A geométrica evolução tecnológica das células fotovoltaicas e a redução dos custos de fabricação tornaram viáveis grandes plantas de geração de energia e a geração local em edificações. Neste artigo abordaremos a geração local ou distribuída e sua aplicação em sistemas de condicionamento de ar.

Edificações Net Zero

No universo atual devemos incluir entre nossas sabedorias o significado de milhares de siglas que surgem em nossa vida profissional, ou não, e, entre tantas, as siglas  NZE-Net Zero Energy, PV-Geração de energia em células fotovoltaicas, e AVAC têm em comum estarem totalmente interligadas à eficiência energética da edificação.

Muito se tem falado sobre o conceito de edificações que têm produção local de energia e várias siglas têm sido utilizadas, como ZBE (Zero Building Energy),  ZNE (Zero Net Energy), NZE (Net Zero Energy), NZNE (Nearly Zero Net  Energy), sem que se chegue a uma conclusão de qual o termo mais apropriado. As incertezas se alastram quando se tenta enumerar os requisitos que a edificação deve atender para ser considerada em uma destas siglas.

A definição mais frequente é a de uma edificação, ou conjunto de edificações, em que a soma de todas as energias fornecidas para o interior dos limites da propriedade devam ser menores do que as produzidas localmente. Esta é uma definição simplória que deve ser acrescentada no mínimo por:  1) que a energia produzida localmente deve ter como origem fontes como o vento, solar, geotérmica; 2) que sejam edificações energeticamente eficientes.

Seria um absurdo se fizessem parte do âmbito desta definição edificações altamente consumidoras de energia e que compensem a baixa eficiência através de grandes plantas eólicas ou solares.

A expressão NZNE (Nearly Zero Net Energy) talvez seja a mais adequada, não para qualificar um prédio, e sim para definir um objetivo e, mais do que isso,  um mecanismo ou estratégia (1) para se chegar a um objetivo maior que é a redução dos gases que produzem o efeito estufa (GHC), e isto inclui a definição dos recursos a serem utilizados.

É indispensável o estabelecimento de um OPR (Owners Project Requirement) para um prédio que pretende ser uma edificação com objetivo NZNE. Uma equipe multidisciplinar deve estabelecer as matérias a serem desenvolvidas, nunca esquecendo a finalidade principal da edificação, que é abrigar pessoas e fornecer-lhes o conforto ambiental em todas as suas vertentes.

Um exemplo significativo de que NZNE é um objetivo e não uma qualificação de edificação ocorre em uma loja térrea (2) da maior rede de farmácias dos Estados Unidos, onde  não foram poupados recursos e uma equipe de engenheiros e arquitetos projetou o que seria  uma loja operando em NZNE, com eficiente invólucro, equipamentos de iluminação e AVAC com elevada eficiência; o projeto foi certificado como LEED-Platinum.

No primeiro ano de operação os resultados ficaram 36% abaixo do objetivo ZNE, e a justificativa foi de que houve um inverno rigoroso e os resultados do invólucro não foram os esperados. No segundo ano, em oito dos doze meses, foi atingido o objetivo de ZNE.

Isto mostra que ZNE é uma estratégia, um objetivo, atingível ou não, e não a qualificação da edificação. São muitos os parâmetros controláveis e incontroláveis que possibilitam atingir o ZNE e nem sempre percebidos pela equipe de projetos.

Voltando à definição proposta, onde sugiro a inclusão de “edificações energeticamente eficientes”, surge a dúvida de como definir este conceito. Poderiam ser aquelas com projetos certificados por um programa LEED, PROCEL ou outros reconhecidamente válidos?  Isto seria o mínimo, mas não o suficiente, porque se o consumo de energia não for extremamente baixo irá inviabilizar o objetivo NZNE e os meios de geração local, ou por custo ou por disponibilidade de áreas.

É fácil concluir que para que uma edificação atinja o ZNE há uma total interligação à eficiência energética da edificação. Isto serve para edificações existentes e novas. A tecnologia para o incremento radical da eficiência energética já está ao nosso alcance, através da  automação e da diminuição da densidade  da iluminação artificial, de menor consumo de energia em equipamentos residenciais, comerciais e industriais, da quebra de paradigmas arquitetônicos em relação ao invólucro  da edificação,  estes e outros recursos são o primeiro passo a ser seguido para desenvolvimento de um projeto e implantação do sistema de geração local de energia para o alcance do NZNE.

Um alerta para o Brasil, divulgado pela AIE (Agência Internacional de Energia) mostra que globalmente existe uma diminuição do uso de energia para a produção de bens e serviços (intensidade energética), mas no período de 2013 a 2016, o Brasil aumentou o consumo para gerar US$ 1,00 de PIB.  Em 2016, o aumento da intensidade energética no Brasil foi de 2,05%, enquanto que no mundo houve uma queda de 2,0% e países como China e Estados Unidos tiveram reduções de 5,2% e 2,96%, respectivamente.

Todo o esforço que se está fazendo em nosso setor para redução do consumo em edificações no Brasil fica anulado se não houver uma política consistente de eficiência energética com modernização da infraestrutura e diminuição do desperdício (3). Os benefícios de se alcançar uma NZNE são mais sociais que econômicos, e investidores para decidir por empreendimentos  que venham a ser NZNE tendem a olhar mais o retorno do investimento na forma de benefícios agregados do que por um simples payback.

Potencial solar

A capacidade global instalada de sistemas PV cresceu perto de cinco gigawatts em 2005 para aproximadamente 306 gigawatts em 2016. Apenas nos Estados Unidos o mercado de sistemas PV residenciais movimentou 4,7 bilhões de dólares. É inquestionável que futuramente nas matrizes energéticas da maioria dos países prevalecerá a energia de origem PV.

A tecnologia do sistema  fotovoltaico está em permanente e acelerado desenvolvimento, os painéis rígidos com células de silício monocristalino têm eficiência no processo de transformação da irradiação em energia elétrica superior a 20%.

Resultado de desenvolvimentos científicos recentes, surgiram as células orgânicas (OPV) que deverão impactar positivamente o mercado PV.  As células são feitas com polímeros orgânicos e materiais transparentes, e aplicados como revestimento às superfícies transparentes ou não. Teoricamente, quaisquer superfícies, como janelas, fachadas e brises de prédios, telhados, e tetos de veículos, podem ser transformadas em geradores de energia PV. A eficiência energética ainda é menor em comparação com as células rígidas de silício, mas a sua flexibilidade viabiliza a aplicação, por exemplo, em edifícios com muitos pavimentos e pequenas áreas de cobertura o uso do OPV em suas fachadas e janelas torna viável a geração PV de energia. As células OPV já são produzidas no Brasil (6) e podem representar o grande salto na aplicação de PV no país.

Na maior parte das aplicações a viabilidade econômica de um sistema eólico ou solar para geração de energia depende da intensidade dos ventos, da irradiação solar e das tarifas de energia. No Brasil e no mundo existem mapas que mostram o regime de ventos e de irradiação solar com médias anuais e mensais. O mapa brasileiro de radiação solar em média anual (4) é mostrado na Figura 1, e nota-se a generosa disponibilidade de energia solar, com destaque para uma faixa que vai da costa do Piauí até Goiás.

Figura 1 – Mapa Radiação Solar Média Anual (4)

A geração fotovoltaica (PV) é diferenciada de todas as outras formas de produção de energia. Não requer consumo de combustível, não requer partes móveis, não ocupa áreas agro produtivas (como as usinas hidroelétricas), é isenta de emissões para o meio ambiente e tem baixos custos de operação e de manutenção. A energia PV é produzida desde mínimas escalas até plantas com escala megawatts (5).

O maior questionamento em relação à PV é a variação e a intermitência da irradiação solar afetada pelo ângulo de incidência, por nuvens e a geração zero no período noturno. A ineficiente tecnologia de armazenamento de energia levou à opção mais presente no uso de “PV distribuída”, que é a conexão à rede. Esta forma viabiliza a utilização em áreas comerciais e residenciais para geração de energia local em centros urbanos. Particularmente, na aplicação de PV como fonte de energia em sistemas AVAC, há a proximidade  do pico diário de irradiação solar com a demanda máxima de condicionamento de ar. Na citada faixa que vai do Piauí a Goiás, os picos de carga térmica coincidem com o período de seca onde as médias de  irradiação solar têm seus valores máximos.

Hoje, já se pode concluir com clareza que o uso de sistemas PV interligados à rede elétrica são economicamente viáveis e têm o potencial de serem de alto valor estratégico para fornecedores de energia e investidores, e para a política energética do país.

O valor das tarifas de energia no Brasil passou por intensa flutuação, por razões puramente políticas. Em 2015, segundo o IBGE, as tarifas foram majoradas em 51%, em 2016 tiveram queda de 10% e, em 2017, se elevaram em 10,35%. As projeções para 2018 indicam aumentos entre 10% e 15%, valores bem acima da inflação.

O período de retorno do investimento em sistemas PV, além de depender da intensidade solar, é primordialmente em função do valor das tarifas, e para cada região do país existem diferentes regimes tarifários, o que faz com que a previsão de prazo de payback dependa do humor das tarifas locais.

O conceito NZNE com PV se baseia em ter o sistema interligado à rede (Grid), com fluxo bidirecional de energia; quando o excedente do consumo da edificação nos períodos de insolação são transferidos para a rede e compensam o uso de energia da rede nos períodos com insuficiência de irradiação solar.

PV e condicionamento de ar

No sistema de geração distribuída, em uma edificação, como qualquer outro dispositivo consumidor de energia elétrica, os equipamentos de condicionamento de ar podem ser alimentados exclusivamente ou não por energia PV. A área de células PV determinará a capacidade disponível para atender as diversas cargas do prédio.

A experiência no projeto de sistemas PV para prédios comerciais permite-nos citar números que são os valores iniciais a serem considerados. Uma edificação de um pavimento na região Centro Oeste do Brasil, com sistema de condicionamento de ar, pode atingir NZNE se toda a área de cobertura for ocupada por painéis PV e, assim por diante, aquela com dois pavimentos atingirá metade da meta NZNE. Em um sistema VRF, para cada TR instalada será necessário 8 m2 de painéis PV.

No projeto do sistema de condicionamento de ar que envolve PV, duas diretrizes podem ser adotadas, ambas com interligação à concessionária de energia (Grid Tie). A primeira é de um sistema onde há a geração PV e, através de inversores de frequência, a conexão ao consumo da edificação e à rede externa (Grid). A segunda opção é o sistema ter equipamentos de ar condicionado (Condensador VRF ou Chiller), que já incorporem os inversores AC/DC e DC/AC, opção que melhora a eficiência do aproveitamento de energia e reduz os custos. Neste caso, externamente somente é necessário o quadro de proteção da rede, similar a instalação convencional.

Atualmente, apenas um fabricante produz equipamentos com inversores integrados. Portanto, a escolha dependerá de cada caso, não havendo uma opção que seja sempre a melhor. Porém, em ambos os casos, a energia que não é utilizada instantaneamente é enviada para a rede elétrica sendo computada como contagem negativa no medidor bidirecional. Ao final de cada mês a empresa de energia computa o balanço entre o consumo do prédio e a geração, gerando créditos em caso de geração maior que consumo. Nesta forma, a rede opera como se fosse uma bateria, porém, ao invés de acumular energia, acumula os créditos que poderão ser usados para abater o consumo noturno ou em dias sem insolação. Em 24 estados do Brasil há a isenção do ICMS para a energia fornecida pela rede na troca pelos créditos obtidos.

Na Figura 2 estão mostradas as cinco possibilidades de operação do sistema de ar condicionado integrado à rede da concessionária.

Figura 2 – Modos de operação com sistema PV (Cortesia da Gree Eletric Aplliances. Inc. e FAM – Ar Condicionado)

Sede do CREA-DF

O projeto de ampliação da sede do CREA-DF é uma edificação interligada ao prédio existente, com quatro pavimentos. A área climatizada é de 670m2 e a carga térmica dos dois sistemas projetados é de 50,0 kW e de 41,0 kW. Optou-se por utilizar condicionadores de expansão direta VRF específicos para uso com PV e conversores integrados.

As duas unidades externas têm capacidade de 54,34 kW e 44,9 kW, já consideradas as elevadas perdas inerentes às linhas dos sistemas VRF. As potências necessárias em cada condensadora são de 14,0 kW e de 12,7 kW. Nos pavimentos foram utilizadas unidades internas do tipo cassete de uma via.

A área na cobertura possibilitou a utilização de 76 painéis, com desvio do Norte de 8,0º com potência total de 24,3 kWp. A figura 3 mostra esquematicamente o sistema de geração de energia PV.

Figura 3 – Esquema de Interligação Painéis PV – Unidades Externas – Quadro Entrada do Prédio

Considerando a capacidade média de geração de energia (kWh) do sistema PV, e o consumo médio das unidades condensadoras, e ainda o horário de funcionamento do prédio, a estimativa é que durante 65% do tempo de operação o sistema PV irá atender, além das condensadoras, parte da carga do prédio, e que a geração de energia durante os fins de semana e feriados será escoada para a rede da concessionária, porém sem chegar a gerar créditos anuais.

Os cálculos de payback atualmente elaborados para os sistemas PV para consumidores de baixa tensão são mais um instrumento de venda devido às amplas incertezas na sua avaliação, sendo a principal a imprevisível flutuação das tarifas de energia. Para a instalação a ser implantada no CREA-DF a estimativa do prazo de retorno do investimento, a maior, com o sistema PV está entre 4 e 6 anos.

Por George Raulino, diretor da Estermic Engenharia e membro do DNPC Abrava.

Referências

(1) Roundtable,”A conversation on Zero Net Energy Buildings”, Ashrae Journal, junho, 2017.

(2) Robbins/Jason”Net Zero Energy for Pharmacy”, Ashrae Journal, julho, 2016.

(3) Nogueira, Danielle, Jornal O Globo, 12/11/2017.

(4) Atlas brasileiro de energia solar / Enio Bueno Pereira;Fernando Ramos Martins; Samuel Luna de Abreu e Ricardo Rüther. – São José dos Campos : INPE, 2006.

(5) Emerging Technologies,”Energy Storage for PV Power”, Ashrae Journal, novembro, 2.013.

(6) http://csembrasil.com.br/

(7) Ordonez, Ramona, jornal O Globo, 11/02/2018

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