Evidências científicas comprovam a disseminação em massa da Covid-19 a partir de aglomerações sociais. Diversos são os casos de domínio público em que se verifica a propagação numerosa do vírus Sars-CoV-2 por meio de eventos, por exemplo: Adam et al. (2020) – possivelmente músicos que tocaram em quatro bares foram responsáveis pela infecção direta de 73 pessoas; Jang, Han & Rhee (2020) — durante aulas de dança latina e aeróbica de 12 instituições, 112 pessoas foram infectadas em 24 dias na Coreia do Sul; artigo publicado na revista Science em 10 de dezembro de 2020, Vol 371, Issue 6529 – comprova ainda a propagação do vírus, através de análise genômica, em conferência internacional realizada em Boston, o que levou à infecção de mais de 120 pessoas, resultando em disseminação decorrente para mais de 205.000 pessoas pelo país.

Diante este panorama, observa-se o elevado grau de risco a que as pessoas se submetem ao realizar aglomerações, justificando as medidas aplicadas logo ao início da pandemia para gerenciamento de cenário caótico, reduzindo o número de variáveis através do distanciamento e isolamento social, proporcionando assim meios para o estudo do vírus e melhor compreensão do comportamento da doença. Com o avanço destes estudos, novas medidas mitigadoras foram formuladas para que o risco de exposição a doenças permaneça em níveis baixos, ao mesmo tempo em que propicia maior interação humana e a retomada de atividades presenciais com segurança, através de medidas comprovadas por método científico, como veremos a seguir.

O objetivo deste artigo é, portanto, pontuar os principais cuidados a serem realizados em ambientes existentes no tocante à Qualidade do Ar Interno (QAI), com maior ênfase naqueles destinados à realização de eventos, para que se possa reduzir os riscos à saúde e proporcionar segurança aos ocupantes através do atendimento e correspondência às normativas vigentes. Para tanto, leva-se em consideração neste documento as diferentes vertentes desta temática, assim como os parâmetros de Qualidade do Ar a exemplo dos níveis de , concentração de particulados PM2,5 e PM10, vazão de ar externo e taxas de renovação, dentre outros.

A pandemia intensificou a necessidade de cuidarmos do ar que respiramos, uma vez comprovada a transmissão ambiental do Sars-CoV-2. Evidencia-se que os sistemas de ar-condicionado são grandes aliados no controle da dispersão dos vírus e demais contaminantes nocivos à saúde humana ao proporcionarem a filtragem e renovação de ar dos ambientes, reduzindo a níveis aceitáveis para cada tipo de ambiente a probabilidade de infecção e consequentes adoecimentos.

Manter a qualidade do ar em seus parâmetros ideais em ambientes internos requer diferentes cuidados como: projetos aderentes às normativas, filtragem e demais tratamentos do ar pelos sistemas de condicionamento, análises químicas e biológicas e planos de manutenção, operação e controle. A consecução destas atividades carece de conhecimento técnico especializado conhecida, mapeada e normatizada em seus parâmetros pelos diferentes segmentos profissionais que compõem tal tratativa.

As informações afetas à qualidade do ar apresentadas nesta edição foram colocadas em prática em período anterior e durante o evento Encontro Nacional de Empresas Projetistas e Consultores (ENPC) entre os dias 13 e 22 de novembro de 2021.

 O projeto qualidade do ar, segurança e saúde em eventos

 Almejando melhor vislumbrar as etapas desta iniciativa que busca aumentar a segurança local através do tratamento do ar ambiente para a realização do evento, o planejamento e a consequente redução dos riscos inerentes pela da óptica do gerenciamento de projetos traz benefícios ao antever e melhor dimensionar os recursos, assim como os prazos necessários.

Uma breve análise prévia quanto à melhor abordagem de gerenciamento é importante para que se tenha melhor desempenho das atividades a serem realizadas e o planejamento seja assertivo no sentido de orientar as ações necessárias. As abordagens ágeis (ou adaptativas) se aplicam aos contextos caóticos ou complexos em que se tem baixa previsibilidade, por atuarem de forma incremental, buscando adaptar-se às circunstâncias conforme se tem o avanço das tratativas e maior clareza da situação. Já as abordagens em cascata (ou preditivas), buscam predizer todas as ações a serem executadas anteriormente ao início da realização do projeto, sendo mais bem aplicadas dos contextos complexos para aqueles complicados/conhecíveis. O diagrama de Cynefin (DAVID J. SNOWDEN, 2003) publicado em The new dynamics of strategy: Sense-making in a complex and complicated world, auxilia no mapeamento destes contextos que podem ser melhor esclarecidos através do diagrama (figura 1).

Figura 1

 (Fonte: IBM SYSTEMS JOURNAL, 2003).

A conjuntura da pandemia evidenciou, inicialmente, um cenário caótico, quando não existia clareza em como lidar com a problemática, com grande número de variáveis e relações de causa e efeito ainda incertas devido ao desconhecimento do comportamento do vírus e suas formas de tratamento. Entretanto, o cenário atual com os devidos avanços realizados e a comprovação por evidências científicas que transmissão da Covid-19 ocorre principalmente por vias aéreas, em que as gotículas de aerossol infecciosas são trocadas pela respiração do ar interno compartilhado, permite maior previsibilidade para correlacionar o emprego dos sistemas de condicionamento de ar à segurança, por ser capaz de renovar e filtrar contaminantes. Pelo exposto, conclui-se que o cenário evidenciado se aplica ao quadrante complexos para complicado/conhecível acima ilustrado sendo viável, por conseguinte, a aplicação de abordagens “em cascata” ou preditivas de gerenciamento de projetos. Dentre as ferramentas empregadas para gerenciamento, a Estrutura Analítica de Projetos – EAP (Figura 2), ilustra de forma concisa todas as principais etapas que devem ser realizadas, sendo melhor explanadas na sequência.

Figura 2

 Fonte: ABRAVA, 2021.

 Abaixo é explanado com maior riqueza de detalhes cada entregável contido na primeira linha da EAP, de forma a explanar brevemente as ações e os cuidados necessários com o ar dos ambientes internos com o fim de propiciar conforto e segurança aos ocupantes:

  1. Análise Documental:

Anteriormente às ações de campo é necessário buscar pelo status das instalações, sendo que os documentos vigentes possuem informações úteis para futuras adequações caso necessário.

    1. Projetos: Realizar análise do projeto e sua aderência às normativas vigentes, a exemplo da NBR 16401, pode antever muito quanto às ações futuras a serem realizadas, podendo ser indicativo de dimensionamento da ocupação posteriormente validada pela inspeção in loco e simulações através da Calculadora da Riscos em Ambientes Internos.
    2. Planos de Manutenção Operação e Controle: A manutenção dos sistemas é atividade crucial para garantia da Qualidade do Ar Interno destes ambientes. Deve-se, portanto, verificar a conformidade com a Lei 13.589/2018 e demais fatores como planejamento das atividades envolvidas, itens inspecionados e a periodicidade dos serviços, cumprimento dos serviços por meio de ordens de serviço etc.
    3. Relatórios quanto a análises laboratoriais de amostras de qualidade do ar: um importante documento que demonstra a aderência aos padrões conforme preconizado pela RE-09 de 2003 da ANVISA em concentração de , aerodispersóides, contagem e identificação de gêneros fúngicos etc.
    4. Análise do Programa de Gerenciamento de Risco – PGR: Programa necessário para identificação e análise de potenciais riscos em conformidade com a NR 01/2020 com início de vigência em 03 de janeiro de 2022. Constituído pelo inventário de riscos para quantificar o impacto e o plano de ação para aplicação de medidas eliminatórias ou atenuantes para controle, este documento se faz importante por possivelmente conter diretrizes já formuladas para segurança ocupacional no tocante ao tratamento da qualidade do ar.

2)Exame de instalações: Finalizada a análise documental, passa-se à averiguação quanto à correspondência do que foi projetado com a operação das instalações físicas. Certificar que as instalações se encontram em conformidade com o projeto e o PMOC através de inspeção das instalações anteriormente à realização do evento é importante para certificar que as normativas sejam cumpridas e consequentemente a saúde dos ocupantes esteja sob menor risco. A atividade de aferição da vazão de ar pelo sistema de difusão, por exemplo, pode ratificar o dimensionamento projetado anteriormente quanto ao número de ocupantes.

3 ) Calculadora de Riscos para Ambientes Internos: Empregar a calculadora para simulação de riscos, que utiliza modelo teórico para curvas de infecção publicados por estudiosos da Covid-19. A ferramenta fornece tempos de exposição seguros e níveis de ocupação apropriados aos espaços internos com base na concentração média de , que está relacionada à concentração de aerossóis infecciosos após a entrada de uma pessoa infectada em um espaço interno. Desta forma, com os dados levantados anteriormente referentes aos sistemas de condicionamento de ar, assim como das características dos ambientes e ocupantes, é possível traçar diferentes estratégias para ocupação segura dos locais a serem ocupados.

4) Adequação das instalações: A depender dos resultados coletados na etapa anterior deve-se proceder com os ajustes cabíveis para atendimento integral ao regramento vigente, tendo como principais referências a Lei 13.589/2018, a Portaria 3.523/1998 do Ministério do Trabalho, a NR01 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos

Ocupacionais, a RE-09/2003 da ANVISA, e a NBR-16401. Caso as medições não atendam os requisitos de ocupação previstos inicialmente por meio do projeto, o balanceamento do sistema deve ser levado em consideração para que se atinjam os parâmetros necessários. A instalação de purificadores de ar como proposta complementar ao sistema devidamente adequado pode ser utilizada, reduzindo a concentração de particulados e aumentando a segurança do ambiente pela otimização de filtragem dos aerossóis ao empregar filtros HEPA.

5) Monitoramento e controle do ar: Existem soluções capazes de monitorar a qualidade do ar em tempo real quanto aos parâmetros de concentração de , concentração de particulados e , temperatura, umidade, VOCs etc. A depender dos valores encontrados durante a realização do evento, é possível tomar medidas para correção dos parâmetros retornando aos patamares estipulados nas normativas. Adicionalmente pode-se realizar coleta de amostras dos locais ocupados com base na área construída climatizada durante o evento com fins de comprovação da eficácia das medidas tomadas anteriormente. As análises laboratoriais devem contemplar: contagem e identificação de gêneros fúngicos isolados no ar, aerodispersóides, concentração de CO2, temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do ar, para, assim, auxiliar na conclusão dos relatórios gerados para base de conhecimento e aprimoração de eventos futuros.

Através destas medidas de tratamento do ar ambiente por meio dos sistemas de condicionamento, maximiza-se a segurança dos ocupantes não somente em questões relativas à pandemia, como também à outras possíveis insalubridades oriundas de contaminantes aerotransportados as quais os ocupantes estariam submetidos.

Com o fim do evento, e ao realizar o cruzamento dos dados coletados, fornece-se ademais uma valiosa fonte de informações capaz de atestar a segurança do encontro realizado. As possíveis publicações e demais documentos conclusivos são capazes de fomentar uma maior e segura participação em futuras edições presenciais.

Para validação destes conceitos e comprovação quanto à eficácia das ações anteriormente apresentadas, tais medidas foram colocadas em prática durante o Encontro Nacional de Empresas Projetistas e Consultores – ENPC da Abrava de 2021, sediado na cidade de São Paulo SP.

Anteriormente à realização do evento foram analisadas todas as documentações produzidas até o momento, assim como também foram simuladas as condições das instalações e a expectativa de público por meio da Calculadora de Risco para Ambientes Internos, que possui como objetivo mensurar padrões de segurança para Covid-19. Entre as premissas básicas da calculadora considera-se a possibilidade de haver uma pessoa contaminada dividindo o ambiente para então prever o tempo necessário à saturação em que o grau de risco seria demasiadamente elevado.

Com expectativa para ocupação de 105 participantes, que realizaram a inscrição no formato presencial e a correspondência com parâmetros físicos das instalações como a área do ambiente, taxa de ar externo prevista em projeto, nível de filtragem e demais parâmetros fisiológicos como nível de expiração, probabilidade de passagem de aerossol pela máscara e infecciosidade do ar exalado, gera-se a curva de risco Covid-19, em que se pode determinar o tempo de ocupação seguro no ambiente pelo cruzamento com o número de pessoas. A curva obtida através desta simulação é esboçada no gráfico.

Fonte: ABRAVA, 2022.

Infere-se, portanto, do gráfico que neste ambiente de 176m², com 105 pessoas, o tempo máximo de permanência recomendado é de aproximadamente 03 horas. Durante a realização do evento previu-se intervalos regulares, a cada duas horas e meia, em que todos desocupariam as salas para realização de networking na área externa. Desta forma o ar seria devidamente renovado, permitindo a recontagem de tempo para nova saturação. Após a finalização do evento, uma pesquisa de participação foi endereçada aos inscritos, na qual evidenciou-se que um único participante apresentou um quadro de Covid-19 logo após o comparecimento no evento. Este fato conduz à duas hipóteses, em que em uma delas o participante já se encontrava contaminado durante o evento, sendo que neste caso a calculadora comprovaria a eficácia das ações tomadas uma vez que não houve a propagação da doença entre os demais participantes.

Durante o evento foi realizada a monitoração da qualidade do ar interno por meio de diferentes instrumentos de medição em redundância, que transmitiam em tempo real parâmetros como CO2, temperatura, umidade, PM2.5, PM10 dentre outros. Com base na comparação dos resultados foi possível constatar o erro inerente a cada leitura, e concluir que o valor resultante se encontrava sempre dentro da faixa recomendada pelas normativas anteriormente correlacionadas.

Pelo exposto comprova-se que as medidas tomadas para tratamento do ar em análise documental dos projetos e manutenções, inspeção física e adequação das instalações e monitoramento e controle para possíveis medidas corretivas, compõem um checklist eficaz para averiguação quanto à conformidade dos ambientes. Torna-se possível, ademais, a realização de medidas imediatas para adequações em curto espaço de tempo caso se faça necessário.

Desta forma, anteriormente à realização dos eventos presenciais, recomenda-se seguir os seguintes passos:

  1. Realizar análise documental
    1. Solicitar documentos: PMOC, projetos as built, relatório laboratorial de amostras de ar, programa de gerenciamento de riscos
    2. Com esta ação será possível identificar por locais que já se empenham para seguir as diretivas contidas nas normativas citadas, e demais regramentos sanitários vigentes.
  2. Validar as instalações
    1. Certificar correspondência da documentação analisada com os ambientes físicos no tocante aos principais itens como vazão de ar externo, níveis de filtragem, atendimento ao PMOC etc.
  3. Adequação das instalações:
    1. Dados os requisitos do evento, a exemplo do número de inscritos, implementar ajustes finos para atendimento e otimização frente a inspeção realizada.
    2. Proceder conforme a necessidade identificada de cada ambiente em itens como troca de filtros de ar, balanceamento do sistema e instalação de purificadores de ar.
  4. Empregar Calculadora de Risco para Ambientes Internos:
    1. Realizar a simulação do ambiente devidamente alinhado aos requisitos prevendo os tempos anteriores à saturação do ambiente por possível contaminante biológico
    2. O resultado permite prever os tempos ideais para a realização de intervalos, como coffee breaks ou outros meios para network e revezamento de ambientes.

 

  1. Instruir participantes quanto à utilização de máscaras:
    1. Comunicar os participantes do evento quanto à obrigatoriedade de uso das máscaras faciais para filtragem adicional do ar, preferencialmente empregando modelos tipo PFF2 que possuem maior poder de filtragem dos aerossóis
    2. Recurso imprescindível para garantia de segurança dos participantes, esta disposição impedirá a contaminação direta (face-face) em tempos de pandemia.

 

6. Proceder com a monitoração da qualidade do ar:

a) Realizar instalação de sensores que monitorem os parâmetros de qualidade do ar interno, como: CO2, PM10, PM2.5, temperatura, umidade, VOC etc.

Esta medida permite a ratificação das ações anteriormente efetuadas, ou ainda corretivas específicas durante a realização do evento caso necessário.

Por todo exposto, comprovam-se condições seguras que permitem manter o risco de contaminação em patamares baixos ao realizar atividades presenciais, impedindo a disseminação massiva de vírus como alternativa eficaz ao isolamento social que foi necessário logo nos primeiros momentos da pandemia da Covid-19. As práticas também propiciam a atração de público mais numeroso em condições satisfatórias e fomentam a realização de futuros encontros devidamente preparados para garantir a saúde dos participantes.

Departamentos Nacionais de Empresas Projetistas e Consultores (DNPC) e Qualidade do Ar Interno (Qualindoor) da Abrava

Referências: 

BRASIL. Lei nº 13.589, de 04 de janeiro de 2018. Dispõe sobre a manutenção de instalações e equipamentos de sistemas de climatização de ambientes. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção. 01, pág. 01, 2018.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16401 partes 1,2, 3: Instalações de Ar-Condicionado – Sistemas centrais e unitários. 2008.

BRASIL, Portaria nº 3.523 do Ministério da Saúde, de 28 de agosto de 1998. Medidas básicas para garantia da Qualidade do Ar de Interiores, integridade e eficiência de todos os componentes dos sistemas de climatização, Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção. 01, pág. 40, 1998.

BRASIL, Resolução-RE nº 09 da ANVISA, de 16 de janeiro de 2003. Orientação Técnica sobre Padrões Referenciais de Qualidade do Ar Interior, e ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo, Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção. 01, pág. 35, 2003.

BRASIL, Norma Regulamentadora n°01 do Ministério da Economia, de 12 de março de 2020. Disposições gerais gerenciamento de riscos ocupacionais, Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção. 01, pág. 17, 2020.

DAVID J. SNOWDEN. IBM. The new dynamics of strategy: sense-making in a complex and complicated world. Ibm Systems Journal: VOL 42, NO 3, 2003, Staines Road West, v. 42, n. 3, p. 462-483, 24 abr. 2003. Mensal. NA.

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