É quase consensual que a percepção acerca da qualidade dos ambientes climatizados por usuários, gestores e proprietários de edificações climatizadas sofreu profunda alteração. Antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus essa era uma questão secundarizada; importava mais a variável temperatura e como ela poderia ser alcançada com o menor custo possível, relegando todas as demais que emprestam salubridade aos ambientes ao segundo plano.
Inquestionavelmente, trata-se de algo a ser comemorado pela comunidade do AVAC. Afinal, essa batalha tem sido travada por empresas e profissionais, isoladamente ou através de suas entidades representativas, a exemplo do Departamento Nacional de Qualidade do Ar da Abrava (Qualindoor). Entretanto, representantes do segmento alertam que é necessária atenção redobrada para que o tema não caia no esquecimento, como tantos outros, uma vez vencida a pandemia.
“Os profissionais do setor de AVAC-R precisam, em primeiro lugar, se especializar em QAI. Conhecer as leis, os conceitos, a importância da filtração e renovação do ar. Com esse embasamento técnico terão mais capacidade em vender produtos e serviços de melhor qualidade”, declara Leonardo Cozac, CEO da Conforlab, diretor da Abrava e um dos fundadores do Qualindoor.
“A pandemia trouxe à sociedade o risco de frequentar ambientes fechados e, com isso, o tema Qualidade do Ar Interno ficou perceptivo para os menos entendidos; acredito muito que essa percepção em consumir um melhor ar ficará para sempre, e o mercado de AVAC se moldou ao tema. Muitos fabricantes destinaram seus esforços a lançarem produtos para essa aplicação, bem como destinar todos seus esforços para a qualidade do ar. No meu ponto de vista isso veio para ficar e o setor enxergou a necessidade de atender as normas e leis vigentes”, acredita Marcelo Munhoz, diretor da Sicflux e atual presidente do Qualindoor.
Se a crise da covid-19 possibilitou a abertura do diálogo da QAI com a sociedade, não se pode negligenciar a responsabilidade que daí advém, e cada membro da comunidade deverá arcar com sua parcela. O que inclui, segundo Cozac, comprovação técnica de eficácia e segurança de produtos e serviços. “Testes de eficácia, bem como selos de qualidade, como do INMETRO, garantem segurança e credibilidade para o consumidor final.”
Ou, como entende Munhoz, crescerá a exigência pela compreensão e estudo mais apurado sobre o tema. “Muitos profissionais precisam se reciclar, não dá mais para pensar em instalar ou projetar um sistema de ar-condicionado se não tiver um mínimo de conhecimento sobre qualidade do ar. O Qualindoor desenvolveu um curso completo no formato EAD de qualidade do ar justamente para dar essa noção a todos.”
Sem dúvida, como reconhece Manoel Gameiro, diretor comercial da Ecoquest, a Abrava e seus departamentos nacionais têm feito um trabalho de treinamento de profissionais e de divulgação muito importante para os consumidores. “Temos que continuar o trabalho de treinamento, divulgação e implementação de normas. Disseminar conhecimento é a base de tudo. Acreditamos, também, que virá uma grande demanda de novas certificações visando a saúde e bem-estar dos ocupantes, como Well, Fit Well, Life para residências etc., essa demanda virá do mercado para a indústria. O setor imobiliário já está vendo esse início de ação do mercado, clientes buscando esses novos conceitos de prédios comerciais. Demanda que também já está ocorrendo nos prédios residenciais.”
Gameiro acredita que a disseminação de conhecimento e o fortalecimento das normas irão promover a mudança necessária. No entanto, seu colega de diretoria na Ecoquest, Henrique Cury, entende ser necessário ir além. “Com o advento da pandemia, inúmeras empresas chegaram ao mercado. Algumas boas, outras nem tanto. É importante que se façam normas para verificação de eficiência e segurança de novas tecnologias.”
Por fim, Guilherme Francisco Botana, responsável técnico da Ductbusters, alerta para a consideração de todos os conceitos de renovação de ar para as instalações, assim como uma maior ênfase para com os sistemas de filtração dos equipamentos de ar-condicionado. “Os conceitos de manutenção preventiva e corretiva com a correta implantação do PMOC (Plano de Manutenção Operação e Controle) deverão ser aplicados considerando-se todas as alternativas referentes à qualidade do ar de interiores afeitos a estes equipamentos. Deverão ser consideradas as manutenções dos sistemas de filtração das unidades condicionadoras instaladas, correta avaliação de suas condições de funcionamento para a manutenção das condições de temperatura e umidade relativa do ar.
Deverá ser dada ênfase para a realização semestral de análises microbiológicas de qualidade do ar de interiores de acordo com a RE-09 da ANVISA. Deverão, também, ser verificadas as condições de limpeza e sanitização dos ambientes atendidos por sistemas climatizados. Análises pelo método RODAC (contaminação de superfícies) devem ser realizados e, se necessário, dever-se-á proceder a sanitização de ambientes com a utilização de metodologia e produtos específicos.”
Luz sobre os diversos patógenos
Apesar de se constituir, neste momento, no principal risco para os ocupantes de ambientes fechados, a covid-19 está longe de ser a única, embora letal e altamente transmissível. “Diversos elementos em ambientes internos podem colocar em risco a saúde das pessoas. Fungos, bactérias, além dos vírus, são microorganismos encontrados em ambientes fechados. Gases e materiais particulados podem fazer mal aos ocupantes se estiverem acima ou abaixo dos limites necessários ao ser humano”, explica o CEO da Conforlab.
“A pandemia trouxe evidência aos problemas microbiológicos existentes na qualidade do ar de interiores. Houve uma mudança de paradigma na maneira como as pessoas enxergam a qualidade do ar. Além dos vírus sazonais da gripe, incluo os vírus simples do resfriado, bactérias como a Legionella e a Staphylococcus, principalmente os resistentes a meticilina, e o Aspergillus, que é associado a infecções hospitalares. A ventilação e a filtragem associadas a novas tecnologias, como a luz ultra-violeta e a última geração de foto-catálise, podem ser armas importante para mitigar estes riscos”, afirma Cury, diretor da Ecoquest e membro destacado do Qualindoor.
“A pandemia jogou luz em problemas que vimos discutindo há mais de um ano no Qualindoor. Repetimos constantemente em apresentações, cursos e reuniões a importância dos impactos da QAI na saúde dos ocupantes das edificações e nos ganhos financeiros que ela pode trazer. Hoje, o mindset mudou. As pessoas enxergam a qualidade do ar que respiram tão importante quanto a qualidade da água que bebem”, completa Cury.
Botana, da Ductbusters, entende que as infecções provocadas pelo Sars-CoV-2 “devem chamar a atenção para todas as outras condições de infecções que eventualmente podem vir a se manifestar em sistemas climatizados e que até o aparecimento do Sars-CoV-2 sempre foram relegadas a segundo plano pela grande maioria de instaladores, mantenedores e empresas de qualidade do ar de interiores. O que queremos dizer é que as mesmas precauções com o Sars-CoV-2 devem se estender a todas e quaisquer infecções já eventualmente existentes e que se manifestem em ambientes climatizados.”
Conceito QAI
É necessário compreender corretamente o conceito de QAI. “O conceito de QAI é um adequado conforto térmico + saúde dos ocupantes. Se o conforto térmico não for atingido no ambiente, a QAI estará prejudicada. Altas temperaturas diminuem a performance dos usuários, por exemplo”, explica Cozac.
Neste sentido, Gameiro, da Ecoquest, diz existir uma série de ações que visam a melhoria da qualidade interna do ar, mas que tudo começa com um bom projeto que siga as normas vigentes. Suas recomendações são: Renovação do ar com base nas normas, um bom projeto de distribuição do ar, filtragem adequada com base nas normas, utilização de lâmpadas UVC na face dos equipamentos visando à eliminação do biofilme, controle da umidade relativa e tecnologias ativas de purificação para inativação de patógenos e redução dos TVOCS nos ambientes.
Da mesma forma, o responsável técnico pela Ductbusters lista alguns outros itens a serem observados para a manutenção da qualidade do ar:
– Realização das instalações de forma adequada por empresas efetivamente especializadas cumprindo-se todos os requisitos de projeto e as boas práticas para obtenção de ambientes com ar climatizado e com qualidade do ar de interiores adequada.
– Correta aplicação do PMOC (Plano de Manutenção Operação e Controle) para todos os sistemas instalados, incluindo análises semestrais de qualidade do ar de acordo com a RE-09 da ANVISA.
– Verificação anual das condições de sujidade dos dutos de acordo com a NBR -15.848, uma vez que é sabido que somente a análise microbiológica não é suficiente para indicar as condições de limpeza e higienização destes sistemas climatizados.
– Preocupação com as condições de limpeza e higienização dos ambientes climatizados de uso coletivo.
Limpeza de dutos e serpentinas
“Na teoria, os dutos de ar-condicionado não deveriam ficar sujos, pois possuem sistemas de filtração na entrada de ar. Porém, esses filtros nem sempre são adequados para remoção de partículas pequenas, ficam sujos ou mal encaixados, permitindo a passagem de poeira. Manter o ambiente limpo, e os filtros de ar funcionando adequadamente, reduz muito a necessidade de limpeza e higienização dos dutos”, diz Cozac.
Mas, quando necessária, a correta higienização dos dutos de ar-condicionado somente é obtida com procedimentos específicos. “Não existem produtos que se aplicados possam realizar esta higienização sem a correta aplicação dos procedimentos de limpeza e higienização. É sabido que existem no mercado tecnologias com a utilização de equipamentos de UV de amplo espectro e equipamentos de ionização instalados no interior das redes de dutos. Mesmo com a utilização destas tecnologias, a correta limpeza e higienização das redes de dutos somente é possível com os procedimentos de limpeza e higienização por escovação mecânica robotizada. Isto porque nenhuma destas tecnologias pode evitar a deposição de sujidades e formação de focos de sujidades e fungos no interior das redes de dutos”, diz Botana.
Também as serpentinas devem ser higienizadas, em benefício da QAI. “Pode ser limpeza periódica manual, com produtos biodegradáveis, ou ainda a instalação de lâmpadas UVC na face da serpentina que irá reduzir o crescimento de microrganismos nesse local e nas bandejas de condensado”, recomenda o CEO da Conforlab.
QAI e sistemas split
Outro efeito da pandemia foi o de expor os sistemas split. Chega a ser cansativo repetir que eles por si são incapazes de prover filtragem e renovação do ar. “Se faz necessária a instalação de sistemas de renovação de ar, com filtração do ar externo, bem como purificadores de ar dentro dos ambientes. Podem ser fixos ou portáteis. O mercado apresenta soluções com filtros HEPA ou fotocatálise que são bem interessantes. A distribuição de ar nos ambientes internos é um fator de preocupação em ambientes com split. A velocidade do ar não irá chegar adequadamente em todos os locais do ambiente, além do filtro de ar do split ser de baixa eficiência, existindo para proteger a serpentina de ficar suja mais rapidamente”, diz Leonardo Cozac.
Cury diz que as instalações de split necessitam atender a Lei Federal 13.589/2018, que contém todas as premissas necessárias para o atendimento da qualidade do ar interior. “A renovação insuficiente está diretamente ligada a baixa produtividade, absenteísmo e doenças respiratórias. Por isso que indicamos tecnologias ativas, que podem ajudar na melhoria da qualidade do ar de um ambiente servido por split quando a ventilação é insuficiente.”
Da mesma maneira, o presidente do Qualindoor é taxativo ao afirmar que todos os ambientes comerciais que possuam o sistema split devem se adequar às normas e leis vigentes, possuindo renovação de ar e tomada de ar externo. “Hoje no mercado o que não falta é opção de produtos para atender esse segmento. Sem renovação de ar, o cognitivo das pessoas inseridas nesse ambiente fica comprometido, elas ficam sonolentas e perdem sua produtividade, mas, além disso, há um aumento considerável da possibilidade de uma pessoa contaminada com qualquer tipo de vírus transmitir para outras pessoas dentro de um ambiente com ar saturado, bem como a propagação de vários tipos de doenças respiratórias, além de comprometer o trato respiratórios e via aéreas.”
Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br
Veja também:
Esforço do Qualindoor para disseminar o conceito de QAI