A pandemia provocada pelo Sars-CoV-2 acendeu diversos alertas e impôs desafios redobrados à humanidade. O mais letal dos vírus que assolaram o mundo desde a ocorrência da gripe espanhola, havia infectado, até a primeira semana de junho, mais de 173 milhões de pessoas, provocando 3 milhões e 800 mil óbitos. A rapidez da transmissão e a alta letalidade têm acendido o alerta na comunidade científica, que acredita não ser ainda o atual aquele que provocará uma mudança no perfil demográfico mundial.

Como está pacificado, a transmissão preferencial do Sars-CoV-2 é pelo ar, assim como o papel dos aerossóis no processo. Portanto, não restam dúvidas quanto à centralidade da ventilação para o controle da doença. Muito possivelmente, as altas taxas de ar de renovação recomendadas para a situação atual vieram para ficar. Assim como a recorrência de sistemas de filtração do ar e de tecnologias ativas para a purificação dos ambientes.

Tais necessidades aparentemente colidem com a tarefa mais do que urgente de mitigar os danos causados pelo homem ao meio ambiente. As evidências mostram que ou abdicamos da concepção antropocêntrica de mundo ou estamos, enquanto espécie, destinados à destruição.

Altas taxas de renovação do ar interno, assim como sistemas eficientes de filtração do ar de recirculação, demandam energia. O consumo desenfreado de energia é um dos maiores contributos da desagregação ambiental que, por usa vez, está na base da proliferação de moléstias e pandemias como a atual.

Neste sentido, é falsa a dicotomia entre a qualidade do ar nos ambientes internos e a eficiência energética. O grande desafio, portanto, é, apoiando-se numa visão holística da tecnologia, garantir a saúde dos espaços climatizados com o menor dispêndio energético possível. Ou, no popular, fazer mais com menos.

“Precisamos separar a situação emergencial do cenário persistente pós pandemia. Qualidade do ar e sustentabilidade são dois princípios muito importantes e devem ser buscados em conjunto. De fato, existem alguns aspectos da qualidade do ar que podem, sim, implicar em maior consumo energético, como maiores taxas de ar externo; entretanto, é possível aplicarmos estratégias e tecnologias de controles que otimizam as taxas de ar externo e minimizam o impacto no consumo energético. Atualmente, na situação emergencial, a recomendação é desativar estratégias como ventilação sobre demanda ou recuperadores de calor com risco de contaminação cruzada, mas é algo temporário, em função da pandemia. Assim que adentrarmos no período pós pandemia estas estratégias devem ser adotadas novamente e, assim, garantir menor consumo energético sem prejuízo da qualidade do ar de interiores. Vale ressaltar que os parâmetros de medição dos sistemas de automação precisam evoluir para além da medição de CO2, temperatura e umidade, só então teremos sistemas capazes, de fato, de verificar a qualidade do ambiente interno”, defende Rafael Dutra, coordenador de aplicação da Trane.

O Prof. Dr. Antonio Luís de Campos Mariani, da Escola Politécnica da USP e coordenador do Laboratório de Estudos da Qualidade do Ar Interior (LEQAI), diz que tratar térmica e higrometricamente mais ar externo demanda mais energia. “Mas é possível, com boas soluções de retrofit no projeto, fazendo uma detalhada análise energética, e aplicação de equipamentos mais evoluídos, buscar alternativas que possibilitem tratar o ar externo com otimização no uso de energia. Alguns exemplos de solução para isto são: Utilizar técnicas e equipamentos que fazem recuperação de calor; melhorar as soluções que reduzam perdas de calor, melhores isolamento térmico, como em dutos; considerar a aplicação de DOAS (Dedicated Outdoor Air System), entre outras. Para tanto, o primeiro passo é estabelecer qual a vazão mássica de ar que se pretende utilizar dentro deste novo contexto, e a partir daí avaliar as alternativas.”

“O conforto humano é o objetivo e, nesta linha, a qualidade do ar é sempre prioritária quando se entrega um sistema de ar-condicionado e a renovação do ar faz um importante papel na construção desta solução. Quando se buscam alternativas para melhorar a qualidade do ar interior, o efeito aparece na escolha da ventilação com elementos modernos como o plenum fan com motores eletrônicos EC e a filtração para assegurar a mínima perda de eficiência quando existir aumento de perda de pressão no caminho do ar, por meio dos filtros. Por outro lado, sempre existem oportunidades de recuperação da eficiência energética necessária na ventilação com melhorias no ciclo de refrigeração. Trocar o fluido refrigerante, escolher compressores melhores e otimizar trocadores de calor são boas alternativas para esta finalidade. A era dos sensores permitiu que a eletrônica viabilize a entrega de sistemas de forma cada vez mais eficiente e otimizada, como é o caso das máquinas com velocidade ou frequência variável”, lembra João Carlos Antoniolli, gerente de engenharia de aplicação da Johnson Controls-Hitachi.

Marcelo Munhoz, diretor da Sicflux e presidente do Qualindoor Abrava, defende que seja priorizada a maior taxa de renovação ar possível dentro dos ambientes, “independente da eficiência energética”. “Porém”, contemporiza, “hoje dispomos de soluções como trocadores de calor que recuperam a temperatura externa penalizando menos o ar-condicionado, como é o caso do CRS da Sicflux, bem como equipamentos com motores verdes, que são os motores EC que consomem menos energia.”

O que muda com a pandemia?

Esta tem sido uma pergunta frequente. E a resposta tem sido, invariavelmente, quanto à qualidade do ar interno. Importante ressaltar que a mudança não é quanto à necessidade, mas ao nível da percepção. O tratamento do ar interno é mandatório em qualquer situação. Ainda que a Covid-19 tenha exacerbado as exigências, dada sua aparente excepcionalidade, vários são os riscos inerentes à enfermidade dos edifícios.

Munhoz lembra que “as normas e leis vigentes obrigavam a colocar 27m³/h de ar dentro dos ambientes para cada pessoa, hoje, por conta da pandemia, a regra é aumentar ao máximo a taxa de renovação de ar independentemente da quantidade de pessoas dentro deste ambiente e se tem ou não ar-condicionado.”

“Não se trata da necessidade de mudar e sim fazer de forma correta. Os livros da ASHRAE orientam os projetistas para utilizar as taxas de renovação do ar nos ambientes para cada necessidade. A Covid-19 gerou maior visibilidade para as responsabilidades dos profissionais do nosso segmento, que são especialistas neste tema. Existem as premissas de projeto que devem ser atendidas e depois o PMOC que vai garantir a correta utilização ao longo da vida útil do sistema de AVAC. Na minha opinião, o que muda é a responsabilidade dos envolvidos que vão ter que entregar os ambientes cercando todos os parâmetros, em busca do conforto humano, com segurança”, diz Antoniolli.

Corroborando, Mariani diz que “o dimensionamento das vazões de ar para renovação é função, principalmente, das características das atividades realizadas nos ambientes, e de sua ocupação. A discussão está em pauta permanentemente. A proposta de revisão da NBR16401 – parte 3 apresenta confronto de análises.”

Para o docente da POLI-USP, o dimensionamento da vazão de ar externo deve ser feito considerando:

– Estabelecer claramente as premissas e hipóteses consideradas para a elaboração do projeto. Explicar ao cliente, ou ao responsável pelas informações para estabelecimento das premissas, sobre a importância delas. Documentar esta etapa prévia do projeto;

– Não considerar apenas uma fonte de poluente para realizar o dimensionamento;

– Utilizar referências de normas e bibliografias que sejam de ampla abrangência;

– Conforme trabalhos científicos publicados, e resultados de medições experimentais, os poluentes não se comportam de modo similar, padronizado. Ou seja, tomar cuidado para não considerar que estabelecendo dimensionamento para o controle de um deles, os outros estão atendidos, controlados. É usual considerar apenas o CO2 como indicador e, a partir dele, determinar valores para vazões de ar externo supondo que os outros poluentes estão resolvidos. Isto pode ser um erro importante. A ASHRAE, na evolução da sua norma técnica (Standard 62.1) relacionada a Ventilação para atender a Qualidade do Ar Interior, deixou de considerar o CO2 como indicador de poluentes nas versões publicadas a partir do ano 2000.

Por fim, Dutra, da Trane, lembra que as taxas de renovação de ar previstas em normas para o projeto do sistema de ar-condicionado não sofreram alterações. “O que se recomenda para o momento é que se faça o aumento das taxas de ar externo ao máximo possível para cada sistema, sem abrir mão do controle de temperatura e umidade. Se o sistema permitir, nestas condições 100% de ar externo seria o ideal. É notório, entretanto, que boa parte das instalações não está preparada para este nível de renovação e, portanto, cada instalação deve ser avaliada de forma individual. Estratégias como as indicadas no guia da ASHRAE para reabertura e preparação das edificações podem ser adotadas.”

Controle de umidade e temperatura

Dutra esclarece que as exigências de conforto térmico continuam as mesmas. “Sabemos que o controle de umidade desempenha um papel fundamental para o controle da proliferação de fungos, ácaros e outros patógenos. Assim, ainda é possível realizar a entrega de ar externo das formas previstas em norma desde que o sistema seja devidamente dimensionado. O que podemos mencionar é que existem oportunidades de economia de energia ao adotarmos recuperadores de calor como rodas entálpicas e sistemas dedicados para tratamento do ar externo. Estes sistemas quando bem projetados permitem um controle preciso de umidade em cargas parciais e podem resultar em um sistema mais econômico em geral. Outro aspecto relevante é o conceito da quantidade equivalente de ar externo, em que podemos utilizar tecnologias de filtragem que resultam em uma qualidade do ar interior de forma equivalente a taxas maiores de ar externo. Deve-se adotar tais tecnologias com cautela para garantir que os resultados sejam efetivos, mas, se bem aplicados, a economia de energia pode ser sensível.”

O mercado brasileiro em boa parte está preparado para que sejam alcançados os parâmetros atuais, assim como o cumprimento de novas exigências colocadas pela pandemia. “As alternativas de sistemas AVAC passarão a utilizar até 100% de renovação do ar e injetar este ar necessário na vazão, temperatura e umidade ideal. Existem modelos compactos e preparados para fazer o tratamento do ar externo, sendo mais flexíveis e se adaptando a projetos mais exigentes. Estão disponíveis com alta pressão estática, possibilitando a instalação de dutos mais distantes. Também estas novas alternativas já são desenvolvidas com baixo nível de ruído, ampla faixa de operação, fácil acesso à bandeja de dreno, e acesso, também, para troca de filtros por ambos os lados de forma a ajudar no PMOC. Já são as novas soluções dos fabricantes como resposta que o consumidor busca, como a segurança na qualidade do ar que vai respirar em ambientes climatizados”, diz Antoniolli, da JC-H.

Tecnologias disponíveis

O coordenador de aplicação da Trane explica que já existem várias tecnologias para limpeza do ar com boa eficiência energética, que vão desde os filtros mecânicos e seus variados gráus de capacidade de retenção de particulados de diversos tamanhos, até as tecnologias ativas que utilizam algum mecanismo específico para combater contaminantes. “Podemos citar as lâmpadas UVC, que emitem radiação eletromagnética no comprimento de onda de 254nm, capazes de interagir com o RNA e proteínas de diversos microrganismos de forma a inativá-los. Outra tecnologia é a aplicação de peróxido de hidrogênio, que tem uma característica interessante, pois esta substância é dispersa por todo o ambiente ocupado de forma segura aos ocupantes, causando reações de oxidação não somente em microrganismos como também compostos orgânicos voláteis e desinfectando superfícies. Dessa forma, a atuação de dispositivos que emitem o peróxido de hidrogênio não se limita à atuação da região do fluxo de ar no duto ou ao equipamento, sendo possível a aplicação direta no ambiente. Por fim, não podemos deixar de mencionar as tecnologias de ionização bipolar (e suas variantes diversas). Esta tecnologia utiliza grandes diferenciais de potencial elétrico para criar um plasma de curta duração que carrega eletricamente as partículas do ar que passam pela região onde o equipamento está instalado. Isto faz com que particulados se aglomerem em tamanhos maiores, causando precipitação ou facilitando a sua filtragem e, além disso, pode causar danos a alguns tipos de vírus e bactérias.”

Antoniolli acredita que, na busca da qualidade do ar interno com menor dispêndio de energia, deve crescer a utilização de ventiladores com a tecnologia EC. “O termo tecnologia EC possui diferentes significados. Atualmente este termo é amplamente utilizado para se referir a diferentes conceitos de acionamento, como PM (motor de ímã permanente), ECM (motor de comutação eletrônica) e BLDC (brushless motor DC).”

“A vantagem mais significativa dos ventiladores e motores que empregam tecnologia EC, ao contrário de motores assíncronos convencionais, é que o seu nível de eficiência pode superar os 90%, e é bem melhor do que os 70%-80% alcançados por motores de corrente alternada. Isto significa não só uma melhor utilização da energia consumida, mas também redução da perda de calor e, portanto, uma vida útil muito mais prolongada. Os benefícios em termos de eficiência são ainda mais evidentes na operação de cargas parciais, como a eletrônica integrada dos motores EC que permitem o controle infinitamente variável. Desta forma, a velocidade pode ser sempre adaptada às necessidades particulares, caso a caso. Esse recurso oferece margem para potenciais economias em uma variedade de aplicações, e a criação de um ambiente mais agradável, graças, por exemplo, aos reduzidos níveis de ruído. O ruído também passou a ser mais importante na qualidade do ambiente, junto com a qualidade do ar e a iluminação”, completa o gerente de engenharia de aplicação da JC-H.

Jorge Araújo Monzém, supervisor de engenharia e projetos da ebm-papst, explica que um bom controle de qualidade do ar exige a sua movimentação, sendo os ventiladores os dispositivos que realizam esta função na maioria das soluções disponíveis no mercado. “Naturalmente não é possível que os ventiladores sejam acionados sem a disponibilidade de uma fonte de energia externa, que no geral é elétrica. Entretanto, um equipamento pode realizar esta função de diferentes formas e a seleção adequada dos métodos e soluções usados podem fazer toda a diferença no consumo de energia, podendo variar consideravelmente conforme a tecnologia aplicada.”

“O consumo de energia dos ventiladores de sistemas de tratamento de ar pode ser reduzido de diversas formas, como o uso de ventiladores de alta eficiência com motores eletrônicos, um controle de velocidade com variação, conforme a demanda, e a redução das perdas de carga do sistema (dimensionamento adequado e troca regular de filtros). Todos estes fatores contribuem muito para que o sistema tenha uma eficiência energética maior. Os ventiladores mais indicados para a aplicação em UTAs são os ventiladores do tipo plenum fan, que fornecem relações adequadas de vazão e pressão e, ao mesmo tempo, possuem o mais alto grau de eficiência dentre os designs de hélice disponíveis no mercado. O uso de ventiladores plenum fan em paralelo também podem fornecer a redundância desejada para aplicações críticas. Ventiladores com motores eletrônicos de alta eficiência geralmente trazem consigo as melhores relações de custo/benefício, pois, a maior eficiência está ligada ao menor consumo de energia, que é o principal custo dentro do ciclo de vida do produto”, completa Monzém.

Dutra diz que, mesmo para instalações mais antigas, existem diversas possibilidades de equipamentos mais eficientes. No entanto, ele alerta que as soluções vão além da troca de equipamentos. “Os projetos dos equipamentos de ar-condicionado têm evoluído significativamente nos últimos anos com destaque especial para os controles embarcados, trocadores e tecnologia dos compressores. Porém, não podemos nos limitar aos equipamentos, pois em geral as maiores oportunidades de eficiência energética estão a nível de sistema. Conceitos de projetos com diferenciais de temperaturas mais elevados e, por consequência, menores vazões no lado do ar e da água, podem ser estudados mesmo para instalações existentes e apresentam bons resultados de economia sendo, inclusive, citados no ASHRAE Green Guide como estratégias de projeto recomendadas. Por fim, a automação, isto é, os sistemas que operam todos os componentes e equipamentos, são fundamentais para que, com os algoritmos eficazes, possamos colocar estes componentes em seus pontos ótimos de operação evitando desperdícios.”

Da mesma maneira, Antoniolli vê que a grande oportunidade está na automação e otimização de sistemas. “Existem controles avançados com controle remoto com ou sem fio e controles centralizados com ampla faixa de escolha pelos projetistas e usuários. O caminho é pela interface com sistemas de rede controladas por computadores ou tablets ou smartphones com dados na nuvem para entregar o conforto humano com menor consumo de energia.”

O diretor da Sicflux, completa recomendando o uso de caixas de ventilação, “de preferência com motores diretos e motores verdes cujo consumo de energia é muito menor. Também caixas de ventilação com motores diretos, sem polia e correia, com filtros Classe F. Dispomos da linha FH como GLPF, e, para split, o Splitvent. Já para circular o ar interno o ideal é equipamentos com filtros HEPA. Além de recuperadores de calor que fazem os dois processos, de tomada de ar externo, bem como a exaustão do ambiente , recuperando a temperatura interna e penalizando menos o consumo de energia do ar-condicionado.”

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

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