Seria chover no molhado dizer que o desempenho futuro de qualquer instalação de climatização é, em grande parte, definido no projeto. A constatação não confere ao projetista todas as responsabilidades pelas deficiências, pelo contrário; não raro, informações pouco precisas ou mesmo equivocadas por parte do proprietário conduzem a situações indesejáveis e mesmo perigosas, sem falar nas mudanças de leiaute e utilização da edificação. Em se tratando do tratamento do ar de renovação, de posse das informações corretas, o projetista toma decisões que impactarão diretamente na qualidade do ar interno e no consumo energético da edificação.

“Todas as instalações de ar condicionado precisam de uma certa quantidade de ar externo para higienização, como é de conhecimento geral. A característica principal que nos interessa no ar externo é a concentração de contaminantes gasosos. Em instalações urbanas e rurais (longe de fontes de poluição) considera-se que o ar captado externamente apresenta a ‘melhor’ característica no que diz respeito à concentração de gases e o utilizamos para diluir os contaminantes gasosos gerados internamente aos ambientes, sejam efluentes gasosos gerados pelos ocupantes ou revestimentos, materiais de acabamento, móveis, equipamentos e utensílios. Mas ao mesmo tempo em que este ar é bom para a diluição de contaminantes gasosos gerados internamente, ele não é bom no que diz respeito à contaminação por partículas, calor e umidade. Obrigatoriamente precisará ser filtrado, resfriado, ou aquecido, e desumidificado para poder ser utilizado. Por isso o seu dimensionamento deve ser cuidadoso, pois, ao mesmo tempo que quanto mais melhor (diluição), também encontra na outra mão, quanto mais pior (consumo de energia e gastos com filtragem). As normas estabelecem procedimentos de cálculos para encontrar este ponto ótimo”, explica Wili Hoffmann, da Anthares Soluções.

“A maioria das instalações”, continua Hoffmann, “tem uma carga de calor latente interno bastante estável e pequena, enquanto a carga latente do ar externo, além de ser bem maior, é sazonal. Uma das vantagens da utilização de um sistema dedicado de ar externo é justamente a de evitar que esta flutuação de carga interfira no ambiente interno, facilitando o controle da temperatura e umidade dos ambientes. De forma análoga pode-se dizer do sistema de filtragem do ar: grande parte do contaminante por material particulado vem do ar externo.”

São dois os riscos existentes quando da definição dos parâmetros que regulam a qualidade do ar interno. “Se for superdimensionado, vai haver uma melhora na concentração de contaminantes gasosos internos para níveis, muitas vezes, muito inferior aos máximos aceitáveis, mas, por outro lado, haverá um aumento no consumo energético e custo operacional da instalação. Sistemas de ar externo subdimensionados levam ao aumento da concentração de contaminantes gasosos internos, interferindo seriamente na qualidade do ar interno e consequentemente nos indivíduos que ali habitam”, conclui Hoffmann.

Como minimizar os riscos?

O Prof. Dr. Antonio Luís de Campos Mariani, da Escola Politécnica da USP e coordenador do Laboratório de Estudos da Qualidade do Ar Interior (LEQAI), pontua algumas recomendações.

“O ponto de partida”, explica, “é verificar quais alternativas são utilizadas para realizar a renovação de ar de um ambiente. Em sistemas de ar-condicionado central típicos, o ar externo para renovação é misturado com o ar de retorno em uma caixa ou câmara de mistura. Em seguida este ar da mistura passa por um ou mais estágios de filtração e, depois, por um trocador de calor (serpentina), sendo insuflado em um ou mais ambientes; em sistemas com equipamentos de ar-condicionado unitários, como os splits, o ar externo pode ser insuflado diretamente no ambiento, sem tratamento térmico, por meio de unidades de renovação de ar, ou caixas de ventilação com filtração, importante realçar. Por fim, em sistemas de ar-condicionado em que o ar externo é insuflado no ambiente após ser tratado térmica e higrometricamente e, também, filtrado, usualmente nomeado pela sigla em inglês DOAS (Dedicated Outdoor Air System), trazendo vantagens importantes do ponto de vista do uso de energia.”

Mariani diz, ainda, que “o dimensionamento e a especificação de equipamentos de renovação de ar é função do tipo do sistema, como relatado acima, e as características do ambiente e sua ocupação. O melhor dimensionamento da vazão de ar externo deve considerar: a)tipo de finalidade do ambiente – conforto, industrial,  ou especial (incluindo nesta categoria ambientes de unidades médico assistenciais); b) ocupação dos ambientes – pessoas, processo, segurança; c) o tipo de atividade, para o caso de ocupação de pessoas, que é realizada no ambiente; d) área do ambiente; d) fontes de contaminação específicas e diluição de poluentes.”

Em função dessa diversidade de situações e condicionantes, para o correto dimensionamento dos sistemas é necessário conhecer e estudar as demandas de cada aplicação, recomenda Murilo Leite, engenheiro de vendas da Munters. “É importante ressaltar que, apesar da maioria dos sistemas de ar-condicionado – centralizados ou descentralizados – serem eficientes no tratamento do calor sensível (resfriamento/aquecimento) nos ambientes interiores, eles são muito ineficientes no combate do calor latente do ar de renovação. Portanto é recomendada a aplicação de Sistemas Dedicados de Ar Externo (DOAS). Essa estratégia de climatização também é conhecida como desacoplamento de cargas. Posto isso, apontamos algumas considerações adicionais na determinação destes sistemas:

– Prever tratamento adequado de todo o ar de renovação (ar primário), isto é, dimensionar o sistema levando-se em consideração os dados climáticos e características do lugar da aplicação; o equipamento deverá ter capacidade suficiente para combater toda carga sensível e latente do ar externo, assim como possuir filtragem apropriada;

– É preferível que os DOAS sejam capazes de insuflar o ar externo com pontos de orvalho menores do que os set-points previstos para os ambientes exteriores, permitindo que os outros sistemas de climatização fiquem dedicados apenas ao controle do calor sensível; a condição de saída do ar do DOAS deverá ser determinada a partir do cálculo da carga latente interna dos ambientes;

– É importante também analisar a viabilidade da aplicação de economizadores ou recuperadores de energia no fluxo de ar primário, pois há sempre uma maneira de reduzir o custo operacional dos sistemas de ar condicionado;

– Algumas vezes pode ser necessário o reaquecimento do ar primário para evitar resfriamento em excesso do ar interno;

– Quando apropriado, prever a aplicação de equipamentos redundantes.”

Ricardo Alexandre Pires, diretor da Seimmei, chama a atenção para os respeitos à normas vigentes, como seguir a determinação de vazão de ar exterior estipulada em 5.21 a 5.23 da Norma ABNT NBR 16401, adotando a metodologia de ANSI / ASHRAE 62.1, assim como acatar a mesma norma, no que diz respeito à Classe de Filtragem, em sua tabela 5.

“A captação do ar deve ser o mais afastado possível de fontes de poluição. Utilizar dispositivos específicos para retirar poluentes do ar de renovação, quando o ar exterior é contaminado por determinados poluentes, por exemplo, lavador de ar para ambientes de refinaria de petróleo.

Proceder à utilização do filtro de carvão ativado para eliminar odores e outros elementos poluentes dentro dos limites de concentração permitidos em ppm. Utilizar trocador de calor entálpico para recuperar até 78% de capacidade de refrigeração, e rotor deseccante para desumidificação de ar exterior até o nível em que podemos trabalhar com a serpentina de água gelada na condição seca, bacia coletora de água seca, que é importante para eliminar a proliferação das bactérias e fungos (hospitais, salas limpas, hotéis de luxo na beira do mar etc.). Calcular as capacidades de refrigeração, aquecimento e umidificação necessárias, utilizando carta psicrométrica corrigida por altitude do local acima do nível do mar. Considerar condição do ar exterior apresentada na ABNT 16401, folhas A3 a A7, determinando a capacidade de refrigeração para frequência anual de 0.4%, com temperatura de ar exterior bulbo seco (TBS) e bulbo úmido correspondente (TBUc) para desumidificação; capacidade de aquecimento considerando condição do inverno, umidificação do ar conforme temperatura TBsc, temperatura de ponto de orvalho TPO, umidade absoluta w (g/kg). Por fim, verificar a necessidade de utilização dos atenuadores de ar no lado de sucção e no lado de descarga”, recomenda Pires.

Observando os sinais

 Havendo superdimensionamento ou subdimensionamento na quantidade de ar (vazão de ar), poderemos enfrentar dificuldades na manutenção de diferenciais de pressão entre ambientes.

Em se aplicando a estratégia DOAS, é possível que cargas internas, sensíveis e latentes, não sejam combatidas adequadamente quando houver falta de capacidade dos equipamentos. Isso pode significar condições de temperatura e umidade fora dos limites ou tolerâncias do projeto. O nível de contaminantes também poderá ficar acima de limites pré-estabelecidos se a quantidade de ar for insuficiente para uma diluição apropriada”, explica Leite.

O engenheiro da Munters alerta que a seleção equivocada de um sistema de tratamento de ar de renovação pode ocasionar uma paralização da produção, a exposição das pessoas a contaminantes (ambientes hospitalares são muito sensíveis), desconforto e queda de produtividade das pessoas, aplicações de multas ou penalidades no não cumprimento de normas, entre outros riscos. “Adicionalmente a isso, vale salientar que o tratamento de ar de renovação é responsável por uma importante parcela do consumo de energia de um sistema de climatização e, assim, o superdimensionamento é extremamente prejudicial para a eficiência de todo o projeto. O subdimensionamento não é, obviamente, a melhor saída para isso. Sendo assim é extremamente importante que o responsável pelo projeto entenda as reais necessidades do seu cliente ou usuário final e considere todas as tecnologias disponíveis para equilibrar valores de investimentos e custos operacionais.”

O professor Mariani explica que o superdimensionamento da vazão de ar externo pode ser verificado em instalações em operação, nas quais ocorrem situações em que o sistema de condicionamento de ar não consegue atender as condições de temperatura e/ou de umidade previstas como valores de ajuste (set-point). Ou seja, a capacidade da máquina não atende a carga térmica produzida pela maior vazão de ar externo que está ocorrendo. O sistema está subdimensionado, segundo ele, nos casos em que o projeto não atende as condições reais da necessidade de vazão de ar externo. E aponta as causas:

1) O subdimensionamento pode ser consequência do projeto, mas não necessariamente por erro do seu autor, mas por falta ou falha nas informações fornecidas pelo cliente sobre as condições reais de utilização do ambiente, ou sobre as fontes de poluentes;

2) Outro fator podem ser as mudanças de finalidade no uso do ambiente realizadas pelo usuário;

3) O subdimensionamento pode ser sentido pelos ocupantes que passam a expor sentimentos como “falta de ar novo”, excesso de odores, mal-estar, reações alérgicas, ou mesmo problemas na saúde;

4) O subdimensionamento pode ser medido com o levantamento de valores para grandezas com valores acima de limites recomendados em suspensão no ar do ambiente, que atuam como indicadores, como: COV (Compostos Orgânicos Voláteis), CO (Monóxido de Carbono), CO2 (Dióxido de Carbono), Aerossóis ou Aerodispersóides avaliados pela concentração de elementos particulados em suspensão no ar (PM1, PM2,5, PM10 etc.), NOx, SOx etc. A estes parâmetros, identificados como químicos e físicos, podem ser adicionados os microbiológicos, mensurado pelo índice UFC (Unidade Formadora de Colônia);

5) Em ambientes industriais, em que ocorram processos de fabricação de peças e componentes, ou processo de produção, a falta de ar externo também pode ser medida pela presença de poluentes acima dos níveis limites, mas com o agravante de que, em certos casos, além de prejudicar a saúde de trabalhadores expostos a estes níveis, podem estar relacionados à insegurança, com o aumento do risco de explosões e de mortes rápidas.

O que fazer?

 João José Szwarc, diretor industrial da AQ – Air Quality, fabricante de equipamentos para tratamento do ar, diz que facilitaria o trabalho da indústria se os responsáveis pelos projetos, ao especificar um equipamento de tratamento de ar, “indicassem nas tabelas somente a pressão disponível calculada que necessitam na obra, externa ao equipamento, ou seja, as perdas de pressão existentes na obra (dutos, grelhas, difusores, atenuadores de ruído etc.), deixando para o fabricante dos equipamentos a tarefa de somar esta perda externa informada às perdas internas geradas pelo próprio equipamento (perdas nos filtros de ar, serpentina de resfriamento, aquecimento e outras perdas internas).”

Szwarc justifica sua posição pelo argumento de que a perda de pressão em um filtro de ar, por exemplo, varia bastante em função do elemento filtrante e da velocidade do ar no filtro. “Nos filtros de ar classe G4 que utilizamos, ao reduzir a velocidade de face de 2,5m/s para 2,0m/s, a perda de pressão diminui em mais de 30%, por exemplo. Assim sendo, ninguém melhor que o fabricante do equipamento, para dimensionar estas perdas internas com mais precisão. Isso ajudaria a evitar superdimensionamento de ventiladores e motores. Às vezes, devido a um superdimensionamento da pressão pelo responsável do projeto, o fabricante é obrigado a utilizar ventilador de alta pressão, tipo limit-load, de pás viradas para trás, bem mais caros, e com prazo de entrega também maior, muitas vezes desnecessário para uma pequena instalação de conforto, com filtros G4 e M5.”

O diretor da Air Quality diz que, na prática, existem muito mais casos de superdimensionamento do que de subdimensionamento de pressão. “Quando a máquina fabricada de forma superdimensionada é instalada na obra, ao ser ligada encontra muito menos pressão a vencer nos dutos do que a informada, desta forma, passa a oferecer muito mais vazão de ar do que o necessário. Um sinal de que há superdimensionamento de pressão, é o ruído excessivo nos difusores, devido ao excesso de ar. Se a máquina não for logo reajustada, através da utilização de dampers (registros de ar), variadores de frequência, troca de polias etc., pode até haver queima do motor, devido à operação fora da faixa em que a máquina foi projetada.”

 Por sua vez, Pires, da Seimmei, recomenda “calcular corretamente a vazão de ar de renovação necessária, ver a necessidade correta de filtragem de ar, verificar a necessidade de incluir o atenuador de ruído, calcular o nível de CO2 a garantir com a renovação de ar, considerar as condições reais de ar exterior conforme tabelas ABNT, marcar os pontos operacionais na carta psicrométrica e determinar a capacidade de refrigeração, aquecimento, desumidificação ou umidificação.”

“A norma NBR 16401 que está em revisão virá com boas inovações e melhorias para tornar os cálculos mais precisos quanto aos cálculos das vazões de ar externo necessárias. Acredito que estas novidades fornecerão aos projetistas alternativas mais precisas quanto ao dimensionamento e seleção de equipamentos”, adianta Hoffmann.

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

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