Retrocomissionamento estabelece requisitos atuais dos sistemas

Nem sempre o objetivo central é a redução do consumo energético; pelo contrário, o principal deve ser a busca do conforto e saúde dos ocupantes

O processo de retrocomissionamento objetiva verificar, examinar e avaliar as condições de uma edificação já existente, visando o conforto térmico, a qualidade do ar e a economia de energia. E, também, identificar os problemas causados pelo desgaste e mau uso de equipamentos e sistemas ou possíveis erros na hora da concepção e instalação do projeto, apontando as possíveis necessidades de reposição e troca.

“O processo de retrocomissionamento tem como objetivo principal estabelecer requisitos atuais dos sistemas prediais (CFR – Current Facility Requirements) e dar as diretrizes para a implantação das ações de correção e melhorias dos sistemas para atingir o CFR”, diz Leonilton Tomaz Cleto, da Yawatz Engenharia. O especialista comenta, ainda, como o retrocomissionamento pode melhorar as condições de operação visando a qualidade do ar interior, conforto térmico e a redução no cosumo de energia. “Em sistemas de ar condicionado, o conforto térmico e a qualidade do ar interior são requisitos básicos, ou, ainda, a razão de ser, o objetivo final de um sistema de ar condicionado. Obviamente, eles são o principal objetivo do processo de retrocomissionamento. O processo corretamente aplicado trará resultados sensíveis caso as ações sejam implantadas”.

Quanto à redução do consumo de energia, Tomaz explica não se tratar de um requisito adequado a ser considerado. “Se o sistema tiver um baixo consumo de energia, mas os ocupantes estiverem desconfortáveis (frio, calor, sofrendo com doenças respiratórias, problemas com absenteísmo), todo o consumo de energia é um total desperdício. Além disso, podem existir medidas de redução do consumo de energia, como, por exemplo, desligar a ventilação de renovação do ar externo (atividade comum realizada durante o verão) que afetam sensivelmente a qualidade do ambiente interno (IEQ). Ao final de um retrocomissionamento, nem sempre haverá redução de consumo de energia, pois se o sistema anteriormente operava com inúmeras deficiências em atender os requisitos de IEQ, após as correções e melhorias é muito provável que a carga térmica do sistema aumente, o que demandará um aumento no consumo de energia. No entanto, através do processo de retrocomissionamento é possível verificar as deficiências do sistema e implantar medidas de aumento da eficiência energética, o que é um resultado real. Nos sistemas de ar condicionado há muitas oportunidades de aumento da eficiência energética e o retrocomissionamento é uma ferramenta muito eficaz para se obter esses ganhos. No entanto, é essencial que sejam implantadas, também, medidas de persistência que envolvam treinamento, capacitação, e índices de benchmarking (para verificação) de forma a garantir os resultados obtidos”.

Marcos Torres Boragini, da Torres Commissioning Engenharia, afirma ser necessário “garantir que rotinas de automação e controle operem ventiladores conforme as demandas e verifiquem se a instrumentação está localizada de forma a atender as medições necessárias. São fundamentais que as instalações sejam verificadas com frequência, e se a instrumentação retrata a realidade do ambiente. Há ocorrências de sensores mal posicionados influenciando de forma negativa o funcionamento da automação”.

Para melhorar as condições de operação, segundo Hernani Paiva, da IMI Hydronic Enginnering, é preciso conhecer o projeto na sua concepção, ou seja, no ponto correto de operação. Se forem utilizadas as boas práticas de engenharia na manutenção e operação do sistema, todos os pontos (QAI e consumo energético) serão beneficiados simultaneamente.

Para Vargas, quanto maior forem as falhas de concepção e instalação, maior serão as possibilidades de ganhos, como qualidade do ar interior, conforto térmico e redução do consumo de energia. “Se você tem uma instalação que não foi projetada visando estes parâmetros, certamente abrirá uma quantidade enorme de possibilidades de intervenções para melhorias.  O principal é criar uma matriz destas possibilidades e através de ferramentas de análise de viabilidades, estabelecer um calendário de implantações de soluções e executá-las para absorver esses ganhos.  Há também a questão operacional; temos visto com frequência bons projetos que são operados de forma equivocada e que não atingem o patamar de desempenho do projeto.  Para estas situações, as soluções de retrocomissionamento são muito mais econômicas e devolvem ao empreendimento as condições para qual o mesmo foi desenvolvido, mas de forma muito mais rápida”.

Ganhos mensuráveis e intangíveis

Para que o retrocomissionamento possa proporcionar ganhos reais é preciso garantir o bom funcionamento dos sistemas mecânicos e da automação; aumento da previsibilidade dos custos operacionais (reparos) e a diminuição na manutenção corretiva e nos custos operacionais; e aumento da produtividade da equipe que opera e mantém o sistema (facilities). Todos esses benefícios reduzem o número de reclamações e torna a edificação mais rentável e competitiva em termos de custos operacionais.

Marcos Antônio Vargas Pereira, diretor técnico comercial da Térmica Brasil, cita dois tipos de ganho. “Há ganhos mensuráveis, como, por exemplo, os relacionados ao desempenho energético do empreendimento. Basta cruzar  os dados de consumo pré e pós retrocomissionamento, o investimento realizado, e checar o tempo necessário para o retorno do investimento.  Há ganhos intangíveis, como a melhora de desempenho dos ocupantes devido a uma situação de melhoria nas condições ambientais internas ou, ainda, melhora nas condições de locação do ponto de vista de valores por unidade de piso (R$/M²). Todos são ganhos econômicos e, certamente, valem os investimentos feitos”.

O alcance do retrocomissionamento é diferente do comissionamento, uma vez que é feito com a instalação já pronta e ocupada, na maioria das vezes. Para Wili Hoffmann, da Anthares, o início do comissionamento com a finalização da instalação já é um retrocomissionamento. Apesar disto, os ganhos podem ser significativos, uma vez que uma boa parte do desempenho da instalação está no ajuste e lógica de controle, o que pode ser endereçado nesta prática.

Informação técnica e treinamento

Para Maurício Salomão Rodrigues, da Somar Engenharia, os fornecedores de equipamentos/componentes podem contribuir disponibilizando informações técnicas a respeito de seus equipamentos e componentes; disponibilizando treinamentos específicos visando a melhor operação de seus produtos; e participando deste processo de forma ativa com objetivo de identificar oportunidades de melhoria.

Rodrigues cita um trecho do Manual Sobre Sistemas de Água Gelada, Volume III, Capítulo 3, Página 35, publicado este ano pelo MMA – Ministério do Meio Ambiente, no qual atuou como um dos colaboradores: “o processo de retrocomissionamento ou comissionamento de edifícios existentes é definido pelo ASHRAE Guideline 0.2-2015 – como um ‘Processo de gestão da qualidade para atingir os requisitos atuais das instalações ou sistemas – CFR (Current Facility Requirements) – de um edifício existente (…)”, e explica “desta forma, o foco do agente de comissionamento é a obtenção do melhor ponto de funcionamento do conjunto de equipamentos e componentes integrados e operando para atingir os CFR – Requisitos Atuais da Instalação. Não se busca neste trabalho o melhor ponto de funcionamento de um chiller ou de uma bomba, mas sim de todos os equipamentos integrados, harmonizados e operando de forma eficaz e eficiente para atingir-se o objetivo final, o CFR. Isto significa que os componentes ou equipamentos ‘podem’ não operar conforme definido inicialmente no projeto, e somente com informações, treinamento ou até a participação do fabricante, é possível tomar as melhores decisões para cada caso. Em contrapartida, o fornecedor que participa desse processo terá uma visão mais detalhada da aplicação de seu produto, obtendo um feed back que pode ser convertido em futuras melhorias”.

Continua Rodrigues recorrendo ao Manual já citado: “O retrocomissionamento não se trata de um simples diagnóstico energético do sistema, pois tem como principal objetivo recuperar os requisitos de conforto, qualidade do ar e eficiência do projeto. Os processos de auditoria de energia utilizados como referência de análise para projetos de substituição de chillers nem sempre se mostram eficazes, pois muitas vezes todo sistema de ar condicionado está ineficiente, incluindo, equipamentos, controle e operação. Além disso, os projetos de substituição de chillers exigem maiores investimentos e só se viabilizam em edifícios com sistemas obsoletos e muito deficientes. Já o processo de retrocomissionamento – RCx – se mostra viável mesmo em sistemas com poucos anos de funcionamento. Quanto melhor elaborado o projeto e mais eficiente o conceito do sistema, maiores são as oportunidades de otimização para efetivamente atender os requisitos dos usuários nos ambientes, com aumento significativo da eficiência do sistema e retorno do investimento em prazos muito curtos. Processos de retrocomissionamento em sistemas de ar condicionado aplicados nos EUA mostraram resultados positivos com aumento da eficiência energética entre 15% e 40% após as medidas de correções, além de impactos não energéticos, alguns mais relevantes, como o conforto térmico, a qualidade do ar interior e a produtividade dos usuários, indicados no Gráfico 4“.

Gráfico 4 – Impactos não energéticos das melhorias em sistemas de ar condicionado, resultantes dos processos de retrocomissionamento. 29 Projetos – 97 Melhorias Estudos realizados pelo LBNL e PECI – USA – 2011

 

(C.G.)

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