O controle da umidade, sob a ótica do conforto, na faixa de UR 45-55%@24°C+/-0,5°C, permanece pacificado como o parâmetro de equilíbrio desta mistura gás-líquido vaporizado. Entretanto, a vantagem de favorecimento da sensação de conforto pelo ar seco, na medida em que eleva o gradiente de vaporização do suor, está em questionamento, já que gera ressecamento das membranas do sistema respiratório dos ocupantes e provoca o fechamento dos brônquios, dificultando o fluxo sanguíneo nos pulmões e aumentando a densidade do sangue e do esforço que o coração precisa realizar para bombeá-lo, o que amplia o risco de problemas cardíacos e até de acidente vascular-cerebral (AVC).

A proliferação de umidificadores de ambientes é uma resposta de primeira mão que deve ser incorporada de forma profissional aos sistemas de climatização, e na revisão da NBR16401, as duas metodologias de cálculo de conforto dos ocupantes em ambientes internos climatizados aceitam faixas mais amplas de conjugação do trinômio das três variáveis responsáveis pelo conforto (velocidade-umidade específica e temperatura).

Já na questão da formação de colônias fúngicas de mofo, temos de considerar que no controle de umidade se aplica o que já dizia Paracelso (1493-1541): “Na estequiometria da saúde a diferença entre o remédio e o veneno está na dosagem”. O sistema imunológico necessita de desafios permanentes para manter-se ativo e atualizado, sendo o controle e a redução de ativos biológicos em suspensão no ar uma ação profilática no combate à elevação progressiva das concentrações de vírus, bactérias, fungos e demais microrganismos em suspensão e aerotransportados pelos aerossóis em sistemas circulantes de climatização. O mofo pode crescer em praticamente qualquer material orgânico (madeira, papel, tapetes, comida, isolantes térmicos etc.) desde que a umidade e o oxigênio estejam presentes. Como o mofo  digere o que está como substrato e continua crescendo, podendo danificar a edificação e suas instalações, se não for controlado pode causar danos estruturais e problemas de saúde como sinusite fúngica invasiva e síndrome de resposta inflamatória sistêmica, doença crônica causada por biotoxinas.

Eliminar todos os esporos e mofo dentro do ambiente é praticamente impossível, mas ao  controlar a umidade interna controlaremos  o crescimento do mofo;  em futuro próximo, conforme publiquei no XVII CONBRAVA 2021, os MVOCs-Microbial Volatile Organic Compounds e os marcadores biológicos (BEIs- Biological Exposure Indices)  serão parâmetros mais específicos de qualidade do ar do que os padrões atuais da RE 09/Anvisa(750 UFC/m³).

Os agentes biológicos com transmissão pelo ar, como o atual SARS-CoV-2, e os conhecidos vírus do sarampo, catapora ou varicela, influenza, caxumba, difteria e tuberculose, podem ser controlados por tecnologias ativas de inertização biológica. Hoje, após dois anos de pandemia viral, todos têm um conhecimento bem maior do mundo dos microrganismos, sendo válido dimensionar o risco de contaminação biológica com os profiláticos e as terapias existentes e a classificação em grupos, incluindo os fungos geradores de mofo, quanto ao risco infeccioso e sua capacidade de provocar doenças, sendo:

Grupo 1: Pouca probabilidade de provocar doenças em humanos;

Grupo 2: Podem provocar doenças em humanos e constituem riscos aos ocupantes de ambientes internos, porém com pouca probabilidade de se alastrar pela comunidade e, geralmente, dispõem de protocolos de profiláticos e terapêuticos bem estabelecidos (ex. bactérias Stafilococus Aureus causadora da pneumonia, Bordetella Pertussis da coqueluche);

Grupo 3: Causam doenças graves no ser humano constituindo-se em risco grave para usuários de ambientes públicos, sendo capazes de se propagar pela comunidade, dispondo de eficazes medidas profiláticas e terapêuticas (ex. viroses hepáticas HBV, HCV, Salmonella Typhi).

Grupo 4: Provocam doenças graves no ser humano e constituem risco grave a ocupantes de ambientes públicos, têm elevado risco de propagação na comunidade e não dispõem de eficazes medidas profiláticas ou terapêuticas (ex. virais Ebola, varíola e febre hemorrágica e a própria Covid-19, que apenas recentemente passou a contar com vacinas).

Precipitadores hidrodinâmicos

Ambientes internos condicionados são ambientes controlados, a questão é que as tecnologias de climatização para condicionar ambientes perseguem a eficiencia energética e o NET Zero Building, em detrimento de prever volume de mistura de ar externo e tecnologias de depuração físico-químico-biológica do ar. As mudanças climáticas também estão alterando os valores extremos de secas, causando desconforto e aumento de alergias e doenças respiratórias. Cabe registrar que a umidade não é um contaminante, muito pelo contrário, ela é fundamental para nossa permanência nos ambientes internos lacrados das edificações com pele de vidro, que se mostraram muito inadequadas na recente pandemia.

Neste cenário, a aplicação de novas  tecnologias de tratamento do ar, inclusive previstas na parte 3 Qualidade do Ar da nova edição (em final de votação) da NBR16401, ganham espaço para interagir na fluido dinâmica dos sistemas de climatização, criando circuitos paralelos ou integrados ao da  circulação do ar, com tecnologias capazes de extrair contaminantes de todas naturezas, inclusive o CO2, na filtragem líquida alcalina do ar através de purificadores do ar em rota úmida, que permite  ajustar a umidade relativa do ar, ou seja, os usuários passam a ter a gestão do ar no aspecto qualidade, em que se  busca  sua composição natural.

O emprego de precipitadores hidrodinâmicos na tomada de ar externo e processamento de 30% da vazão de retorno ou de tomada direta do ar no ambiente, promove a centrifugação do ar com líquido alcalino refrigerado garantindo a dissolução da capa de LPS (lipopolisacarídeos) de microrganismos, neutralizando sua multiplicação e atividade patogênica, e extraindo material particulado PM1,0 , PM2,5  e PM10 em níveis comparáveis de eficiência equivalente a uma filtragem mecânica F8 e solubilizando COVs, gases e vapores.  A elevação da umidade é controlada pela operação com líquido refrigerado abaixo da temperatura de bulbo úmido do ambiente, limitando, assim, a saturação do ar que se ajusta, pois, 70% da vazão do ar circulante continua sendo processada no climatizador. Esta técnica é diferente do resfriamento evaporativo onde a temperatura é reduzida pela saturação por vapor d’água do ar até o limite da temperatura de bulbo úmido naquela condição e localidade.

Aplicações típicas em tomadas de ar de ambientes em regiões costeiras com salinidade, próximas de estações de tratamento de esgoto e com elevadas taxas de material fuliginoso urbano, permitiram a quebra do dogma criado pelas taxas de umidade elevada da tecnologia de filtragem líquida do ar como um depurador multimodal (físico-químico-biológico) em que os resultados permitem disponibilizar ambientes com condicionamento antipoluente seguro e confortável.

Como exemplos efetivos tem-se no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, onde o requerimento era eliminar a corrosão salina com os parâmetros de umidade (40-60%) e temperatura (22-28°C) controlados. O desafio superado garante a preservação patrimonial e a confiabilidade operacional do shopping há mais de 4 anos sem nenhuma intercorrência, como a que paralisou totalmente o estabelecimento por corrosão nos medidores de consumo elétrico de todas as operações.

Origens da umidade e do mofo em ambientes fechados

Os ambientes fechados tendem a criar concentrações crescentes, ao longo do ciclo funcional, de todos os contaminantes e teores gasosos de contribuição contínua, pelos ocupantes, como dióxido de carbono, umidade da respiração e transpiração e COVs de fluidos fisiológicos. A solução aceita duas abordagens: extração contínua balanceada destas substâncias por depuradores de ar no circuito e abertura do circuito com ar externo em níveis de ventilação que assegurem os marcadores de qualidade do ar no caso do CO2 e da umidade.  Em países tropicais, a tomada de ar externo insuflado diretamente em ambientes com elevada taxa ocupacional, especificamente com climatizadores de tecnologia  VRF e Split,  pode redundar na formação seletiva predominante de algum fungo nas áreas menos ventiladas, haja vista que estas tecnologias, por não distribuírem o ar de forma customizada ao ambiente (rede de dutos), tendem a formar bolsões de estagnação do ar mais próprios  à formação  das condições requeridas para o desenvolvimento fúngico, conforme registra o documento E92645 WHO- 2009 (OMS-Organização Mundial da Saúde) Guidelines for indoor air quality : dampness and mould que classifica a umidade como indicador de risco nos ambientes internos. A existência de estruturas internas com as superfícies mais frias do que o ar circundante pode resultar em condensação indesejada, como nas pontes térmicas (esquadrias de metal, p. ex.), isolamento inadequado e passagens de ar não planejadas ou encanamento de água fria e peças frias de unidades de ar-condicionado, que podem resultar em temperaturas da superfície abaixo do ponto de orvalho do ar e favorecer a condensação superficial da umidade. A interpretação adequada de medições internas também requer informações detalhadas sobre amostragem e procedimentos, pois  a variação espaço-temporal no ambiente é alta. As comparações com a microbiota externa podem fornecer mais evidências qualitativas de potenciais fontes internas de contaminação. Em resumo, as condições associadas ao aumento da exposição à umidade e mofo são: 1) medidas de conservação de energia que não são implementadas adequadamente (envoltórias de edifícios apertados, déficits de ventilação, isolamento inadequado); 2) urbanização (migração, tipo e densidade de edificações, degradação urbana, disponibilidade de moradia e desigualdade social); 3) mudança climática (aumento da frequência de condições climáticas extremas, mudança de zonas climáticas); 4) qualidade e globalização dos materiais e componentes de construção, conceitos e técnicas de construção.

Ventilação e controle da umidade

A ventilação de ambientes internos por insuflação de ar externo tratado apenas com filtragem seca pode contribuir ou não, a depender da localidade e da estação do ano, pois, num país tropical, temos regiões em que o controle de umidade requer o emprego de  equipamentos de climatização com um ou dois circuitos adicionais para elevar a secagem do ar ou secadores químicos base silica gel em ciclos regenerativos. Mas, com certeza, a operação com automação que permita gerenciar a umidade interna tanto pela carga frigorigena aplicada, quanto pela vazão de ar insuflado/exaurido, assim como fluxos inteligentes de varredura do ambiente, eliminando bolsões estagnados, permitem um ajuste mais acurado do padrão de umidade interna.

Uma qualidade do ar interior (QAI) aceitável é definida como o ar onde não existem contaminantes conhecidos em concentrações perigosas, de acordo com o determinado pelas autoridades reconhecidas e onde a maioria (80% ou mais) dos ocupantes expostos não expressem insatisfação (Alfano et al., 2010).

A eliminação de colônias já implantadas requer a intervenção física de remoção com limpeza através de detergentes e agentes clorados e secagem e avaliação da remoção efetiva, inclusive dos esporos; uma vez saneado, a troca de revestimentos sensíveis a umidade deve ser promovida.

No que concerne à ação preventiva, como já descrito, temos no controle de contaminantes do ar, inclusos os ativos biológicos, e para tal existem diferentes tecnologias em rota seca e rota úmida conforme será publicada no anexo da NBR16401. A título de referência, temos os filtros mecânicos em diferentes gramaturas, precipitador eletrostático, fotocatálise ativa, lâmpadas germicidas UVc, unidades de tratamento do ar, lavadores de gases e precipitadores hidrodinâmicos, os dois últimos por rota líquida. São tecnologias conhecidas e consagradas, porém necessitam de customização para aplicação no conceito de controle de umidade e ativos biológicos capazes de promover colonizações em superfícies como os fungos e seus esporos.

Da análise do quadro das rotas tecnológicas de depuração do ar, depreende-se que 90% das tecnologias são por rota seca e não atuam na composição higrométrica do ar interno, enquanto as lâmpadas emissoras de raios ultravioleta – UVc, com comprimento de onda de 230-280 nm, atuam na eliminação de microrganismos, sendo largamente usadas nas serpentinas dos evaporadores de sistemas centrais, porém sem aplicabilidade nos sistemas sem dutos. Já os filtros mecânicos classe F8 (65-85%PM2,5) são capazes de reter partículas que se prestam como aerotransportadoras dos microrganismos, portanto, controlando, indiretamente, a população de microrganismos.

As fontes de fotocatálise atuam inclusive nos dutos, sendo capazes de eliminar a atividade de esporos de fungos e até os vírus, dependente de alcançar a ionização do ar, no potencial suficiente para romper a estrutura do LPS do vírus; estas tecnologias, de precipitador eletrostático e lâmpadas UVc, são potenciais geradoras de ozônio residual e devem ter seus teores monitorados nos ambientes, haja vista a limitação para ambiente interno laboral de 0,1 ppm (OSHA/ 8 h /dia).

Já as rotas úmidas interferem na composição e teores de umidade do ar insuflado. Mesmo operando com líquido refrigerado, como nos precipitadores hidrodinâmicos, deve-se operar com o processamento parcial da vazão de maneira a “secar” o ar  na mistura com o saldo da vazão no retorno ao climatizador; outra forma seria prever uma serpentina com capacidade maior de retirar calor latente e garantir o controle de umidade, estas tecnologias de rota líquida tem como vantagem de não gerar elementos descartáveis contaminados (descarte Classe IIA),  atuam no controle de toda tipologia de contaminantes presentes no ambiente(físico-químico-biológico) e têm performance constante por ser um processo extrativo, em lugar de retenção mecânica dos filtros que requerem a formação da camada inicial de filtrado (wall cake) para alcançar sua melhor performance.

Em conclusão, o sistema de climatização de ambientes internos deve ser capaz de controlar a umidade em níveis adequados à fisiologia dos usuários e, ao mesmo tempo, abaixo dos limites que propiciem o crescimento fúngico (UR > 70%), planejando uma distribuição de fluxos em varredura nos ambientes de modo a eliminar zonas de ar estagnado, associando-se à uma eficiente tecnologia de depuração do ar pela extração ou filtragem de esporos e fungos que possam ancorar em superfícies úmidas, e ali iniciar uma colonização danosa à saúde e às instalações. A malha de controle do sistema tem um papel fundamental para absorver as oscilações de densidade ocupacional dos ambientes internos e as sazonalidades da localidade de inserção do projeto. Aliás, a análise da ambiência de inserção dos projetos de climatização de edificações está prevista na nova versão normativa NBR16401 que receberá, em breve, também a nova norma ABNT com os parâmetros de qualidade do ar e os procedimentos de avaliação. Estas ferramentas com certeza serão aliadas dos profissionais do segmento no convencimento dos empreendedores da necessidade de que o ar deve ser condicionado nos aspectos de temperatura, umidade e qualidade físico-químico-biológico.

Domenico Capulli, é engenheiro e diretor da Veltha Tratamento e Depuração do ar – diretoria@veltha.com.br

 

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