.

Uma vez introduzidos em uma instalação, as seguintes condições serão os principais fatores para a sobrevivência dos microrganismos: temperatura, nutrientes, valores de pH, atividade da água e umidade relativa.

Pode-se dizer que a principal condição para proliferação de microrganismos (i.e., bactérias e fungos) e atividade viral em ambientes internos é a umidade e disponibilidade de água.

Uma das principais condições a serem consideradas é o índice de atividade de água do material, que mede a disponibilidade de água. Ela é determinada pela razão entre a quantidade de água disponível para o microrganismo e a água pura, sendo o valor máximo de 1. Normalmente, a proliferação de bactérias e fungos aumenta à medida que a atividade da água aumenta. Isso também parece ser verdadeiro para alguns vírus, embora essa correlação não seja sempre linear. É importante notar que bactérias e fungos podem ter mecanismos para tolerar baixa atividade de água, o que significa que podem não proliferar, mas permanecer viáveis.

É de conhecimento geral que fungos, especialmente o mofo, crescem onde há umidade. Porém, um dos fatores que os tornam tão bem adaptados aos ambientes internos é a habilidade de algumas espécies de crescerem em materiais cujas atividades de água (aw) são inferiores a 0,85, enquanto essas condições geralmente não satisfazem as bactérias. Dessa forma, tendem a ganhar a competição pela sobrevivência e proliferação mesmo quando a água disponível é menor, originando as manchas de mofo, já observadas por todos nós. Vários são os artigos que classificam as espécies de fungos encontradas em ambientes internos, correlacionando com a atividade de água necessária ao crescimento. Dessa forma, alguns índices, assim como espécies indicadoras de umidade ativa no ambiente, já foram sugeridos. Apesar da necessidade de maiores estudos, alguns achados merecem atenção. Por exemplo, a espécie de mofo Stachybotrys chartarum necessita de altos níveis de atividade da água para o crescimento, sendo frequentemente correlacionada a edifícios que sofreram danos por água, como em casos de enchentes e vazamentos não consertados. Além de sintomas alérgicos, essa espécie também é capaz de liberar toxinas no ambiente, denominadas micotoxinas, possivelmente correlacionadas com casos de hemorragia pulmonar e outros efeitos na saúde. A produção de micotoxinas por essa e outras espécies também parece ser amplificada pelo aumento da água disponível, demonstrando o efeito deletério de altas quantidades de água nos ambientes internos.

A umidade relativa do ar é outro fator importante que pode influenciar na sobrevivência e proliferação de microrganismos. Muitas vezes, à medida que a umidade relativa aumenta, o mesmo ocorre com o crescimento e a atividade microbiana. Estudos mostram que umidades acima de 60% também facilitam a proliferação de bactérias, sendo uma medida razoável mantê-la entre 40% e 60%. A U.S Environmental Protection Agency (EPA) americana, em suas medidas para controle de mofo recomenda umidades relativas entre 30% e 50%.

Estudos também sugerem que o aumento da umidade relativa pode elevar a produção de compostos orgânicos voláteis microbianos (em inglês, a sigla MVOC). Esses compostos pertencem a diferentes grupos químicos e são resultantes das atividades metabólicas dos mofos, por exemplo.

Efeitos na saúde

O aumento da umidade em ambientes interiores pode elevar a liberação de certos compostos químicos e proliferação de microrganismos, podendo originar efeitos na saúde. Esses efeitos incluem infecções (como infecções do trato respiratório, agravadas em situações de ambientes hospitalares e situações de imunossupressão), reações inflamatórias e alérgicas, além de tóxicas. Estudos mostram que uma avaliação qualitativa sobre problemas de umidade visível, manchas de mofo e odor de mofo, mostram resultados mais consistentes de correlação com efeitos na saúde do que a própria identificação de espécies a partir de cultivo, denotando a importância de uma boa inspeção e avaliação holística do ambiente.

Existem mais de 80 gêneros de mofos associados a reações alérgicas e inflamatórias. A umidade e mofo em ambientes estão correlacionados com exacerbação de asma, falta de ar, chiado no peito, tosse, infecções respiratórias, rinite alérgica e alergias de pele (eczema).

Enquanto estudos no Brasil são mais raros, estimativas no Hemisfério Norte sugerem que pelos menos 20% dos edifícios têm problemas com umidade. Somente nos Estados Unidos, estimou-se que 50% das residências possuem problemas com umidade ou mofo, gerando um aumento de até 50% nos sintomas respiratórios e de asma e custos anuais de 3,5 bilhões de dólares. Ainda que esses dados devam ser analisados com cautela, é evidente que umidade e mofo trazem efeitos deletérios não apenas para a estrutura de edifícios, mas também para a saúde dos ocupantes.

Menos estudadas são as reações tóxicas e de exposição a compostos secundários. MVOCs já foram associados a letargia, dores de cabeça, irritação dos olhos, nariz e garganta. Em relação às micotoxinas, mais de 300 estão associadas a efeitos adversos à saúde, na maioria das vezes por ingestão. Os estudos de inalação não são tão conclusivos. A espécie de mofo supracitada, conhecida como Stachybotrys chartarum, é uma das mais estudadas. No início da década de 1990, o CDC conduziu um estudo em Cleveland, Ohio, no qual 37 bebês desenvolveram uma hemorragia pulmonar rara e 12 morreram em um período de 5 anos. A pesquisa encontrou S. chartarum e outros fungos, que podem produzir toxinas nas casas, mas nenhum efeito causal foi encontrado. Outros estudos sugeriram uma correlação entre esse mofo e dores de cabeça, perda de memória e outros efeitos adversos à saúde.

Além das reações inflamatórias e tóxicas, existem as infecções que ficaram em evidência em momentos da pandemia de Covid-19. Ambientes internos mostraram sua importância na saúde pública, deixando de ser habitados para conter o avanço de algo que se tornou inevitável.

Enquanto as pneumonias, gripes e resfriados causados por bactérias e vírus são as mais comuns e conhecidas, existem também as fúngicas. Situações de exposição elevada associadas a processos de imunossupressão podem acarretar infecções fúngicas severas com dificuldade de tratamento. Aspergillus fumigatus e Aspergillus flavus são espécies de mofo que podem causar infecções pulmonares, sendo a aspergilose invasiva a mais agressiva, correspondendo a uma taxa de mortalidade média de 60%, com custos de tratamento e hospitalizações que ultrapassam os 600 milhões de dólares nos Estados Unidos. Recentemente, os casos de mucormicose (infecção localizada principalmente na região da face e cérebro causada por algumas espécies de mofo como o Mucor ssp) chamou a atenção do mundo, devido ao elevado número de casos na Índia em pacientes em recuperação da Covid-19. Casos também foram reportados em outros países, como o Brasil. Provavelmente as comorbidades como diabetes associadas à debilitação do organismo durante a recuperação foram alguns dos fatores que elevaram a quantidade de casos e a mortalidade. Apenas na Índia, a mortalidade durante a pandemia foi de 85%.

Se os microrganismos estão em todos os locais, podendo causar danos à saúde, mais do que nunca se faz necessário atentar para as seguintes condições: se existem problemas de umidade, é possível sentir o odor de mofo ou visualizar manchas ou contaminação, sendo preciso remediar, não importando a concentração ou espécie. Ainda, a remediação deve prever não somente a eliminação de condições favoráveis de atividade de água e umidade relativa, mas também remoção do mofo e seus compostos secundários.

Leitura adicional

Fischer, G., & Dott, W. (2003). Relevance of airborne fungi and their secondary metabolites for environmental, occupational and indoor hygiene. Archives of microbiology, 179(2), 75-82.

Kim, A., Nicolau, D. P., & Kuti, J. L. (2011). Hospital costs and outcomes among intravenous antifungal therapies for patients with invasive aspergillosis in the United States. Mycoses, 54(5), e301-e312.

Mendell, M. J., Mirer, A. G., Cheung, K., Tong, M., & Douwes, J. (2011). Respiratory and allergic health effects of dampness, mold, and dampness-related agents: a review of the epidemiologic evidence. Environmental health perspectives, 119(6), 748-756.

Nielsen, K. F. (2003). Mycotoxin production by indoor molds. Fungal genetics and biology, 39(2), 103-117.

Pettersson, O. V., & Su-lin, L. L. (2011). Fungal xerophiles (osmophiles). eLS.

 

 

 

 

Cristiane Degobbi Coelho, formada em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo e Doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, atua no estudo de bioaerossóis há 15 anos, sendo diretora técnica da Truly Nolen International

Veja também:

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