Por mais sofisticados os sistemas que projetamos, fornecemos e instalamos, caso não cumpram os objetivos propostos evidentemente fracassamos

Os conceitos de conforto térmico, da forma como entendemos hoje, foram definidos há muitos anos e, desde os trabalhos revolucionários do Dr. Ole Fanger e seus discípulos (sendo o Dr. Bjarne Olesen um dos principais), iniciados ainda nos anos 1970, pouca coisa evoluiu de lá para cá. Ou seja, as definições de conforto térmico e suas principais variáveis (quatro ambientais – umidade relativa, temperatura ambiente, temperatura radiante média e velocidade do ar – e duas pessoais – vestimenta e nível de atividade física) ainda são as mesmas. Quando ampliamos o conceito para o conforto ambiental, dentre os vários outros componentes (iluminação, segurança, privacidade etc.) o que mais se destaca, além do conforto térmico, sem dúvida é a qualidade do ar.

Uma ferramenta excelente para uma melhor compreensão do conforto térmico é o CBE Comfort Toolhttps://comfort.cbe.berkeley.edu (Tartarini F., Schiavon S., Chung T., Hoyt, T. – 2020 – Center for the Building Environment – Berkley University of California). Nele, facilmente podemos visualizar a zona de conforto e os resultados de PMV e PPD, conforme o Ashrae Stantard 55-2020 ou conforme a EN-16798, tratando com as variáveis citadas acima. Os resultados podem nos surpreender.

No entanto, essas variáveis, quando tratadas no âmbito do sistema de ar-condicionado, dificilmente são priorizadas com o foco em atender o conforto térmico e ambiental. Tipicamente, com um bom sistema de ar-condicionado (considerando, por exemplo, a aplicação de caixas de VAV (volume de ar variável), controla-se apenas (diretamente) a temperatura ambiente (do espaço ocupado). Controles indiretos podem manter a umidade relativa em níveis aceitáveis (através do controle da temperatura de insuflação na saída de ar dos condicionadores de ar) e a qualidade do ar dentro dos requisitos das normas e da legislação em vigor.

No entanto, ainda não é comum (até mesmo fora do Brasil) a aplicação dos conceitos do conforto ambiental, com controle de todas as variáveis (ou pelo menos de três ou mais delas) por parte dos ocupantes, como prioridade nos projetos. Na minha imaginação (sou um pouco leigo quando o assunto são os custos) investe-se muito mais em tecnologia dos equipamentos e controles do sistema de água gelada (ou mesmo dos sistemas VRFs) do que no controle da busca do conforto térmico e da qualidade do ar. Ou seja, a prioridade está no uso de sistemas eficientes para economizar energia. E eu traduzo isso com uma frase que repito há anos: “sistemas de ar-condicionados não são desenvolvidos com o objetivo de economizar energia, mas de trazer conforto térmico e qualidade do ar para os ocupantes dos ambientes condicionados”.

Outra afirmação que gostaria de enfatizar é: “nós do setor de AVAC não projetamos, não fornecemos equipamentos, instalamos, operamos e mantemos sistemas de ar-condicionado e, sim, conforto térmico e qualidade do ar”. Ou seja, se fizermos todo um sistema e não conseguirmos prover conforto térmico e qualidade do ar para os ocupantes, então falhamos no nosso objetivo.

Portanto, no meu entendimento, não há novos conceitos. O que há de novo, é que finalmente os usuários estão percebendo a importância do conforto térmico e da qualidade do ar e que (como diz o lema da Abrava) isso “faz bem”. Além disso, empresas de novas tecnologias focadas no conforto dos usuários dispõem de dispositivos muito acessíveis no mercado, de modo a possibilitar a monitoração de muitas variáveis que permitem uma avaliação mais ampla do conceito de conforto térmico (sensores de temperatura ambiente, temperatura radiante, umidade relativa, velocidade do ar, níveis de CO2, compostos orgânicos voláteis – COV – e de material particulado). Com isso, espero eu, finalmente haverá uma demanda por projetos, equipamentos, instalações, operação e manutenção com foco no conforto.

E é obvio que o projeto arquitetônico é o primeiro componente que precisa ser readequado para atender essa demanda. Tom Hartman acaba de publicar um artigo no Ashrae Journal (Setembro/23) que é muito relevante sobre o Ashrae Standard 55-2020 – “Está cada vez mais claro que a configuração de grandes espaços internos (open spaces) com multizonas e controle local limitado, não podem garantir que as preferências de conforto térmico dos ocupantes serão plenamente satisfeitas”, e “diferenças de desempenho individuais possuem variações nas preferências de conforto térmico que só podem ser obtidas por algum grau de individualização do controle térmico para cada espaço de trabalho”. Isso me fez lembrar uma das apresentações do Dr. Ole Fanger, realizada em 1999 no XX Congress of International of Refrigeration, em Sydney – Austrália, quando ele apresentou o conceito de personal comfort e comparava o ar de um ambiente open space à água de uma piscina pública.

O ASHRAE Standard 55-2020 (e muito importante observar que a nova ABNT NBR 16401 Parte 2, que trata do conforto térmico, está totalmente baseada no ASHRAE Standard 55-2020) estabelece na Seção 6 que os projetistas designem a classificação de controle térmico que deve ser fornecido em cada tipo de espaço ocupado. As faixas de classificação de 5: sem controle de ocupantes, a 1: controle de pelo menos dois fatores ou medidas de conforto separadas para cada ocupante com requisitos mínimos de potência corretiva (CP) de conforto térmico.

A QAI, quando tratada no conjunto das medidas principais para o controle do conforto térmico, torna-se um dos principais requisitos para o desempenho dos ocupantes. Nem precisamos relembrar dos inúmeros trabalhos de pesquisa sobre os benefícios e os resultados positivos quando a QAI é prioridade no tratamento do ar. Portanto, no meu modo de ver, um sistema com controle de QAI que vai além dos requisitos mínimos das taxas de renovação de ar e de filtração, associados a controles inteligentes e personalizados, é que irá impactar na melhoria do conforto térmico. O ar exterior bem tratado e, principalmente, desumidificado (num sistema de tratamento de ar externo dedicado, por exemplo) irá contribuir em muito para um controle de umidade adequado para os ambientes atendidos. E ampliando para o conceito de conforto ambiental, será fundamental na redução da concentração de CO2, COVs e material particulado.

Volto a lembrar que a razão de ser de um sistema de ar-condicionado é a de prover conforto térmico e QAI aos usuários dos ambientes atendidos. A eficiência energética é um fator importante para se obter os resultados esperados, mas, muitas vezes, em nome de uma eficiência energética “de fachada” investe-se em equipamentos eficientes na CAG em detrimento de um controle eficiente nos ambientes. Deve-se observar que um ambiente com controle eficiente – para atender os “devaneios” dos ocupantes – pode ser bastante complexo e implica na revisão de alguns conceitos arquitetônicos sobre a ocupação dos ambientes.

Devemos lembrar que, quando se trata de ambientes de escritórios, há dois projetos de AVAC:

  • O Projeto Inicial, quando o sistema para todo o edifício é projetado, mesmo sem saber quem vai locar aqueles espaços, mas já se define a taxa de ocupação (m²/pessoa) e a vazão de ar exterior por pavimento, além da concepção do sistema de distribuição de ar (incluindo a aplicação de caixas de VAV, por exemplo). Normalmente esse projeto trata os ambientes como open spaces.
  • O Outro, quando o usuário final chega, com um projeto arquitetônico de interiores específico para a área a ser ocupada. Nesse momento, tudo é possível de acontecer: super ocupação, o que compromete o suprimento de ar exterior do projeto original, divisão da área total em muitos ambientes fechados, aumento de carga térmica – que muitas vezes é mais um artifício para o instalador aumentar o faturamento com o fornecimento de condicionadores de ar adicionais, pequenos (fancoletes ou até splits), com requisitos inferiores aos definidos para o dimensionamento dos Fan Coils principais e com resultados obviamente piores. E esse projeto, que poderia ser uma grande oportunidade para a implantação de melhorias para um melhor controle focado efetivamente no conforto térmico (inclusive personalizado) e na QAI, resulta em ambientes com conforto e QAI muito aquém dos requisitos.

Outros detalhes importantes sobre a eficiência energética dos sistemas de ar-condicionado:

  • Enquanto o conforto térmico for “controlado” a partir da reclamação dos ocupantes e as intervenções de correção forem realizadas por equipe desqualificada (limitada a ações no BMS como: diminui/ aumenta o Setpoint de temperatura ou ações manuais de diminui/aumenta a frequência do ventilador, diminui/aumenta a abertura da caixa de VAV, aumenta/diminui a abertura da válvula de controle de vazão de água gelada no Fan Coil), não será possível ter um sistema confortável e, além disso, será ineficiente.
  • Sistemas com fancoletes ou unidades evaporadoras pequenas, onde não é possível desumidificar o ar de maneira adequada, e sem um suprimento de ar exterior adequado, não trarão como resultado ambientes confortáveis. Portanto, os sistemas com esses equipamentos serão sempre ineficientes.
  • Uma lasquinha sobre os sistemas com VRF, em que muitos são dimensionados para uma temperatura de insuflação do ar superior a 17°C. Nessas condições, indiretamente a umidade relativa do ar no ambiente ocupado será em torno de 65% (no limite da aceitabilidade ou eventualmente já fora dos limites). Se os projetistas que optam por sistemas de água gelada resolverem ir nessa linha, com a temperatura de alimentação de água gelada em torno de 11°C, o COP dos Chillers subirá em torno de 25%, sem contar a diminuição da carga térmica devido à diminuição da parcela de retirada do calor latente. Aí seria difícil competir, hein? No entanto, sigo a favor de que o sistema de ar-condicionado não deve ser desenvolvido para economizar energia.

Assim, tenho para mim que um sistema limitado ou onde o conforto térmico e a QAI não são plenamente atendidos, não importa quão eficiente seja a CAG, esse sistema é ineficiente.

O sistema de automação sempre foi e cada vez mais será a ferramenta chave para o sistema de ar-condicionado prover o conforto térmico e a QAI que atenda os requisitos dos ocupantes.

Lembrando que se tratam muitas vezes de requisitos individuais, com pessoas cada vez mais exigentes e conhecedoras dos conceitos sobre elementos que impactam na sua saúde, no seu desempenho produtivo e até mesmo no significado primário da palavra conforto.

Tomaz Cleto diretor da Yawatz e membro do Conselho Editorial da revista Abrava+ Climatização & Refrigeração

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