Introdução

Historicamente comprovada, a energia nuclear é uma fonte de energia de alta densidade de potência, baixo custo de produção, grande disponibilidade e de conhecimento amplamente difundido; características essenciais de uma fonte de energia necessária aos países que buscam desenvolvimento e sustentabilidade, como o Brasil. Em outro aspecto, essa energia também é utilizada pelo homem em várias outras aplicações como na indústria e na saúde. Os reatores nucleares para produção de energia elétrica são responsáveis pela produção de uma parcela significativa (32%) da energia elétrica em todo o globo e, no Brasil, respondem por cerca de 2% de toda a capacidade de produção instalada.

No reator nuclear é onde se processam as reações de fissão nuclear em cadeia. Fissão nuclear nada mais é do que a divisão de um núcleo (no caso, urânio-235) a partir de sua colisão com um nêutron, no qual resulta na liberação de mais nêutrons, novos núcleos (estáveis ou instáveis) e uma elevada quantidade de energia. A energia liberada na fissão é da ordem de 200 milhões de elétron-volts.  Desta forma, os reatores utilizam a energia térmica produzida no processo de fissão para a produção de vapor e, posteriormente, geração de energia elétrica por meio das turbinas de expansão de vapor acopladas aos geradores elétricos. São os chamados ciclos Rankine a vapor. Tais reatores podem produzir vapor de água diretamente no núcleo e expandi-lo na turbina num único circuito termo-hidráulico (reatores tipo BWR) ou podem produzir o vapor no gerador de vapor utilizando dois circuitos termo-hidráulicos (reatores tipo PWR), como pode ser observado na Figura 1.

Figura 1 – Esquema de um reator nuclear tipo PWR

Por ser um processo que envolve grande quantidade de calor, todo esse conjunto de sistemas é projetado e construído de modo que a segurança seja um dos principais fatores considerados. Todo o material radioativo deve ser mantido confinado em uma contenção (barreira que serve como proteção física do reator) capaz de retê-lo para que não tenha contato com o meio externo, mesmo em caso de um acidente. Tais materiais podem ser, inclusive, fluidos na forma de líquidos e gases.

Um dos principais sistemas que garante a retenção, filtragem, tratamento e liberação controlada de gases em uma instalação nuclear ou radiativa (laboratórios) é o sistema de ventilação. Como será mostrado, esse sistema, associado a outros sistemas de segurança, possui função muito importante para a operação segura dessas instalações.

Sistema de ventilação de uma instalação nuclear ou radioativa

Em um reator nuclear os sistemas de ventilação possuem, além das funções convencionais, a necessidade de garantir a segurança do reator por meio do controle de contaminantes radioativos, protegendo os operadores, a população e o meio ambiente. Para isso, o sistema deve atender a diversos requisitos técnicos e ambientais bastante rigorosos.

Basicamente, os sistemas de ventilação são compostos por ventiladores, dutos, dampers, dispositivos de monitoramento e amostragem de ar, filtros grossos, filtros HEPA, filtros de carvão ativado, filtros de areia, absorvedores de iodo, lavadores de ar, condensadores, aquecedores, sistemas de retirada de calor, instrumentação e controle, dispositivos de medição de radiação, entre outros.

Os sistemas de ventilação devem confinar materiais radioativos dentro das áreas de processo o mais próximo possível do ponto de origem. Devem também confinar e evitar a liberação descontrolada de aerossóis radioativos, fumos nocivos e vapores para salas e áreas normalmente ocupadas. Os produtos de fissão gerados no núcleo do reator são muitos, já que a fissão do 235U pode gerar isótopos com números de massa entre 66 (isótopo do crômio) e 172 (isótopo do gadolínio).  Os produtos de fissão mais críticos são o estrôncio-90, iodo-131 e césio-137 e, por esse motivo, são os mais rigorosamente monitorados.  O sistema de ventilação é sempre projetado para garantir o fluxo do ar das áreas não contaminadas para áreas potencialmente contaminadas e, em seguida, para áreas mais contaminadas, como definido pela Ashrae. Para evitar a contaminação entre as diferentes áreas, o sistema de ventilação mantém todos os ambientes com pressão negativa em relação ao ambiente externo e com diferenciais de pressão entre eles, de acordo com os índices de contaminação de cada área: quanto maior o grau de contaminação, menor a pressão para que o correto fluxo de ar seja mantido, como pode ser observado no diagrama da Figura 2.

Figura 2 – Diagrama esquemático do fluxo de ar em instalações nucleares ou radioativas

Os diferenciais de pressão devem ser mantidos entre as diversas zonas de confinamento do edifício e também entre as zonas de confinamento e o ambiente externo. Assim, dispositivos de controle e monitoramento de pressão são instalados, bem como alarmes para caso de desvios nos parâmetros. Caso o projetista verifique a possibilidade de haver uma inversão na cascata de pressão, filtros HEPA devem ser instalados entre as áreas de diferente classificação.

Em relação às tomadas de ar, é necessário que as mesmas estejam localizadas de modo que não sejam admitidos contaminantes e elementos combustíveis. Todas as tomadas de ar externo devem possuir filtros e estarem afastadas de qualquer descarga de ar. O ar de retorno possui também algumas particularidades. Segundo as normas vigentes, não é permitido que haja recirculação de ar na contenção primária (salvo casos específicos), enquanto que para as áreas secundárias e terciárias é permitido, desde que o sistema de filtragem seja capaz de manter o ar livre de partículas radioativas. Esse ar de retorno pode ser parcialmente insuflado novamente apenas em áreas de mesma classificação ou que sejam mais contaminadas. Caso os sistemas de monitoramento de radiação detectem elevados níveis de radiação, o sistema de ventilação deve filtrar o ar novamente e descarregá-lo, insuflando apenas ar externo. O ar de retorno, antes de ser insuflado ou exaurido, passa por no mínimo dois estágios de filtragem (filtros HEPA), sendo que, antes da bateria de filtros, passa por um sistema de remoção de calor e um corta-chama.  O ar que será exaurido é descarregado por uma chaminé de altura suficiente para reduzir as concentrações de contaminantes ao nível do solo, sempre dentro do limite imposto pela legislação local.

Um ambiente importante a ser mencionado é a sala de controle, na qual é concentrado todo o controle e monitoramento do reator. Os operadores dessa sala devem ser protegidos das contaminações de modo que possam trabalhar normalmente em caso de acidente. Essas salas, assim como os centros de emergência, são equipadas com dampers herméticos e sistemas de filtragem, além de instrumentos que detectam concentrações de materiais radioativos e tóxicos. Durante condições anormais, como alarmes devido a altos índices de radiação, o sistema de AVAC funciona em modo acidente, o qual possui um maior número de estágios de filtragem. Além disso, muitas vezes esses ambientes são mantidos a uma pressão positiva para que não haja entrada/filtração de contaminantes.

Em relação à rede de dutos, uma das grandes preocupações é em relação aos índices de vazamento. Apesar dos dutos de exaustão trabalharem com pressões negativas, o que dificulta vazamento no sentido do duto para o ambiente, em caso de incêndio ou explosão da área atendida pelo sistema de ventilação a rede de dutos pode se tornar positiva, resultando em vazamento de produtos de fissão altamente radioativos. Além disso, fechamentos bruscos de dampers podem tornar a rede positiva. Por esse motivo, as características construtivas dos dutos (insuflamento e exaustão) devem ser cuidadosamente definidas. Outro aspecto é que dutos que passam em áreas com alto índice de contaminação, não devem possuir pressão menor do que a do ambiente adjacente, a fim de evitar o transporte de partículas radioativas para outros ambientes. Dessa forma, o vazamento admissível entre o duto e o ambiente depende do grau de contaminação de cada um.

Todos os componentes ou dispositivos de controle do sistema de ventilação devem ser projetados de modo que a falha de qualquer um deles não afete o funcionamento contínuo do sistema de ventilação como um todo. Os sistemas e componentes de ventilação devem ter características de segurança de falha com provisão para indicação de alarme.

O sistema de ventilação deve ser capaz de operar normalmente durante uma interrupção de energia. Para isso, devem ser projetados sistemas de alimentação elétrica de emergência para operar os equipamentos e componentes de ventilação, bem como outros sistemas e componentes importantes para a segurança do reator. As fontes de energia de emergência e os circuitos de distribuição elétrica devem ter redundância, independência e estabilidade para garantir o desempenho de suas funções de segurança assumindo uma única falha.

O sistema de ventilação deve ser concebido para suportar qualquer incêndio e explosão previstos na análise de acidentes (SAR) e continuar a atuar como barreira de confinamento. As características de proteção contra incêndios dos sistemas de ventilação devem incluir portas corta-fogo e amortecedores ou outros dispositivos comprovadamente resistentes a incêndios, filtros resistentes ao fogo, detectores de calor e de fumaça, alarmes, dispositivos de remoção de calor e equipamentos de extinção de incêndios. Os componentes dos sistemas de ventilação também devem ser concebidos para resistir aos efeitos dos sismos e manter-se funcionais na medida em que impedem a libertação descontrolada de materiais radioativos para o ambiente. As normas e legislações internacionais e locais devem ser rigorosamente atendidas para que qualquer risco seja evitado. No Brasil, o órgão regulador e fiscalizador das instalações nucleares radiativas é a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Um último aspecto a ser considerado é a necessidade de formação de mais profissionais especializados na análise, projeto e construção desse tipo de sistema de ventilação e ar-condicionado. Hoje, são poucos os profissionais especializados nessa área de conhecimento e a escassez de profissionais afeta diretamente a manutenção e disseminação desse conhecimento.

Ivete Y. Roumieh – Fundação Butantaniveteyr@hotmail.com

Marcelo S. Rocha – Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN-CNEN/SP), Centro de Engenharia Nuclear (CEN) – msrocha@ipen.br

 

Referências Bibliográficas

American Society of Heating, Refrigerating and Air Conditioning Engineers – ASHRAE Standard 52-68, “Method of Testing Air Cleaning Devices Used in General Ventilation for Removing Particulate Matter,” Section 9, New York, USA.

C.A. Burchsted, A.B. Fuller, “Design, Construction, and Testing of High-Efficiency Air Filtration Systems for Nuclear Application,”ORNL-NSIC-65, Oak Ridge National Laboratory, Springfield, USA.

Eletrobras Eletronuclear, visto em 10-02-2017, <www.eletronuclear.gov.br>.

Radiation and Nuclear Safety Authority – STUK, 2004, “Air-Conditioning and Ventilation Systems and Components of Nuclear Facilities”, Guide YVL 5.6, Helsinki, Finland.

Regulatory Guide 3.2, “Efficiency Testing of Air-Cleaning Systems Containing Devices for Removal of Particles,” Directorate of Regulatory Standards, USAEC.

Regulatory Guide 3.7, “Monitoring of Combustible Gases and Vapors in Plutonium Processing and Fuel Fabrication Plants,” Directorate of Regulatory Standards, USAEC.

U.S. Department of Energy – DOE, 1997, “Specification for HEPA Filters Used by DOE Contractors”, DOE-STD-3020-97, Office of Scientific and Technical Information, Oak Ridge, USA.

 

 

 

 

 

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