Largamente utilizados na indústria e em processos de armazenamento, amônia, CO2 e hidrocarbonetos também têm lugar em instalações de conforto

 Desde o século XIX, os fluidos naturais foram os primeiros refrigerantes empregados em processos de armazenamento e conservação de alimentos e bebidas, graças à sua disponibilidade por serem substâncias naturais. De lá para cá, surgiram muitas (e muitas!!) outras opções sintéticas como os CFCs, HCFCs, HFCs, HFOs, HCFO e, provavelmente, muitas outras surgirão. Entretanto, os fluidos naturais nunca deixaram de ser aplicados nas diversas áreas da refrigeração industrial e, certamente, assim continuarão.

Não é exagero dizer que, praticamente, qualquer aplicação de refrigeração industrial que necessite de frio ou calor pode ser feita com os fluidos naturais. Alguns exemplos de aplicações clássicas estão na área de alimentos e bebidas. Nas cervejarias, ao longo de todo o processo de produção da cerveja e no engarrafamento. O mesmo acontece nas fábricas de refrigerantes ou água com gás para fixação de CO2 na bebida, no processo de engarrafamento.

O livro Refrigeração Industrial de Wilbert Stoecker já diz que frio e calor são indispensáveis em frigoríficos, abatedouros e demais processamentos de proteínas, como carne bovina, suína e frango, onde a refrigeração está presente para o resfriamento de carcaças, na manutenção da carne resfriada ou mesmo no congelamento em túneis, garantindo sua preservação, retardando as mudanças físicas e as atividades química e microbiológica que causam a deterioração, prolongando a vida útil do armazenamento. E, aqui, complemento que esses processos são feitos com amônia e, dependendo do nível de temperatura, CO2.

Na indústria da pesca, a amônia pode ser usada em equipamentos que fazem água do mar gelada recircular dentro dos tanques do navio para resfriar rapidamente e manter a captura em boa qualidade.

A produção de gelo para aplicação alimentícia, tradicionalmente é feita com amônia. Outra aplicação de sucesso da amônia é no mercado de laticínios. Aqui, o frio é gerado para manter o leite abaixo de 4.0°C pois o nível de atividade dos microrganismos a esta temperatura é muito baixo. Entretanto, laticínios não usam só resfriamento, mas também aquecimento em vários níveis de temperatura para conservar e processar os diferentes produtos lácteos: produção de bebidas lácteas, como iogurte e leites especiais, queijos, manteiga, creme de leite, doce de leite etc.

Ainda na área alimentícia vale mencionar os centros de distribuição e supermercados, onde o frio é gerado em diferentes níveis de temperatura e, até mesmo, para o ar-condicionado do estabelecimento ou do shopping todo onde está instalado o equipamento. Outro bom campo de aplicação dos refrigerantes naturais são os processos industriais, como indústrias de plásticos, químicas e petroquímicas. No setor de saúde, nas farmacêuticas e na produção e preservação de vacinas os fluidos naturais também estão presentes. Nas indústrias petroquímicas, o fluido refrigerante, em alguns casos, é um dos próprios produtos da empresa. Um exemplo são os equipamentos de geração de água gelada que trabalham com propileno (R-1270) ou propano (R-290).

As vantagens da amônia e possibilidades do CO2 e dos hidrocarbonetos

A refrigeração industrial, há muitos anos, é o campo de maior aplicação dos fluidos refrigerantes naturais, sobretudo a amônia. De forma resumida, pode-se dizer que a amônia é um refrigerante natural de baixo custo, de fácil acesso no mundo todo, apresenta excelentes propriedades termodinâmicas e é muito eficiente (o que ajuda a reduzir a pegada de carbono).

Em se tratando de segurança é autoalarmante e detectável em baixas concentrações (5 a 7 ppm) que são seguras para a saúde. É menos pesada que o ar – isto significa que, em condições atmosféricas normais, sobe na atmosfera e se decompõe em nitrogênio e hidrogênio. Por fim, é amigável ao meio ambiente por apresentar potencial de destruição da camada de ozônio e potencial de aquecimento global igual a zero (ODP=0, GWP=0). Ou seja, a amônia nunca será banida pelos critérios do Protocolo de Montreal.

O CO2 também vem sendo empregado na refrigeração desde a década de 1860. Ele apresenta inúmeros benefícios em termos de eficiência e segurança, mas tem uma faixa de aplicação mais limitada às baixas temperaturas. Equipamentos que trabalham com CO2 como refrigerante exigem cuidados maiores de projeto devido às suas altas pressões em temperaturas mais elevadas. Entretanto, vale ressaltar que os ganhos com os avanços em tecnologia destes equipamentos com CO2 superaram em muito os desafios.

Além dos benefícios ambientais, sistemas com amônia e/ou CO2, devidamente projetados, levarão a eficiências energéticas superiores aos sistemas com fluidos sintéticos. Apesar da forte dominância da amônia e do CO2 na refrigeração industrial há espaço para os hidrocarbonetos, entre eles o R-290 e o R-1270. São fluidos classificados com baixa toxicidade, mas alta flamabilidade, além de ODP e GWP = 0. Com os devidos cuidados de projeto e adequações de segurança devido à flamabilidade, são boas opções para o retrofit do R-22 e até do R-134a.

Outros hidrocarbonetos também são bastante empregados em condições de projeto específicas, como baixíssimas temperaturas (isobutano, R-600a) ou até bombas de calor (butano, R-600). É comum ver os hidrocarbonetos sendo empregados como fluidos refrigerantes nas indústrias que já estão familiarizadas com gases inflamáveis.

Precauções e regras para a utilização

A primeira regra de todas, para qualquer sistema de refrigeração, é a conscientização de projetistas, operadores e demais envolvidos nos processos, da complexidade, dos riscos e perigos do uso de refrigerantes nas instalações. Qualquer sistema de refrigeração, com qualquer tipo de fluido refrigerante, exige boas práticas de engenharia e cuidados com a segurança em todas as fases da execução: na concepção do projeto, na instalação de todos os componentes, na operação e na manutenção dos sistemas.

A garantia de uma instalação de sucesso passa por etapas, como o projeto cuidadosamente executado, programas de gestão de riscos com treinamentos e procedimentos de operação e manutenção. Tudo isso é mandatório e fundamental à segurança de qualquer instalação de refrigeração industrial.

Em relação ao R-290 (propano), por ser um hidrocarboneto inflamável, além de tudo o que foi citado anteriormente, os cuidados devem ser reforçados no que tange aos riscos inerentes à flamabilidade. Além das precauções na operação do sistema, é preciso lembrar dos cuidados com a segurança no transporte, armazenamento e recuperação ou descarte desses fluidos inflamáveis.

Para o R-744 (CO2), além do que já foi mencionado acima, o cuidado aqui é com relação às altas pressões em temperaturas mais altas – o que difere do trabalho normal com outros fluidos mais comuns.

O CO2 não é uma substância tóxica e é inodoro. Mas, vale reforçar que, em certas concentrações, pode causar mal-estar ou até ser letal. Por não ter cheiro, um vazamento acaba tornando-se imperceptível sem o uso de um sistema de detecção. Dependendo do volume vazado em um espaço confinado, por ser mais pesado que o ar, o CO2 tende a ir para as regiões mais baixas, deslocando o oxigênio do ambiente e podendo asfixiar as pessoas que estejam na área. E aqui fica uma importante observação: o mesmo fenômeno de asfixia pode ocorrer em plantas com os refrigerantes sintéticos!

Uma importante recomendação nestes casos é o uso de sistemas de detecção de vazamentos. O IIAR está desenvolvendo um documento de orientação de uso seguro de CO2, estabelecendo práticas e padrões seguros para trabalhar com esses sistemas de refrigeração.

A amônia apresenta problemas de toxicidade que devem ser controlados para que se possa empregar esse refrigerante de forma segura e sustentável. No entanto, como descrito anteriormente, é preciso obedecer às regras de boas práticas e padrões para um bom projeto executivo, instalação, comissionamento, operação, manutenção e desativação desses sistemas e, ainda o descarte correto dos fluidos (refrigerante, óleo etc.) que não serão mais aproveitados.

Segurança da instalação e dos operadores

O IIAR tem como missão “fornecer defesa, educação e padrões para o benefício da comunidade global no projeto, instalação e operação segura e sustentável de amônia e outros sistemas de refrigerante natural”.  Com este objetivo, desenvolve material técnico e standards que levam a sistemas de refrigeração bem projetados e com orientações para manutenção adequada e correta operação dos equipamentos de acordo com as características de cada refrigerante. Dá condições aos proprietários e operadores das plantas para que se tornem familiarizados com suas instalações.

A prevenção é fundamental para garantir um ambiente de trabalho seguro associado a qualquer sistema de refrigeração. Os trabalhadores devem conhecer os procedimentos de emergência e as normas aplicáveis a cada sistema. Além disso, as regulamentações exigem inspeção regular dos equipamentos de segurança e treinamento contínuo para preparar os trabalhadores em caso de emergência. Tudo isso está disponível nos documentos do IIAR.

No caso de vazamento de qualquer fluido refrigerante, a evacuação do local e a ventilação eficiente são mecanismos importantes para reduzir a exposição ao fluido e o risco de acidentes mais graves. Todas as plantas devem possuir sistemas de detecção e ventilação de gases. Já existem sistemas mais modernos que alarmam ou são programados para desligar o sistema assim que a presença de um refrigerante atinja uma concentração pré-determinada. Os sistemas de refrigeração mais seguros buscam trabalhar com mínima carga de fluido refrigerante, ter ventilação adequada nas salas de máquinas, sistemas de alívio, além de, é claro, uma programação de treinamentos contínuo das pessoas envolvidas, principalmente, operadores.

Observação: O IIAR desenvolveu 9 standards aprovados pelo American National Standards Institute (ANSI) associados ao projeto e operação seguros de sistemas de refrigeração com fluidos naturais, e esses standards são aceitos internacionalmente.

Considerações finais

Refrigerantes naturais são ambientalmente amigáveis e energeticamente eficientes. Em qualquer aplicação industrial, essa é a principal vantagem destes fluidos sobre os seus sucessores sintéticos. O CO2 tem um impacto mínimo nas mudanças climáticas, enquanto a amônia não tem nenhum. Embora o CO2 seja um gás de efeito estufa, ele ocorre naturalmente no meio ambiente e, quando usado como refrigerante, não é considerado problemático. Vale lembrar que ele é usado como “gás de base” contra o qual outros gases de efeito estufa são julgados. Portanto, o CO2 tem um GWP de 1. Amônia, CO2 e hidrocarbonetos têm propriedades termodinâmicas muito boas, e têm um bom potencial para serem mais eficientes do que a maioria dos refrigerantes sintéticos.

Mais comumente na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, a amônia é empregada como fluido refrigerante em prédios governamentais, museus, aeroportos, faculdades e até hospitais. No Brasil e na América Latina, o uso ainda não é tão comum, embora haja instalações em shopping centers e hotéis.

Ainda há muito receio no uso de fluidos naturais em locais com grande circulação de pessoas. Mas, com projetos bem elaborados de baixa carga e com os devidos cuidados com a segurança na instalação, na operação e na manutenção dos sistemas, os fluidos naturais, principalmente a amônia, podem ser a melhor alternativa para diversas aplicações. As regulamentações devem ser devidamente adaptadas aos sistemas de refrigeração com a amônia, favorecendo, assim, a difusão destes sistemas de longo prazo.

Celina Bacellar é gerente de produtos de refrigeração industrial da Johnson Controls International

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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