Além da contribuição para o combate aos danos à camada de ozônio e redução dos gases de efeito estufa, estratégia diminui riscos nos ambientes

Em meados do último mês de abril os meios de comunicação de massa reportaram que o Slims, um rio que se alimentava das águas da geleira de Kaskawulsh, no Noroeste do Canadá, desapareceu da face da Terra em meros 4 dias. Veja, não estamos falando de um corregozinho, de um desses fios d´água que abundam – cada vez menos, é verdade -, nossas encostas. Não, o Slims chegava a atingir 150 metros de largura em alguns pontos! E, no entanto, foi-se em tão só 4 dias.

Os cientistas dão ao fenômeno o nome de “pirataria fluvial”. Um processo não tão raro na natureza. O problema são esses meros 4 dias; a tal da “pirataria”, em geral, leva milhares de anos para se completar, tendo como causas movimentos da crosta terrestre ou deslizamentos de terras.

O que aconteceu no Canadá, segundo os pesquisadores, é que o derretimento intenso da geleira Kaskawulsh durante a primavera do ano passado, fez com que a água, que deveria ir para o norte, tomasse o caminho do sul. Assim, em lugar de alimentar o Slims, que une-se ao Yukón para desembocar no mar de Bering, a água foi para o Alsek, que desemboca no Pacífico.

Os cientistas estão convictos de que o desastre está ligado ao aquecimento global. E, ainda que alguns objetem que o ameaçador fenômeno pode não ser consequência direta da ação do homem, não custa tomar cautela que, assim como canja, mal não faz.

Nessa direção tem caminhado a indústria da refrigeração, seja pela substituição de gases nocivos ao meio ambiente, seja pela redução de substâncias ligadas ao efeito estufa, como resume o professor Roberto de Aguiar Peixoto, do Instituto Mauá de Tecnologia, discorrendo sobre a necessidade de reduzir o impacto indireto causado pelo consumo de energia. “Este impacto é tanto maior quanto menos renovável for a matriz elétrica do país ou região. Quanto menos renovável (“suja”) mais CO2 emitido por kWh consumido pelos sistemas de RAC. Desta forma, aumentar a eficiência energética e reduzir o consumo de energia é uma medida fundamental”.

Peixoto diz ser necessário, também, adotar algumas políticas, como: a) aumentar a conservação dos refrigerantes ao longo do ciclo de vida do equipamento, ou seja, eliminar vazamentos na operação (sistemas mais herméticos), recuperar e reciclar ou destruir refrigerantes nas ações de manutenção e no fim da vida útil do equipamento; b) recuperar, reciclar ou destruir o óleo lubrificante do compressor; c) providenciar opções aos consumidores para o descarte adequado de equipamentos no final da sua vida útil.

“Na refrigeração industrial, o fluido refrigerante mais comumente empregado é a Amônia – um fluido natural que não agride a camada de ozônio e não contribui para o efeito estufa. Ou seja, totalmente ecológico! Entretanto, a amônia apresenta outros inconvenientes como a toxicidade e a flamabilidade e, por isso, uma medida que vem sendo empregada no setor é a busca por soluções com cargas reduzidas de fluido refrigerante”, complementa Celina Bacellar, gerente de refrigeração industrial para a América Latina da Johnson Controls.

Renato Cesquini, da Chemours, lembra que o sistema de refrigeração deve operar vedado, assim, “a manutenção preventiva do equipamento é uma medida importante. Ela deve ser realizada periodicamente e, com isso, é possível monitorar os parâmetros associados à performance do sistema e prevenir e corrigir possíveis perdas”.

“Desde que sejam feitos corretamente, os serviços são o meio mais eficaz para minimizar esses impactos. O recolhimento de fluido refrigerante – evitando as emissões – e a escolha cuidadosa de materiais de soldagem – somada a um bom projeto de tubulação – podem garantir a integridade do sistema de refrigeração.  Esses procedimentos são muito importantes e para isso devem ser feitos investimentos em ferramental e, principalmente, na qualificação constante da mão de obra”, corrobora Marcos Bernardi, consultor técnico sênior da Danfoss.

Cuidados com o refrigerante nos sistemas

A carga de refrigerante, sendo ele uma substância destruidora da camada de ozônio (CFCs, HCFCs) ou um gás de efeito estufa (HFCs), representa um passivo ambiental e potenciais emissões com impacto na camada de ozônio e no clima.

“Quando um fluido refrigerante está confinado ao sistema o impacto é mínimo, mas pode se tornar um problema quando ocorrem vazamentos, com impacto negativo direto para a operação, pessoas e meio ambiente. Os HCFCs, além do potencial de destruição da camada de ozônio, são substâncias de alto impacto para o sistema climático global, com alto GWP. Já os HFCs não prejudicam a camada de ozônio, mas são substância de alto GWP. A maioria dos vazamentos estão relacionados aos aspectos de manutenção, a partir da utilização de componentes e equipamentos mal conservados, deteriorados ou mesmo inadequados, além de mão de obra precária que somente atua quando ocorrem problemas. Outro problema está relacionado à concepção do projeto e à sua execução, que pode ser inadequado ou ter sofrido descaracterização para redução de custos de instalação. Contudo, independente do problema que possa ocorrer, a redução da carga de refrigerante é uma medida essencial, seja pelos aspectos ambientais seja pelos de segurança, visto que muitas das soluções técnicas que poderão ser utilizadas como substitutas aos HCFCs e HFCs podem ser tóxicas, inflamáveis ou de alta pressão, o que demandará, antes de tudo, adoção de mão de obra qualificada e bem treinada” explica o especialista do Ministério do Meio Ambiente, Frank Amorim.

Bernardi, da Danfoss, diz que “atualmente o parque instalado de sistemas com fluido HCFC – e até mesmo com CFC – no Brasil ainda é muito grande e, se não forem recolhidos e reciclados, um dia serão lançados na atmosfera, com prejuízos para a camada de ozônio. Nos sistemas mais modernos temos fluidos com impacto zero na camada de ozônio, porém com GWP (potencial de aquecimento global) alto. Os sistemas com fluidos do tipo HC (hidrocarbonetos) têm ODP (potencial de destruição de ozônio) igual a zero e baixo valor de GWP. Os novos fluidos HFO tem o mesmo perfil, e ainda conferem um maior rendimento ao equipamento frigorífico, o que não deixa de ser uma vantagem do ponto de vista ambiental”.

Neste sentido, Cesquini alerta que “a Chemours possui uma nova solução de fluidos refrigerantes, à base de hidrofluorolefina (HFO), que compõe a linha Opteon. A ligação dupla em HFOs possibilita um menor tempo de vida na atmosfera e garante estabilidade nos sistemas de refrigeração. O tempo de vida na atmosfera está diretamente associado ao potencial de aquecimento global (GWP), que representa quanto uma dada massa de produto químico contribui para o aquecimento terrestre. Por isso que os fluidos refrigerantes que são baseados em HFO possuem GWP muito menor que os HFCs. Em relação ao potencial de degradação da camada de ozônio (ODP), ambos não possuem cloro em sua molécula, portanto, possuem zero ODP. Além das questões ambientais, os HFOs possuem características termodinâmicas semelhantes aos HFCs, que garantem que a transição assegure o desempenho do sistema, aumente a eficiência energética e diminua o impacto ambiental”.

Carga mínima: uma tendência

Sempre é bom lembrar que todo sistema de refrigeração, seja qual for o refrigerante ou quantidade em circulação, deve ser dotado de detectores de vazamento. Assim, em caso de alguma fuga de refrigerante, os sistemas de alarme serão acionados e a evacuação do local acontecerá sem maiores danos.

Entretanto, há uma tendência à redução da carga de refrigerante em circulação nos sistemas. Para Paulo Nápoli, técnico especialista da Arkema, uma maneira de viabilizar seria “produzindo equipamentos compactos que utilizem fluidos refrigerantes com maior capacidade de troca de calor “.

“Uma alternativa (para a redução de carga) é a substituição dos sistemas de expansão direta pelos sistemas de resfriamento indireto. Nestes casos, o refrigerante primário fica confinado à sala de máquinas, enquanto um fluido secundário (como água pura ou com algum anticongelante, fluidos de alta perfomance etc.) circula nas áreas de processo ou estocagem. Em caso de algum vazamento, o ambiente não será contaminado com o refrigerante. O mesmo acontece em sistemas de expansão direta usando CO (R744) como fluido primário: empregando um equipamento bem projetado, com carga reduzida, o CO poderá ser enviado diretamente à área de trabalho e, havendo algum vazamento, por ser um gás inerte, não causará pânico ou risco à vida das pessoas e nem danificará o produto armazenado, se for o caso”, explica Celina Bacellar.

A gerente da Johnson informa que têm sido envidados esforços para projetar equipamentos e sistemas com a mínima carga possível. “O uso de sistemas de expansão seca está sendo bastante empregado, pois a contínua melhoria dos sistemas de controle e acessórios (controladores, automação, válvulas etc.) está propiciando uma aplicação mais estável destes sistemas, até mesmo com amônia. A Johnson Controls tem em seu portfólio os chillers ChillPAC – máquinas extremamente compactas (menor área ocupada – largura de uma porta – e menor peso) que operam com amônia e trocadores de calor a placas. Estes chillers são uma solução segura e de alta eficiência com até 60% menos carga de refrigerante que os chillers convencionais”.

A Johnson Controls lançou no IIAR de San Antonio (EUA), em fevereiro deste ano, o Frick Low Charge Central System, “um sistema central de baixa carga de refrigerante que reduz em até 80% a carga. É uma solução flexível para projeto e instalação que se adapta perfeitamente às necessidades do cliente. É possível ter de 0,2 a 0,4 kg de amônia por kW de frio (1.5 a 3 lb/TR). A sala de máquinas é mantida, mas com dimensões bem menores. Todo o refrigerante líquido circulante é removido. Somente vapor é distribuído ao longo da planta”, informa Bacellar.

Para o técnico da Danfoss, “a redução pode ser feita por meio de sistema do tipo cascata, com o refrigerante de alto impacto ambiental no lado de alta, portanto em menor quantidade e confinado na casa de máquinas, e no lado de baixa pode-se utilizar um fluido natural como o CO2. Outra maneira seria com sistemas de fluido secundário, que possuem uma central de resfriamento de propileno glicol, o qual é bombeado para os trocadores de calor para resfriamento de produtos”.

Danos à saúde humana

Com o aumento da carga de refrigerante, requisitos legais estão onerando os proprietários e operadores de sistemas de refrigeração que utilizam amônia. Nos EUA, as instalações contendo 500 lb (227 kg) de amônia, ou mais, devem ser reportadas ao comitê de planejamento de emergência local. “Instalações que contenham mais de uma quantidade limite (TQ – threshold quantity) de amônia devem, também, apresentar um plano de gestão de riscos para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA – EPA. Na Califórnia a TQ é de apenas 500 lb (227 kg), mas, em geral, são da ordem de 10.000 libras (4.536 kg)”, explica Celina Bacellar.

Além disso, ainda segundo a gerente da Johnson, perdas de mais de 100 lb (45 kg), independente da carga, devem ser comunicadas ao Centro de Resposta Nacional dentro de 15 minutos a contar do momento em que a pessoa no comando da instalação tomar conhecimento da perda. “A amônia não é o único refrigerante sob pressão legal. Há, também, uma tendência crescente para processar e multar empresas consideradas culpadas de negligência liberando fluidos refrigerantes fluorocarbonetos para a atmosfera. Recentes problemas têm ocorrido na indústria de panificação nos Estados Unidos que continua a usar R-22. Uma fábrica de processamento de peixes em West Coast foi processada por lançamentos contínuos de R-22 na atmosfera”, alerta Bacellar.

A possibilidade de uma grande fuga de qualquer tipo de refrigerante diminui à medida que a carga é reduzida, motivando a busca por equipamentos e sistemas de baixa carga de refrigerante. “O aumento dos requisitos de segurança (regulamentação) em plantas de refrigeração com amônia vem colocando enorme pressão sobre os proprietários devido ao aumento do custo da conformidade (compliance)”, completa a gerente da Johnson.

“Visto que o sistema é fechado, e que o fluido refrigerante está contido dentro dos equipamentos, não há nenhum contato direto entre os usuários e o fluido refrigerante. Além disso, a utilização dos equipamentos apropriados de proteção individual (EPIs) evita contato com esses elementos, protege e não impacta a saúde dos trabalhadores”, entende o gerente da Chemours.

Cesquini frisa, também, que os fluidos fornecidos pela empresa não são considerados tóxicos e, portanto, não causam danos à saúde do trabalhador, mas podem ser asfixiantes, pois retiram o oxigênio disponível no ambiente. “No caso de vazamento de grandes quantidades em ambientes fechados, essa asfixia pode levar à morte. No entanto, o contato repetido com pequenas quantidades de produto vazado não causa nenhum efeito adverso à saúde, com exceção de queimaduras a frio em caso de contato direto com o produto”.

“O mercado oferece detectores de vazamento para alertar sobre fugas de fluidos a tempo de fazer evacuação, se necessário. Porém, essa proteção só é exigida em caso de sistemas de NH3. Os fluidos inflamáveis do tipo HC não são utilizados em quantidades elevadas, em plantas industriais ou comerciais. Para isso, normalmente aplica-se HCFC ou CO2. No caso do CO é recomendável utilizar os detectores de vazamento ou garantir uma ótima ventilação do ambiente, pois trata-se de gás asfixiante”, explica Bernardi.

Por outro lado, é necessário ressaltar a inflamabilidade dos isobutanos, o que levou à criação de normas e leis que limitam o seu uso em quantidades altas. “Geralmente são aplicados apenas em máquinas compactas, em quantidade menor ou igual a 150 g, evitando assim as exigências de certificações especiais para os componentes do sistema de refrigeração”, ressalta o técnico da Danfoss.

Ronaldo Almeida – ronaldo@nteditorial.com.br

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Redução de carga de fluido refrigerante

Padrões de segurança na redução de carga de fluido refrigerante

 

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