A descarbonização do ambiente construído e, por consequência, a descarbonização das instalações que o integram, passa por duas componentes principais e intrínsecas – as mitigações das emissões incorporadas e das emissões operacionais. A soma das duas constitui a pegada de carbono ao longo da vida útil da edificação.

Considerando o índice de renovabilidade da Matriz Elétrica Brasileira de 87,9% (mundo 26,6%, OCDE 30,8%), a grande oportunidade de mitigação das emissões operacionais concentra-se na eficiência energética, acentuadamente no conceito qualidade da energia, ou seja, no escalonamento do uso das fontes condicionado às qualidades que as respectivas cargas requerem.

Neste aspecto, o desacoplamento entre as cargas de resfriamento e de desumidificação que ocorrem nas edificações conduz a excelentes oportunidades de projeto de sistemas de baixa exergia, através do emprego de altas temperaturas de resfriamento e baixas temperaturas de aquecimento, proporcionadas pelos sistemas de tratamento de ar com controle independente de temperatura e umidade e de produção da refrigeração em estágios de temperaturas crescentes. Além disso, o emprego de altos diferenciais de temperatura na água gelada possibilita o uso da água de retorno para o reaquecimento do ar no processo de controle da umidade relativa em ciclo run-around, evitando duplo consumo de energia ao se reaquecer o ar com uso de água quente sanitária predial. Como operam em contracorrente, o fluido quente no início transforma-se em fluido frio no final, e vice-versa.

A economia de energia constitui-se, pois, na principal fonte, evitando o uso de energia sem incorrer em queda de qualidade do objetivo final pretendido – o conforto térmico e a qualidade do ar interno. Ressalta-se que a eficientização energética não significa necessariamente reduzir a quantidade de energia dispendida num processo, mas, e essencialmente, reduzir a qualidade da energia empregada, compatibilizando-a com a exigência da respectiva carga a ser atendida.

Os processos de aquecimento quando realizados por boilers a gás – mesmo aqueles que indicam eficiência energética de até 94% à luz da 1ª Lei da Termodinâmica -, quando comparados à eficiência exergética à luz da 2ª Lei da Termodinâmica, resultam em temperatura da chama da combustão de 1.200°C para obter água quente à temperatura 60°C, utilizando energia de qualidade 7,5 vezes (q = 0,90) superior à requisitada pela carga (q = 0,12).

Se não bastassem as melhorias quanto ao não aquecimento pela combustão evitada, acrescente-se que a Matriz Elétrica Brasileira emite 85 kg/CO₂eq por MWh produzido, enquanto o gás natural emite 400 kg/CO₂eq por MWh elétrico produzido e o diesel emite 720 kg/CO₂eq por MWh produzido.

A alternativa da eletrotermia mostra-se, também, extremamente ineficiente, considerando o COP térmico 0,90 contra um COP termodinâmico não inferior a 4 nas bombas de calor termodinâmicas. É a consagração energética dos processos de baixa exergia, ou seja, altas temperaturas de resfriamento e baixas temperaturas de aquecimento, conforme nos ensina a Termodinâmica.

Materiais ambientalmente amigáveis e tecnologias promissoras

Além dos processos de eficiência exergética que valorizam a qualidade das fontes, cuidados com a utilização de materiais ambientalmente amigáveis que focam na minimização das emissões incorporadas contribuirão fortemente no processo de descarbonização das instalações e, por conseguinte, da atmosfera.

É de conhecimento público que aço, ferro, alumínio e cimento são responsáveis por 15% do total de gases de efeito estufa produzidos no planeta. Há estudos de eficientização dos processos de fabricação de materiais não renováveis e de possibilidade de substituição por materiais renováveis, bem como, de reaproveitamento de materiais em formato de transição para uma Economia Circular.

O Programa Ambiental das Nações Unidas – Construindo um Novo Futuro, descreve os objetivos e resultados buscados. A preferência pela utilização desses materiais na construção das instalações contribuirá significativamente para praticar a descarbonização do setor.

Estudos mostram um superávit das emissões produzidas no mundo atual, considerando que os sumidouros constituídos pelos ecossistemas do planeta têm capacidade de absorver apenas 41% dessas emissões, e que 59% delas se acumulam na atmosfera.

O programa intitulado Project Drawdown indica a possibilidade de reversão de perfil com redução de emissões de CO₂eq e recuperação de capacidade dos sumidouros (solo, oceanos e costas), passando a ocorrer superávit de capacidade dos sumidouros em relação às emissões globais produzidas. A partir de então haveria um processo de assimilação paulatina do excesso de CO₂eq acumulado na atmosfera.

No cenário mais otimista do Projeto Rebaixamento, a estabilização das emissões ocorreria no ano de 2050 e, a partir de então, passaria a ocorrer uma reversão com queda do índice de CO₂eq no ar, atingindo um pico de 490 ppm na metade da década de 2040 e um acréscimo de temperatura média global de 1,5°C, em relação à época pré-industrial, até 2050. Atingido o Rebaixamento, com a consequente capacidade dos sumidouros naturais superando as emissões totais, cessaria o aumento da temperatura média global, abrindo caminho para atingir as metas do Acordo de Paris.

Fluidos refrigerantes

O impacto ambiental causado pelos fluidos refrigerantes está ligado ao gerenciamento do uso, à magnitude das cargas de gás dos circuitos, ao potencial de aquecimento global (GWP) e tempo de vida na atmosfera. Parcimônia na definição da carga de gás e instrumentação para detecção e mitigação de vazamentos são fatores transcendentais para atingir a descarbonização.

O Protocolo de Montreal estabeleceu metas para o phase out já realizado de gases com ODP não nulo, enquanto a Emenda de Kigali, um adendo ao Protocolo de Montreal, estabelece metas a serem alcançadas relativas à mitigação do GWP.

Os gases HFC, que hoje suprem majoritariamente o mercado de ar-condicionado e refrigeração, são potenciais geradores de aquecimento global quando liberados na atmosfera. A União Europeia tem um programa para reduzir em dois terços, até 2030, em relação aos níveis de 2014, as emissões provocadas pelos hidrofluorcarbonos, entre os quais R134a, R404A e R410A.

A nova geração constitui-se de refrigerantes sintéticos, os HFOs, de muito baixo GWP (< 1), equivalente ao do CO₂ que é tido como referência, os quais podem, também, ser utilizados como mistura com os HFCs atuais, reduzindo sensivelmente o GWP em relação ao dos HFCs. Como exemplo citamos o refrigerante R513A, composto por 56% de HFO-1234yf e 44% de R134a, resultando num GWP 630, bem inferior ao GWP 1430 do R134a, e classificado no grupo de segurança A1. Esse refrigerante está adotado, por conceituado fabricante, para implementação como sucedâneo do refrigerante R134a em linha de chillers de alta potência térmica regularmente produzida.

Paralelamente, continuam os estudos de avanço do emprego dos refrigerantes naturais, considerando as características de dificuldade de aplicações a eles inerentes, tais como altas pressões de operação (CO₂), flamabilidade (hidrocarbonetos) e toxicidade (amônia). Desse modo, o desenvolvimento de novos refrigerantes foca na segurança, no desempenho e na mitigação de impactos ambientais, além da viabilidade econômica, atingindo os propósitos do conceito ESG.

Francisco de Assis Dantas, engenheiro mecânico e diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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