Atendimento da demanda energética por fontes de energia renovável configura uma segunda etapa do projeto

As edificações com balanço energético nulo são resultado de um processo de concepção de projetos bastante criterioso, que passa pela análise e aplicação de conceitos de eficiência energética em todas as disciplinas envolvidas, desde as premissas arquitetônicas até as tecnologias de gerenciamentos das utilidades prediais pelo usuário final.

É fundamental que o projeto da edificação, antes mesmo de atingir o balanço energético nulo, garanta a máxima eficiência energética em todas as suas especialidades envolvidas – conceito arquitetônico, iluminação, sistema de ar-condicionado, envoltória etc. – para que a demanda energética seja a mínima possível. A busca pelo atendimento dessa demanda energética por fontes de energia renovável configura uma segunda etapa do projeto, que deve ser responsável por consolidar o balanço energético nulo.

Conclui-se, portanto, que maximizar o desempenho energético das edificações é a condição inicial para se alcançar o status de net-zero energy building.

Na esteira da assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1997, em diversos países da Europa a concepção de edifícios com balanço energético nulo passou a ser tratada como política pública para redução das emissões de gases de efeito estufa, o que contribuiu bastante para o desenvolvimento de programas de desempenho energético que estabeleceram uma série de medidas para que os edifícios passassem a ter uma necessidade quase nula de energia e para que essas necessidades quase nulas fossem atendidas por energia renovável produzida em fontes locais ou nas proximidades.

A Diretiva 2010/31/UE do Parlamento Europeu, por exemplo, publicada em 2010, referente ao desempenho energético das edificações, que revisou e atualizou a Diretiva 2002/91/CE de 2002, referente ao mesmo tema e que vale como referência inclusive para as publicações normativas brasileiras, introduziu o conceito de balanço energético nulo ao citar a necessidade de medidas para aumentar o número de edifícios que não se limitassem a cumprir os requisitos mínimos de desempenho energético, mas que os ultrapassem, reduzindo, assim, tanto o consumo de energia como as emissões de dióxido de carbono. Para tal, os Estados-Membros deveriam elaborar planos nacionais para aumentar o número de edifícios com necessidades quase nulas de energia.

Esse exemplo mostra que o papel desempenhado pelos governos e órgãos certificadores também é fundamental para se estabelecer diretrizes construtivas que norteiem a concepção de novos projetos na direção do balanço energético nulo. Vale observar o avanço no desempenho energético das edificações europeias após a publicação dessa Diretiva.

No Brasil, as principais publicações normativas relacionadas à eficiência energética são a Lei 10.295 de 2001, que dispõe sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia – Lei de Eficiência Energética – e o Programa de Eficiência Energética em Edificações, de 2003 – PROCEL Edifica. Assim como observado na Comunidade Europeia, essas publicações colaboraram para a disseminação do conceito de edificações energeticamente eficientes e colocaram o Brasil em posição de destaque mundial no tema. O Green Building Council Brasil registrou entre 2007 e 2018 um total de 533 edifícios com certificação LEED – Leadership in Energy and Environmental Design –, posicionando o país no quarto lugar do ranking mundial de edificações certificadas.

As soluções tecnológicas que promovem o aumento do desempenho energético das edificações não podem ser levadas em consideração apenas do ponto de vista técnico. Ainda que a escolha dos materiais construtivos, equipamentos e sistemas prediais sejam essenciais para se alcançar um balanço energético nulo, há de se levar em conta os custos relativos à cada alternativa analisada, de modo a se estabelecer relações custo-benefício que apontem para as soluções mais vantajosas. As alterações em parâmetros de eficiências energéticas das edificações e equipamentos devem ser pensadas levando em conta prioritariamente os impactos financeiros sobre os fabricantes, construtores e usuários finais dos sistemas, além de considerar também os impactos sobre custos de implementação, operação e manutenção.

Portanto, há uma convergência natural entre as análises técnica e financeira para se adotar estratégias de eficiência energética que garantam ao edifício a condição de net-zero energy. De fato, esta condição encontra-se no centro de um círculo virtuoso formado pelos ganhos energéticos possibilitados pelas tecnologias de alta eficiência, por um lado, e pela redução dos custos operacionais e de manutenção, por outro lado, gerando um saldo financeiro positivo que será utilizado invariavelmente para financiar as despesas adicionais assumidas pela adoção destas tecnologias de alta eficiência.

Transformação de edificações existentes: um caminho complexo

Por se tratar de um conceito estabelecido já na concepção dos projetos, o processo de transformação de um edifício existente em um com balanço energético nulo pode ser bastante complexo, a depender das suas características construtivas, materiais utilizados, questões arquitetônicas e até mesmo entraves legais envolvendo aspectos urbanísticos e históricos.

Do ponto de vista técnico, as questões relativas ao aumento da eficiência energética das disciplinas envolvidas permanecem como fundamentais para se atingir o balanço energético nulo. A partir daí a busca por fontes de energia renovável deverá ser realizada de modo a aproximar o balanço energético do zero e buscando compensar alguma limitação na eficiência energética, como a impossibilidade de substituição de materiais utilizados na construção do edifício.

Os programas de certificação, LEED, AQUA, Procel Edifica (PBE), EDGE etc., são importantes atores nesse processo, pois podem indicar alternativas técnicas e medidas compensatórias que superem os obstáculos inerentes às características construtivas.

 Contribuição do ar-condicionado

Os sistemas de ar-condicionado são responsáveis, em média, por algo entre 40% e 50% do consumo energético de uma edificação, portanto, o peso dessa disciplina no balanço energético é enorme.

Tanto para edificações novas como para retrofit de edificações existentes, as tecnologias disponíveis atualmente no mercado podem proporcionar reduções consideráveis no consumo elétrico e contribuir para o atingimento de um balanço energético nulo. Especialmente para as instalações existentes, que normalmente estão rodando há duas ou três décadas com equipamentos obsoletos e limitados tecnologicamente, há um potencial ainda maior a ser explorado, em razão do próprio desenvolvimento de novos equipamentos com índices de eficiência elevados.

Assim como foi mencionado o papel dos governos e órgãos certificadores, a Ashrae vem cumprindo papel fundamental na elevação da eficiência energética dos equipamentos e instalações, através da sua norma 90.1 – Padrão de energia para edifícios, exceto edifícios residenciais de baixo crescimento, publicada em 1976 e que passou por diversas revisões até chegar à versão mais recente, de 2019, com uma elevação acumulada dos índices de eficiência energética de aproximadamente 80%. Esse movimento vem sendo acompanhado pelas empresas do setor, que têm cumprido seu papel no desenvolvimento de equipamentos cada vez mais eficientes e providos das novas tecnologias disponíveis no mercado. Além disso, novos conceitos de projeto estão sendo difundidos em soluções que entregam alta eficiência energética.

Projeto de uma instalação que contribua para o objetivo do NZEB

Quando se pensa em aumento da performance do sistema com baixo consumo elétrico, invariavelmente se pensa na aplicação de equipamentos com altos índices de eficiência energética. Como mencionado, o conceito de edifício com balanço energético nulo é estabelecido na concepção do projeto, o que coloca um peso importante também nas determinações de carga térmica e nas premissas de operação do sistema, de modo a otimizar ao máximo a relação performance x consumo elétrico.

Em termos de equipamentos aplicados aos sistemas de ar-condicionado, há uma série de possibilidades para aumento da eficiência energética que vão desde as centrais de água gelada até os pontos de distribuição de ar nos ambientes.

Basicamente, o que se tem notado é um aprimoramento contínuo dos principais componentes, como compressores e ventiladores, que vem permitindo aos chillers convencionais alcançarem coeficientes de performance mais altos. Além disso, a tecnologia inverter aplicada nestes dois componentes garante um ganho de até 40% em eficiência energética nas operações em cargas parciais.  Há ainda os equipamentos dotados de compressores com mancais magnéticos, que pode aumentar em até 70% a performance energética dos chillers em comparação com o modelo convencional de compressor parafuso e velocidade de rotação fixa, dependendo da aplicação.

Ainda na central de água gelada, os diferentes arranjos de chillers e bombas, bem como novas estratégias de fornecimento de água gelada em temperaturas escalonadas, têm se popularizado no Brasil pelos ganhos que proporcionam em eficiência energética. Alguns projetos aproveitam as temperaturas diferentes de água gelada para também alimentar fancoils que atendam áreas com demandas específicas. Trabalhar com circuitos em temperaturas diferentes aumenta a versatilidade da instalação, permitindo que cada equipamento opere em condições específicas com maior eficiência, além de um controle mais preciso das vazões e temperaturas de água gelada, otimizando assim toda a operação do sistema.

Os condicionadores de ar costumam ser deixados em segundo plano quando se discute a eficiência energética das instalações, justamente pela parcela de consumo elétrico mais significativa representada pela central de água gelada. No entanto, em alguns casos, a parcela de consumo dos fancoils pode representar até metade do consumo total do sistema de ar-condicionado. Apesar da utilização de equipamentos com ventiladores de acoplamento direto e motores eletrônicos, que podem proporcionar uma redução de consumo elétrico da ordem de 30%, e da aplicação de sistemas de automação e monitoramento embarcado e conectado à rede através de plataforma IoT, que podem elevar para até 45% os ganhos em eficiência energética, os sistemas ar-água – as chamadas vigas frias – certamente são o que há de mais eficiente quando se olha para o lado da distribuição e movimentação do ar, já que resolvem simultaneamente os problemas de carga térmica e ventilação interna dos ambientes com reduzida aplicação de materiais na instalação e baixo consumo elétrico, além de sua altíssima versatilidade de aplicação e baixo requisito de espaço para instalação.

A maior parte dos edifícios atualmente apresentam uma grande quantidade de equipamentos, fachadas envidraçadas e outras fontes internas de calor sensível. Tratar esta carga térmica juntamente com a carga térmica do ar externo demanda uma maior vazão de ar e, consequentemente, alto custo de instalação para distribuição do ar e maior consumo de energia elétrica pelos equipamentos. Os sistemas ar-água permitem que toda a carga térmica sensível dos ambientes seja tratada independentemente do tratamento do ar externo, dispensando rede de dutos para distribuição do ar e permitindo uma redução nos equipamentos dedicados para tratamento do ar externo, o que reduz consideravelmente o custo de implementação do sistema. Além disso, o fato de o sistema ar-água conduzir a energia térmica apenas através da água gelada, que possui uma capacidade de condução de calor muito maior do que o ar, proporciona uma redução significativa no consumo elétrico do sistema em decorrência da redução de até 70% na vazão de ar. Dada a sua versatilidade e pouca necessidade de espaço para instalação, aliadas aos sistemas de automação mais complexos disponíveis no mercado e ao fortíssimo apelo por eficiência energética, pode-se dizer tranquilamente que os sistemas ar-água são soluções seguras para uma variedade de aplicações possíveis em diferentes edifícios, sejam eles escritórios, hospitais, escolas e universidades, e até mesmo shopping centers.

Algumas simulações apontam que o tratamento dedicado do ar externo combinado com um sistema ar-água nos ambientes e chillers operando com conceito de free-cooling pode proporcionar um ganho de eficiência energética próximo de 80% em relação a um sistema convencional, dependendo das condições operacionais. Colocando em perspectiva o conceito de balanço energético nulo e lembrando o peso do sistema de ar-condicionado no consumo elétrico de uma edificação, esse resultado expressivo pode representar aproximadamente 40% de redução sobre o total de demanda energética.

Vale mencionar ainda os dispositivos de recuperação de calor tradicionais, como os tanques de termoacumulação de água gelada, as rodas entálpicas, recuperadores de calor de fluxo cruzado e os módulos de ciclo entálpico. De forma indireta, esses sistemas reduzem significativamente o consumo de energia elétrica das instalações por reduzirem a demanda do sistema de ar-condicionado, o que faz com que os equipamentos operem em cargas parciais, energeticamente mais eficientes, ou até mesmo entrem em stand-by. Os ganhos em eficiência energética dependem diretamente do conceito aplicado ao sistema de recuperação de calor e também do seu correto dimensionamento, no entanto, com base nos cálculos estimativos e no histórico de instalações existentes, é possível afirmar que essa faixa é ampla, podendo variar de 15% até 50% em alguns casos específicos. Por exemplo, um sistema dedicado para tratamento do ar externo com sistema de recuperação de calor por roda entálpica ou fluxo cruzado pode reduzir sozinho o consumo elétrico do sistema de ar-condicionado em aproximadamente 20%, pela redução da carga térmica acoplada ao ar externo.

 

Thiago Boroski, é engenheiro mecânico e engenheiro ambiental e urbana pela Universidade Federal do ABC e Queens University Belfast, do Reino Unido, com especialização em sistemas de ar condicionado e ventilação mecânica pela Abrava; possui formação em inovação e tencologia da indústria 4.0 pela FGV e pesquisa em engenharia de energia na UFABC; é coordenador de eficiência energética e contas corporativas na Trox do Brasil

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