Ao longo dos anos a densidade de potência dos equipamentos eletrônicos aumentou constantemente. A Global Survey of IT and Data Center Managers 2022 da Uptime Institute trouxe a informação de que 75% dos data centers no mundo possuem racks com potência máxima de até 20 kW, sendo que metade desses são de até 10 kW. Esses dados apontam que, a despeito de que o aumento de densidade nos levará à necessidade de outras formas de resfriamento – por exemplo o resfriamento líquido – desses equipamentos, a maioria dos data centers utiliza o ar como meio de retirar calor.

Isso posto, a dúvida é: qual é a temperatura ideal para o data center?

A Ashrae (Associação Americana de Engenheiros de Aquecimento, Refrigeração e Ar-Condicionado) possui um comitê técnico (T.C 9.9 – Mission Critical Facilities, Data Centers, Technology Spaces and Electronic Equipment), que publica desde 2004 diretrizes para condições ambientais dos data centers.

O documento que estamos falando é chamado de Equipment Thermal Guidelines for Data Processing Environments e está atualmente em sua quinta versão (2021). Além das condições ambientais para data center, esse documento traz uma série de informações relevantes no que tange à parte de resfriamento dos equipamentos de TI (ETI).

É importante ressaltar que não existe mais uma temperatura alvo, em que todos os data centers irão operar da forma mais eficiente, pois existem inúmeras variáveis que devem ser levadas em conta para descobrir esse ponto. Porém, o T.C 9.9 propõe envelopes psicrométricos recomendados e permitidos, no qual existem inúmeras combinações de temperatura e umidade nas quais um data center pode operar em equilíbrio entre a eficiência e o risco.

A figura 1 mostra esses envelopes dentro de um diagrama psicrométrico (altitude nível do mar):

Mas qual é a diferença entre os envelopes recomendados e permitidos? De forma sintética, os data centers devem ser projetados para operar (sob circunstâncias normais) em condições ambientais que estejam dentro do envelope recomendado. As principais variáveis que foram levadas em consideração pelo TC 9.9 para definir esses limites foram a confiabilidade do ETI, aumento de potência do ETI com temperaturas ambientes mais altas, impactos acústicos com temperaturas ambientes mais altas e fornecer uma pequena inércia térmica para que qualquer falha no sistema de resfriamento reduza a probabilidade de que as temperaturas ultrapassassem o envelope permitido.

Figura 1: Envelopes recomendado e permitidos para ambientes com boas condições do ar (níveis baixos de corrosão de cobre e prata).

Os envelopes permitidos (divididos entre as classes A1 a A4) representam as condições em que os fabricantes de ITE testam e verificam a capacidade de seus equipamentos operarem a plena carga. Embora os fabricantes atestem a capacidade do equipamento funcionar nessas condições, isso não é um compromisso com a sua confiabilidade, mas sim com sua funcionalidade. As classes A1 a A4 são definidas pelos próprios fabricantes de ETI. Entretanto, usualmente equipamentos utilizados em data centers são considerados A1 (servidores e armazenamento), porém, alguns servidores já são classificados como A4.

Chama-se a atenção para os limites de umidade. Comumente nos referimos aos limites de umidade com relação à umidade relativa e isso pode gerar problemas. Sabe-se que a umidade relativa do ar varia com sua temperatura, independentemente da quantidade absoluta de água misturada. Ou seja, dentro de um data center espera-se que a umidade relativa varie bastante, porém sua umidade absoluta (ou temperatura de ponto de orvalho) tende a ser constante quando é uma sala estanque e com projeto de pressurização adequado.

Logo, o TC 9.9 teve o cuidado de apresentar os limites de umidade em relação à Temperatura de Ponto de Orvalho (que também poderia ser em relação à umidade absoluta). Percebam que as linhas de ponto de orvalho constante são horizontais e de fácil visualização. Somente para temperaturas mais frias que se optou por utilizar a umidade relativa constante.

Ainda falando sobre umidade, ao contrário das temperaturas recomendadas de 18°C à 27°C, que vêm sendo mantidas desde a segunda versão da norma em 2008, os limites de umidade variam de versão a versão. Em sua última atualização, o TC 9.9 usou os resultados de uma pesquisa patrocinada pela associação que buscava entender o efeito da umidade e poluentes gasosos na confiabilidade do ETI. Para avaliar a qualidade do ar em relação aos poluentes, utilizaram-se cupons de prova com fitas de prata e cobre expostas ao ambiente para medir a taxa de corrosão desses componentes ao longo do tempo.

Com os resultados dessa pesquisa, a quinta edição da Thermal Guidelines propôs envelopes para três situações distintas:

No caso de projetos, visto que não é possível realizar medições de cupom para ajudar a entender o possível impacto da corrosão no ETI, deve-se considerar a manutenção de um nível de umidade mais baixo para proteger o ETI, abaixo de 60% conforme especificado na quarta edição da norma (Figura 2).

Figura 2: Envelopes recomendado e permitidos segundo à quarta versão da norma, em que não se diferenciava os ambientes pela qualidade do ar.

Para ambientes de data center existentes, onde for possível realizar testes com cupons de prata e cobre e que demonstrarem ter níveis de corrosão inferiores a 300 Å/mês para cobre e 200 Å/mês para prata – sugerindo que apenas os poluentes SO2, NO2 e O3 podem estar presentes – o limite de umidade recomendado foi aumentado de 60% UR para 70% UR. O limite superior de umidade passou a ser 70% UR ou 15°C ponto de orvalho, o que tiver menor quantidade de água absorvida, conforme apresentado na Figura 1.

Para ambientes de data center existentes, onde for possível realizar testes com cupons de prata e cobre e que apresentam níveis de corrosão superiores a 300 Å/mês para cobre e 200 Å/mês para prata, sugerindo que Cl2 e/ou H2S (ou outros catalisadores corrosivos) podem estar presentes, então os níveis de umidade recomendados devem ser mantidos abaixo de 50% de umidade relativa. O limite superior de umidade passou a ser 50% UR ou 15°C ponto de orvalho, o que tiver menor quantidade de água absorvida. A figura 3 apresenta esses limites.

Figura 3: Envelopes recomendado e permitidos para ambientes com más condições do ar (níveis elevados de corrosão de cobre e prata).

Um ponto importante sobre envelopes é que essas condições, de temperatura ou umidade, se referem ao ar que está entrando no ETI. Ou seja, não se está falando sobre temperaturas de insuflamento e tampouco de retorno dos equipamentos de ar-condicionado, sejam CRAH ou CRAC. É muito comum vermos ainda hoje instalações que possuem equipamentos que controlam a temperatura da sala através da medição da temperatura de retorno. Esse é um legado que a indústria carrega visto que os equipamentos de ar-condicionado de conforto, predecessores dos equipamentos de precisão, utilizam essa estratégia e acabam por agregar um risco operacional nos data centers.

Isso posto, quais são as vantagens de aumentar os limites de umidade?

O primeiro ponto, que já é trazido à luz pela quarta versão de 2015, é: será mesmo que precisamos controlar a umidade ativamente nos data centers?

Se considerarmos um ambiente bem projetado e construído em que sua envoltória possua barreiras de vapor, a única forma de ingresso de umidade relevante que deveríamos ter no data center seria através da tomada de ar exterior com objetivo de pressurizar o ambiente. Se essa tomada de ar for realizada por um equipamento DOAS – Dedicated Outside Air System com controle de umidade do ar insuflado e mantendo um ponto de orvalho compatível com a menor temperatura de entrada nos servidores, os equipamentos de climatização dos ambientes não precisarão fazer qualquer controle de umidade complementar.

Já para o limite inferior, em que antigamente existia uma preocupação com descarga de eletricidade eletrostática quando em operação com baixa umidade relativa, em 2014 a Ashrae financiou uma pesquisa que demonstrou que o controle da umidade baixa tinha muito pouca influência em relação à essas descargas, desde que os equipamentos e estruturas metálicas estivessem aterrados e os técnicos utilizassem pulseiras antiestáticas também devidamente aterradas. Por conta disto, fixou a mínima umidade em -9°C de ponto de orvalho. Nas principais cidades do Brasil não se tem registros de temperaturas tão baixas (estamos falando de umidades relativas entre 8% e 14% a depender da temperatura).

Entretanto, se o DOAS não tiver um bom controle de umidade ou se a construção não possuir barreiras de vapor adequadas – permitindo a possibilidade de migração de vapor pela envoltória – o mais recomendado do ponto de eficiência energética é o uso de equipamentos desumidificadores independentes dos equipamentos de climatização dos ambientes, ao invés de fazer o controle de umidade pelos próprios equipamentos de precisão.

Um número elevado de instalações ainda possui diversos equipamentos de ar-condicionado com controle individual de umidade, levando a conhecida e evitável Batalha dos CRAHs, em que cada um dos equipamentos pode estar trabalhando de forma oposta (umidificando ou desumidificando) em um mesmo ambiente.

Inclusive, por esse motivo a União Europeia em seu Código de Conduta para Eficiência Energética em Data Centers (2023 Best Practice Guidelines for the EU Code of Conduct on Data Centre Energy Efficiency) respalda esse entendimento sobre o controle de umidade em seu item 5.5.5:

Figura 4: Item 5.5.5 do 2023 Best Practice Guidelines for the EU Code of Conduct on Data Centre Energy Efficiency.

Outra vantagem é poder olhar para o ar exterior e calcular quantas horas do ano poderíamos estar operando o data center sem uso de compressores. Na maioria das cidades onde os grandes data centers estão instalados, existem estratégias nas quais é possível operar mais de 80% do ano sem o uso de compressores – o que seria impossível nas versões mais antigas da norma quando os limites eram muito mais rígidos.

As vantagens listadas anteriormente (e as que também não foram) podem ser resumidas a um tema: eficiência energética. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA em inglês), em 2021 os data centers consumiram aproximadamente 171 TWh de energia, o que representa aproximadamente 1% do consumo de energia mundial. Considerando esse enorme consumo, vários países e cidades já possuem leis e restrições sobre a eficiência mínima de novos data centers.

Com as expectativas de crescimento do setor e a atual demanda por atitudes ESG, conhecer a fundo a norma e explorar todas suas possibilidades pode ser o diferencial para a sustentabilidade do negócio.

 

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