A primeira contribuição que o setor de AVAC-R pode dar para a mitigação da crise climática é ter consciência de que a maior fonte de energia para o mundo deve ser a eficiência energética, e que a energia mais barata e limpa é aquela que não usamos, sem que afete o resultado a ser obtido. Adotando esses pressupostos, conceber sistemas com foco abrangente inspirado em ciências fundamentais para atingir os objetivos sem descuidar do compromisso com a sustentabilidade.

Para tanto, é indispensável aplicar os preceitos da transmissão de calor, da mecânica dos fluidos, da psicrometria e da termodinâmica. Além dos objetivos pretendidos, de proporcionar excelência do conforto térmico e da qualidade do ar interior, as instalações devem atender, também, questões referentes à viabilidade econômica e à preservação ambiental, como sejam: eficiência energética, inovação, garantia de condições operacionais e de manutenção adequadas, favorabilidade da relação custo/benefício e mitigação de impactos ambientais.

Com isso obter-se-ão instalações economicamente viáveis, energeticamente eficientes e ambientalmente sustentáveis, compatíveis com o conceito ESG.

O setor como um todo tem dado respostas animadoras. No âmbito da indústria, investimento em pesquisas e desenvolvimento para elevar a eficiência energética e mitigar o impacto ambiental resultante do uso de energia, especialmente em refrigerantes de baixo poder de aquecimento global (GWP na sigla em inglês); no âmbito de projetos, abordagens em amplitude holística, considerando assessoramento para uma versão arquitetônica bioclimática, tratamento isotérmico da envoltória das edificações, aplicação do conceito de eficiência exergética, que considera a qualidade da fonte energética compatível com a exigência da carga; no âmbito das instaladoras, a preparação para a execução consistente e a preservação por operação e manutenção efetivas; no âmbito dos empreendedores, a postura responsável decidindo por soluções sustentáveis e economicamente viáveis no ciclo de vida da instalação, em contraposição a soluções unicamente de menor custo inicial.

Em termos de projetos de sistemas é necessário adotar, sempre que viável, processos naturais de climatização tais como, resfriamento evaporativo, ciclo economizador e free-cooling; aplicar soluções com o conceito de baixa exergia, que consiste em empregar altas temperaturas de resfriamento e baixas temperaturas de aquecimento.

A instalação de refrigeração para um sistema de ar-condicionado pode fornecer, como subproduto, água quente à temperatura de 42°C, sem comprometimento da eficiência operacional do ciclo de refrigeração, evitando demanda adicional de energia, elétrica ou gás.

A energia térmica à temperatura de 42°C apresenta uma qualidade 0,07, que é 14 vezes inferior à qualidade da energia elétrica (1,0) e 13 vezes inferior à de combustíveis fósseis (0,9), segundo a Agência Internacional de Energia (IEA na sigla em inglês).

Portanto, a termodinâmica nos ensina que eficiência energética não é simplesmente consumir menos energia num determinado processo, mas, e principalmente, consumir energia da menor qualidade possível para atender ao referido processo.

Aquecimento para um estágio superior poderá ser feito por bomba de calor a partir da água preaquecida, com COP não inferior a 4, valorizando a qualidade nobre da energia elétrica num sistema ordenado em cascata. Para tanto, o uso em cascata, tanto do fluxograma de atendimento das cargas, como no do processo de suprimento energético é a forma eficientemente exergética de aplicação da fonte. Além do mais, utilizar soluções que empregam energia de baixa qualidade maximizam as oportunidades de uso de energia de fontes renováveis, e o uso sequencial com qualidades decrescentes da energia, em razão da exigência, também, de qualidades decrescentes pelas cargas arranjadas em cascata.

Por exemplo, sistemas com desacoplamento total entre cargas produzindo água gelada em 3 temperaturas diferentes (4°C, 10°C e 14°C) e com utilização escalonada da água gelada pelas respectivas cargas ordenadas pelas qualidades exigidas dos respectivos processos, e reaquecimento do ar externo hiperdesumidificado (Dew-Point 6°C), em ciclo run-around, com a água gelada de retorno à 18°C. Empregar automação e monitoramento da instalação através de inteligência artificial embarcada, adotando os cenários operacionais adequados e procedendo a diagnósticos de componentes de modo a antecipar providências de reparos logo que sejam detectados desvios operacionais.

Inicialmente é importante destacar que a matriz elétrica brasileira apresentou em 2022 um índice de renovabilidade de 87,9%, enquanto esse índice para o mundo resultou em 26,6% e, para a OCDE, em 30,8%. No que diz respeito às emissões de CO2 na produção de energia elétrica, o Brasil emitiu 85,2 kg/MWh, a Europa/OCDE 251,6 kg/MWh, os EUA 358,1 kg/MWh e a China 692,4 kg/MWh. Os dados são da IEA, responsável pela implementação do programa energético da OCDE, e constam do Balanço Energético Nacional (BEN), relatório síntese 2023, ano base 2022.

Não se discute a importância e a conveniência da construção de edifícios de balanço energético zero (NZEB na sigla em inglês), nem da transformação das edificações existentes em edificações com balanço energético zero. Mas deve ser ressaltada, também, a importância da preparação das edificações para uma futura ascensão a essa classificação, na hipótese de uma não implantação inicial atingindo o balanço zero.

Há, na Europa, um critério de progressão de um estágio de balanço quase zero (nZEB), onde o n significa quase (nearly), antecedendo uma posterior ascensão ao balanço zero. Considerando o índice extraordinariamente superior de renovabilidade da matriz elétrica brasileira, parece-nos extremamente importante dotar as novas edificações de uma geração de energia renovável conforme suas potencialidades nos respectivos sites, mesmo que não atinjam de início a classificação NZEB.

Para isso, considerando que a principal característica de criticidade para aplicação das fontes renováveis é a variabilidade de intensidade, o armazenamento de energia é a resposta a esse desafio, compatibilizando os perfis de geração aos de consumo. Segundo a Ashrae, para os sistemas de resfriamento e de aquecimento, o armazenamento de energia térmica mostra-se bem vantajoso em relação ao armazenamento equivalente de energia elétrica, em razão das propriedades de robustez e longevidade que o caracterizam podem resultar em redução de custo de implantação de até 73% nos sistemas de resfriamento.

E aconselha: “Não lute contra o futuro da energia; as fontes solar e eólica são competitivas e seu único problema é a intermitência, que pode ser resolvido com o armazenamento de energia.”

Em termos de tecnologias, destacaríamos os sistemas de baixa exergia, constando de desacoplamento total entre cargas arranjados em cascata, tanto na produção como no consumo, empregando processos radiantes de resfriamento, edificações termicamente ativas e processos independentes de controle da temperatura e da umidade (THIC na sigla em inglês). Tais sistemas resultam em reduções de consumo de 42% em energia elétrica, 45% em água e 76% em emissões.

A produção da refrigeração escalonada em estágios de temperatura já racionaliza a eficiência energética pela elevação do COP para cada estágio de produção, em relação ao estágio anterior. A possível mudança climática sazonal, alternando estação quente/seco, quente/úmido, ou frio/seco, permite operar ou desativar o estágio de produção de frio para a desumidificação intensa do desacoplamento entre cargas. Na estação quente/úmido operam os 3 estágios de produção da refrigeração. Nas outras estações operam os 2 estágios de produção da refrigeração de patamares mais altos, variando a capacidade de operação em função das demandas.

Stress térmico

O stress térmico é a resposta fisiológica do corpo humano às ondas de calor, sendo decorrentes não só das altas temperaturas como, também, agravadas por altas umidades, as chamadas ondas de calor úmido.  A adoção do processo de tratamento psicrométrico com desacoplamento entre cargas favorece o combate a ambas situações, evitando altas umidades internas do ar em situações de ocorrência das ondas de calor úmido.

Sabe-se que cerca de 40% da umidade rejeitada pelo metabolismo humano ocorre por respiração e por transpiração, portanto, o controle da umidade do ar inalado e em circulação em torno da pele é fundamental para a eficácia do processo de termorregulação corporal.

O sistema THIC com controle independente de temperatura e umidade proporciona a obtenção do controle de ambas as grandezas, com eficiência e precisão, independentemente das situações e composições das cargas. Pode-se operar e controlar, conjunta ou isoladamente, os sistemas de desumidificação e de resfriamento, a depender da exigência das cargas.

A independência de controle entre a temperatura e a umidade permite adotar set points para horário operacional e horário de recesso, podendo adotar-se níveis mínimos admitidos para ambos os parâmetros. No caso da umidade poder-se-á adotar como parâmetro, no período de recesso, o valor da relação de umidade 12 g/kg, que consta na Standard 55 da Ashrae como limite superior para conforto térmico. Com isso mitigar-se-ia, também, o risco de geração de mofo nos períodos de recesso ocupacional.

Francisco Dantas é diretor da Interplan – Planejamento Térmico Integrado

 

Veja também:

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Algumas respostas da indústria

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