O setor de ACR pode contribuir decisivamente para uma matriz energética com emissões mínimas através da adoção de processos de conversão de energia mais eficientes

A transição energética, entendida como a migração para uma matriz energética com emissões mínimas ou nulas de GEE (gases de efeito estufa), pode ser alcançada de duas maneiras: 1) pela redução do uso de fontes fósseis e 2) pela adoção de processos de conversão de energia mais eficientes e com menores emissões ao longo de seu ciclo de vida. O setor de ACR, embora não envolvido diretamente na geração de energia a partir de fontes primárias, contribui significativamente na segunda via. Isso pode ser feito por meio do desenvolvimento de produtos mais eficientes energeticamente, o que reduz o consumo de energia e, consequentemente, a demanda por fontes não-renováveis. Além disso, a adoção de fluidos refrigerantes com baixo ou nulo GWP é essencial para mitigar as emissões diretas de GEE. É igualmente importante que o setor explore formas de integração mais eficiente com sistemas de geração renovável, como o uso de energia fotovoltaica para alimentar sistemas de climatização. Por fim, há um grande potencial a ser explorado em soluções de climatização passiva, que podem reduzir ainda mais a dependência de sistemas mecânicos de refrigeração.

Embora existam sistemas de refrigeração por absorção que utilizam calor como energia de entrada, a principal forma de energia requerida pela maioria dos sistemas de refrigeração e ar-condicionado é o trabalho mecânico. Esse trabalho se manifesta como potência de eixo, acionando bombas e ventiladores para a movimentação de água e ar, além de compressores em ciclos de refrigeração usados em chillers, selfs, splits, câmaras frias, entre outros. O setor de ACR é essencialmente dependente da energia elétrica, que alimenta motores para gerar o trabalho necessário para os processos de compressão, ventilação e bombeamento. Essa eletricidade pode ser proveniente de fontes renováveis, como solar e eólica, ou convencionais, como combustíveis fósseis. Portanto, a eletricidade é a fonte de energia predominante e, embora não haja uma alternativa direta, novas tecnologias, como o uso de fontes híbridas ou a integração com energias renováveis, estão sendo exploradas.

Energia geotérmica em sistemas de refrigeração e ar-condicionado

O futuro da energia geotérmica em sistemas de refrigeração e ar-condicionado depende fortemente das características geológicas e climáticas de cada região. No caso da geotermia de baixa entalpia, se a região apresenta condições favoráveis — como boa condutividade térmica do solo e características hidrogeológicas adequadas — a exploração comercial torna-se viável. Nesse contexto, o cenário é promissor, especialmente com o aumento da demanda por soluções energéticas sustentáveis.

As bombas de calor geotérmicas, por exemplo, oferecem alta eficiência em comparação com sistemas convencionais de climatização e aquecimento, com Coeficiente de Performance (COP) significativamente maior. Além disso, a geotermia pode ser integrada em edifícios verdes e NZEB, contribuindo para metas de eficiência energética e sustentabilidade. Tecnologias de resfriamento passivo baseadas em geotermia também podem reduzir a dependência de sistemas mecânicos ativos. Contudo, para que esse futuro se concretize, é essencial que governos e instituições promovam políticas e subsídios específicos, como já acontece em algumas regiões da Europa e Estados Unidos, incentivando a transição e o desenvolvimento da infraestrutura geotérmica.

Os principais obstáculos à exploração da geotermia em sistemas de ACR estão relacionados ao clima local e às características do solo. Além desses fatores, a falta de expertise na concepção e instalação de sistemas geotérmicos é um desafio significativo, pois pode comprometer a eficiência e eficácia das soluções. No Brasil, há um considerável desconhecimento sobre as características térmicas do solo, o que impossibilita, desde o início, qualquer avaliação de viabilidade econômica devido à falta de dados essenciais. Para superar essa lacuna, a realização de Testes de Resposta Térmica é fundamental. Outro obstáculo importante diz respeito ao impacto ambiental que a troca de calor pode causar nos ecossistemas; esse aspecto precisa ser abordado adequadamente, pois pode envolver custos adicionais. De forma geral, a exploração da geotermia ainda enfrenta o obstáculo da “viabilidade econômica”, agravado pela inexistência de políticas e subsídios específicos que poderiam facilitar a adoção e o desenvolvimento de infraestrutura geotérmica.

A geotermia refere-se à utilização do calor armazenado no solo, na água (como lagos e oceanos) e no ar atmosférico como fontes ou sumidouros de calor. O uso direto da atmosfera como sumidouro de calor é comum e permanece como uma das formas mais práticas de aplicação da geotermia. No Brasil, a exploração da geotermia se limita a aplicações de baixa entalpia, o que representa uma oportunidade significativa para desenvolvimento, especialmente em regiões com características favoráveis. A geotermia pode contribuir para sistemas de refrigeração e ar-condicionado ao aumentar a eficiência energética, aproveitando temperaturas mais favoráveis, o que eleva o COP dos ciclos de refrigeração. Além disso, ela pode permitir a desativação de sistemas mecânicos convencionais quando aplicada em métodos de resfriamento e aquecimento passivos. Um exemplo é o Sea Water Air Conditioning (SWAC), onde a água fria a baixa temperatura de oceanos ou lagos é utilizada para atender a demandas de resfriamento, eliminando a necessidade de sistemas tradicionais de expansão direta ou indireta. Essa abordagem não só aumenta a eficiência, mas também reduz os custos operacionais e contribui para a sustentabilidade energética.

A troca de calor em sistemas geotérmicos é viabilizada principalmente pelo uso de trocadores de calor enterrados (horizontais ou verticais), que podem ser mergulhados em água de lagos, mares ou cursos d’água, e pela circulação de água subterrânea em sistemas de circuito aberto ou fechado. Trocadores enterrados horizontais exigem escavações e uma área de terreno considerável; portanto, é importante maximizar a transferência de calor desses trocadores para viabilizar a aplicação. Além disso, no uso de água subterrânea em circuito aberto, deve-se atentar à disponibilidade e sustentabilidade do aquífero, bem como às regulamentações ambientais que garantem a proteção dos recursos hídricos.

João Pimenta, éprofessor na Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UNB)e coordenador do Laboratório de Ar Condicionado e Refrigeração (LaAR) na mesma instituição

 

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