Em um novo empreendimento ou em um retrofit, o sistema de ar-condicionado representa uma parcela importante na tomada de decisões de projeto devido ao volume do investimento, tanto inicial como de manutenção. Entre essas decisões, apenas a minoria possui respostas simples e rápidas.

A grande variedade de tecnologias disponíveis, condições ambientais, capacidades e premissas de projeto aumentam o grau de complexidade para a tomada de decisão. Neste contexto, os autores deste trabalho, atuantes na área de AVAC, são constantemente indagados pelos clientes com a seguinte pergunta: “Qual é o sistema de AVAC mais adequado de acordo com as diferentes condições de projeto? “

Inicialmente procuramos esta resposta em trabalhos acadêmicos nacionais e internacionais, entretanto não encontramos respostas completas, claras e isentas, tendo encontrado inclusive orientações contraditórias e tendenciosas. Desta forma, este trabalho comparativo foi iniciado de forma isenta e documentada para responder adequadamente a esta pergunta. O objetivo foi entender melhor as tecnologias escolhidas e suas características e criar um guia a ser usado como base para definição do tipo de sistema a ser adotado em um novo empreendimento.

É importante salientar que cada empreendimento possui características únicas e, portanto, o presente trabalho tem apenas o objetivo de apresentar uma orientação inicial para o projeto.

  1. Introdução

A demanda por conforto térmico e qualidade do ar interior cresceu rápido nos últimos anos, sendo que equipamentos de ventilação e ar-condicionado consomem atualmente 20% de toda a eletricidade utilizada no mundo em construções (IEA,2018). Paralelamente, a partir de 2006, o Departamento de Energia dos Estados Unidos estabeleceu o conceito de construções de “energia zero” (Zero Energy Buildings – ZEB) que, através de cogeração e equipamentos eficientes, objetiva a redução de consumo energético global (TORCELLINI, et al, H2006). Nesse contexto, um dos principais objetivos de um projeto de ar-condicionado é a otimização dos sistemas buscando melhor eficiência energética.

A fim de atingir o conforto térmico, o sistema de ar-condicionado busca manter a temperatura interna do ambiente e umidade relativa em níveis aceitáveis. Existem diversas normas e recomendações sobre tais níveis, como a norma NBR 16401 (ABNT, 2008). Já a qualidade do ar interior é estabelecida com renovação com ar externo e níveis de filtragem pertinentes (ASHRAE, 2017).

O conceito principal de refrigeração baseia-se no ciclo de compressão a vapor (ASHRAE, 2017). As diferentes soluções diferenciam-se por particularidades no ciclo, por exemplo, sistemas de expansão direta e sistemas de expansão indireta. Em se tratando de ambientes comerciais, algumas das principais soluções hoje utilizadas para tratamento de ar são sistemas de água gelada, VRF e package com cada sistema possuindo características distintas de instalação, consumo e operação.

Os sistemas de água gelada são pioneiros, e desde o início do século XX são amplamente utilizados, principalmente onde há grande demanda de carga térmica (CARRIER, 2019). Trata-se de um sistema em que o fluido refrigerante não é circulado pelo ambiente interno; o fluido de trabalho é a água. A unidade externa para resfriamento da água é denominada chiller, que irá bombear água às unidades de tratamento de ar (UTA), responsáveis por resfriar e filtrar o ar ambiente (ASHRAE, 2016). A utilização mais comum de água gelada está relacionada a sistemas centrais, em que o dimensionamento é feito para toda a construção em um único sistema.

O sistema package, popularizado a partir da década de 1970, é uma solução de expansão direta cujo fluido de trabalho é o próprio refrigerante (SMITH, 2019).  No modo de resfriamento, a unidade externa (condensadora) é responsável por rejeitar o calor absorvido do ambiente e a unidade interna (evaporadora) promove o resfriamento do ar. Uma subdivisão desse sistema é conhecida como Split (dividido), as evaporadoras, em geral, têm o mesmo porte das UTA’s, porém a unidade externa é individualizada formando um conjunto um para um.

Mais recentemente, a partir da década de 1990, surgiu o sistema VRF (variable refrigerante flow – fluxo variável de refrigerante) que é similar ao sistema package, expansão direta, porém com a possibilidade de utilização de apenas uma unidade externa para diversas unidades internas (DAIKIN, 2013). O porte das evaporadoras é limitado em relação ao package, porém o VRF possibilita uma maior flexibilidade de instalação. Sistemas mais robustos de VRF possibilitam também o resfriamento e aquecimento simultâneo de diferentes zonas através do mesmo circuito de refrigerante (ASHRAE, 2016).

Nesse contexto, os projetistas de AVAC com base em sua experiência e referências normativas estabelecem hipóteses iniciais para o projeto escolhendo uma linha de solução. A literatura técnica para o segmento de refrigeração e ar-condicionado já é bem consolidada e viva. Diversas instituições e companhias, como a ASHRAE (American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers), dedicam-se ao desenvolvimento e normatização das tecnologias, buscando sempre uma maior eficiência e eficácia das soluções.

Após escolhido o sistema, o desenvolvimento de um projeto passa por etapas de análise de eficiência energética, viabilidade econômica, espaço ocupado, entre outros. Portanto cada linha de solução percorre a evolução de performance individualmente. Ao final do projeto restam algumas questões: 1) O sistema foi o de melhor custo benefício e o mais adequado ao tamanho da construção entre as diversas linhas de solução existentes? 2) O conceito adotado apresenta os mesmos resultados em diferentes localidades?

Para selecionar a melhor solução para um empreendimento o ideal seria simular o projeto das diferentes soluções disponíveis, entretanto sabemos que na maioria das vezes este estudo não é viável, seja pelo prazo disponível, seja pelo custo. Desta forma, o objetivo do presente trabalho é estabelecer um guia de aplicação de sistemas de ar-condicionado, conforme capacidade, custo, localização e eficiência; comparando uma construção comercial típica com uso de sistema de água gelada, package e VRF.

  1. Metodologia

 A primeira hipótese adotada foi analisar apenas construções comerciais típicas no contexto brasileiro. Isso faz com que as dimensões dos ambientes, as instalações hidráulicas, de iluminação, os materiais da obra, a ocupação, enfim, as características da edificação, sejam selecionadas no contexto de edificações de escritórios.

Para o trabalho em questão foi utilizado o projeto de um prédio administrativo existente de porte médio. A avaliação de construções de pequeno porte foi realizada delimitando a área do prédio escolhido em uma porção menor. Já para avaliação de construções de grande porte, foi considerada a multiplicação dos andares deste prédio.

Como o tamanho da construção está diretamente relacionado com a carga térmica, foram adotadas cinco faixas de capacidades para representar os diferentes portes de edificação: 30 TR, 80 TR, 200 TR, 500 TR, 1000 TR.

Uma vez que o perfil climático brasileiro também é bem diverso, foram escolhidas quatro capitais brasileiras de diferentes regiões: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Curitiba.

Mesmo delimitando os tipos de sistema (Água gelada, Package e VRF), existem inúmeras tecnologias diferentes para cada um deles. Uma hipótese importante é que todos os sistemas devem operar com compressor em frequência variável (inverter), isso porque são mais eficientes e por consequência são os mais utilizados em projetos ZEB.

Outra hipótese é que todos os sistemas devem possuir o mesmo desempenho em relação a conforto térmico e distribuição de ar, por isso, foi considerada a distribuição de ar dutada com difusores de teto de efeito coanda em todos os sistemas.

Também todos os sistemas devem possuir o mesmo nível de filtragem (G4) e mesmo nível de renovação de ar. Para as UTA’s e evaporadoras package a insuflação de ar externo foi realizada no próprio retorno. No sistema VRF, foi necessária a inclusão de ventiladores adicionais para a insuflação. Vale ressaltar que no VRF o retorno não possui filtragem G4, apenas na tomada de ar externo, devido à baixa pressão disponível da unidade interna.

Além disso, todos os equipamentos foram adotados com condensação a ar. Assim, o ponto de partida para os projetos pode ser resumido pela Tabela 1.

O primeiro passo para um projeto de ar-condicionado é o cálculo de carga térmica da edificação. São necessárias as características da construção (dimensões, localização geográfica, ocupação, equipamentos, materiais, iluminação, portas e janelas etc.) e também a escolha de um método. No caso deste artigo foi utilizado o método descrito no handbook da ASHRAE para séries de tempo radiante (ASHRAE, 2017). Todos os dados e cálculos foram processados em planilha eletrônica.

As cargas térmicas calculadas são para a condição de projeto de resfriamento anual de 1% para o bulbo seco. Mas, para a análise de operação dos equipamentos, foram coletados dados climáticos do INMET em base de dados do Energy Plus para cada uma das cidades escolhidas ao longo do ano de 2008, hora a hora; a partir disso, foi calculada a carga térmica horária para o ano. Para o ponto de carga térmica nominal de cada sistema foram selecionados equipamentos comuns e consolidados do mercado brasileiro.

Todas as máquinas foram selecionadas através de softwares dos fabricantes, com exceção dos chillers e condensadoras que foram selecionados através de catálogos. Os dutos tiveram dimensionamento através do método da velocidade constante e recomendações ASHRAE. As tubulações do circuito hidrônico foram dimensionadas também através de recomendações da ASHRAE e o sistema de bombeamento utilizado foi o primário variável, considerando mínimo de 50% de autoridade para as válvulas de controle.

Com os projetos definidos deu-se início a tomada de preços para avaliar o custo inicial de cada tipo de solução. Todos os preços foram considerados os praticados no mercado, com impostos pertinentes. Os preços de mão de obra também foram avaliados com instaladores locais, considerando o praticado no mercado.

Além do custo inicial, foi avaliado o custo de operação de cada sistema. Foram considerados os custos de energia, manutenção e vida dos equipamentos. Para o custo de energia, foi avaliado o consumo energético considerando a carga térmica horária em conjunto com dados de catálogo (como IPLV ou tabelas de desempenho de acordo com o componente) e software dos fabricantes, assim como as tarifas de energia de cada região, considerando construções do grupo B3 em tarifas convencionais. Os custos de manutenção foram coletados com empresas locais.

Foi avaliado também o espaço ocupado pelos equipamentos e a relação dos sistemas com o ciclo de vida da edificação.

Os principais resultados obtidos dos projetos e levantamento de custos, as discussões sobre esses resultados e as principais conclusões estão apresentadas a seguir.

  1. Resultados e discussões

 A partir da metodologia apresentada o primeiro resultado é a carga térmica de projeto calculada, apresentada na Tabela 2. Vale ressaltar que o objetivo era atingir aproximadamente as faixas de capacidade estipuladas, porém para a mesma construção, em localidades diferentes, a carga térmica varia.

As combinações utilizadas de chillers, condensadoras e unidades VRF são apresentados na Tabela 3. As quantidades das UTA’s selecionadas e as evaporadoras para o sistema package estão listados na Tabela 4. Vale observar que a seleção teve de ser realizada caso a caso, pois a configuração de serpentina e ventilador varia de acordo com a localidade.

Uma grande diferença entre os sistemas é a quantidade de máquinas instaladas, que pode ser visualizada na Tabela 5:

Pela sua natureza modular e mais descentralizada, a quantidade de máquinas utilizadas no sistema VRF é de 2 a 13 vezes maior do que no sistema de água gelada. Quando comparado ao package, a diferença é menor, porém ainda significativa de 3 a 7 vezes mais máquinas. A quantidade de gás refrigerante também foi comparada devido aos riscos que apresenta aos ocupantes em caso de vazamento. O demonstrativo pode ser visualizado na Tabela 5.

O projeto para uma das zonas pode ser visto nas Figuras 1 e 2. A Figura 1 demonstra o sistema de água gelada que por sua vez é similar ao package, com a diferença das caixas VAV’s. Já a Figura 2 apresenta o projeto para o sistema VRF.

Com os projetos concluídos e com a tomada de preços no mercado local, foi possível totalizar os custos iniciais de cada instalação, que estão descriminados nas Tabela 6 e 7.

Os custos de operação, relacionados ao consumo de energia e manutenção, foram totalizados na Tabela 8. O custo de energia foi considerado constante ao longo dos anos.

Uma informação importante é o espaço ocupado da edificação pelos equipamentos de ar-condicionado. Isso pode fazer diferença no planejamento de área útil e vendável da construção. Na Tabela 9 estão listados os footprints (FP) de cada sistema (a área de cada máquina foi dobrada para considerar o espaço de manutenção) para a cidade de São Paulo. Foi utilizada a média do índice FipeZap em cada cidade para o custo/m².

Com os dados de custo inicial e operação, a análise do ciclo de vida total pôde ser realizada levando em consideração a vida útil mínima de um edifício, situada em 50 anos pelas normas brasileiras (POSSAN, 2013). Da mesma forma, a estimativa de vida para os equipamentos de AVAC, segundo a ASHRAE, são de 15 anos para o VRF e package e 23 anos para chillers (ASHRAE, 2015). Para o custo de reposição dos sistemas foi desconsiderado o custo dos dutos e difusores em todos os sistemas, assim como da tubulação de aço galvanizado. O exemplo de cálculo considerando São Paulo, assim como os resultados para cada cidade, destacando o sistema com os menores custos totais estão dispostos nas Tabelas 10 e 11.

  1. Conclusões

 A primeira análise fundamental é a comparativa em relação aos custos iniciais de instalação dos sistemas. Observando a Tabela 6 é possível verificar que o sistema package apresenta o menor custo inicial em todas as situações, o sistema de água gelada apresenta um custo maior para as capacidades de 30 e 80TR, e intermediário para 200, 500 e 1000 TR. Os sistemas VRF apresentam, em geral, custo maior, com exceção das capacidades de 30 e 80 TR.

Ainda em relação aos custos da Tabela 6, destaca-se que para a mesma obra os custos iniciais no Rio de Janeiro são entre 5% a 7% mais altos, principalmente por conta do perfil de carga térmica mais severo.

Pela Tabela 7 é possível verificar que, independente da região, o custo de energia consumida pelo sistema package é maior dentre os 3 tipos de sistemas devido a sua menor eficiência energética em cargas parciais e o fato de que esse sistema não utiliza VAV’s, trabalhando em vazão constante.

O menor consumo de energia foi apresentado pelo sistema VRF, que possui uma eficiência maior entre os sistemas analisados. Ao verificar também o menor custo inicial a baixas capacidades, este sistema é uma boa opção para capacidades na faixa de 30 TR a 80 TR.

Considerando o uso da área construída para a instalação de equipamentos, conforme a Tabela 8, pode-se chegar à conclusão que o VRF ocupa uma área maior, já o package está em um patamar intermediário, e a água gelada ocupa menos espaço da construção, com exceção da capacidade de 80 TR.

Analisando o custo total levando em consideração a vida útil do edifício, o panorama é diferente de quando se considera apenas o custo inicial e operacional para a tomada de decisão. Devido à baixa eficiência, o sistema package apresentou o pior resultado em todas as capacidades. Para a capacidade de 30 TR, o VRF se mostrou mais competitivo, com a água gelada apresentando resultados similares apenas nas cidades de São Paulo e Curitiba. Para a capacidade de 80 TR o sistema de água gelada se saiu melhor, apenas empatando com o VRF em Brasília. Já nas maiores capacidades de 200 a 1000 TR, o sistema com agua gelada obteve melhores resultados.

Um guia geral de acordo com os dados obtidos e características dos sistemas pode ser visualizado abaixo na Tabela 12.

Neste estudo, foram obtidos comparativos considerando apenas um tipo de equipamento para cada sistema. No caso da água gelada, por exemplo, foram considerados chillers inverters condensados à ar de apenas um fabricante e sem variação no tipo do compressor (exceto pela capacidade de 30 TR), assim como apenas um sistema de bombeamento. No caso do VRF, apenas unidades externas condensadas à ar de um fabricante especifico. Este estudo será constantemente atualizado com outros sistemas de ar condicionado como por exemplo chillers com condensação a água e uso de vigas frias.

Este trabalho foi apresentado no Conbrava 2019, Congresso Brasileiro de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento, que ocorreu paralelamente à FEBRAVA.

O trabalho completo pode ser acessado no endereço http://tqs.troxbrasil.com.br:105/pdf/Artigo_Guia_de_Aplicacao_HVAC.pdf

REFERÊNCIAS

AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. The Ashrae Handbook 2015: Applications: SI Editions. Atlanta, 2015. 63 caps.

AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. The Ashrae Handbook 2016: HVAC Systems and Equipment: SI Editions. Atlanta, 2016. 52 caps.

AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. The Ashrae Handbook 2017: Fundamentals: SI Editions. Atlanta, 2017. 40 caps.

CARRIER. Weathermakers to the world. Disponível em: < http://www.williscarrier.com/m/1923-1929.php > Acesso em 2019

DAIKIN. ASHRAE Standards 15 and 34 – Considerations for VRV/VRF Systems. Maio 2013

IEA [International Energy Agency]. The Future of Cooling: Opportunities for energy-efficient air conditioning. OECD/IEA: Paris, 2018.

POSSAN, Edna; DEMOLINER, Carlos Alberto. Desempenho, durabilidade e vida útil das edificações: abordagem geral. Revista técnico-científica, v. 1, n. 1, 2013.

SMITH. History lesson ductless has come a long way. Disponível em: < https://www.achrnews.com/articles/102091-history-lesson-ductless-has-come-a-long-way> Acesso em 2019

TORCELLINI P., PLESS S., DERU M. Zero Energy Buildings: A Critical Look at the Definition. Agosto 2006.

 

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