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Despendendo, anualmente, cerca de R$ 3 bilhões com energia e R$ 300 milhões com reposição de fluidos refrigerantes, setor supermercadista é forte candidato à modernização
O mundo vive um dilema. Por um lado,a crise climática eleva as temperaturas médias a escalas inimagináveis, provocando desconfortotérmico, ameaçando a produção e conservação de alimentos e, logo, colocando não apenas vidas humanas em risco, mas também todo o equilíbrio da natureza. Nunca a refrigeração foi tão necessária. E aí está o dilema: é também ela uma das principais responsáveis pelo consumo energéticoe de substâncias químicasque apressama marcha rumo ao colapso climático.
Durante a COP 28, em dezembro de 2023, a Coalização para o Resfriamento, liderada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicou o relatório Mantendo a cabeça fria: Como atender à demanda de resfriamento e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões, em apoio ao Compromisso de Resfriamento Global (Global CoolingPledge), iniciativa conjunta entre a Coalizão para o Resfriamento e os Emirados Árabes Unidos,na condição de anfitriões do evento.
O documento alerta para a necessidade de tomar medidas fundamentais para reduzir o consumo de energia dos equipamentos em pelo menos 60% das emissões setoriais até 2050, permitindo o acesso universal ao resfriamento, tirando a pressão das redes de energia e economizando trilhões de dólares até esta data. Neste sentido, estabelece medidas em três áreas: resfriamento passivo, padrões mais altos de eficiência energética e uma redução mais rápida das substâncias refrigerantes que aquecem o clima. Mais de 70 países, incluindo o Brasil,já assinaram o compromisso com a reduçãodo impacto climático do setor de refrigeração.
“Com o aumento das temperaturas, é fundamental que trabalhemos juntos para melhorar a eficiência energética e reduzir as emissões do setor de refrigeração e, ao mesmo tempo, aumentar o acesso à refrigeração sustentável. Esse acesso é especialmente importante para as comunidades mais vulneráveis, que geralmente são as que menos contribuem para as mudanças climáticas, mas são as mais expostas a seus impactos”, declarou, à época, o Dr. Sultan Al Jaber, presidente da COP28.
“O setor de refrigeração deve crescer para proteger todas as pessoas do aumento das temperaturas, manter a qualidade e a segurança dos alimentos, manter as vacinas estáveis e as economias produtivas”, completouInger Andersen, diretora executiva do PNUMA. “Mas esse crescimento não deve ocorrer às custas da transição energética e de impactos climáticos mais intensos. Os países e o setor de refrigeração devem agir agora para garantir o crescimento da refrigeração com baixo teor de carbono. Felizmente, as soluções estão disponíveis hoje. A adoção de um sistema de refrigeração sustentável e eficiente em termos de energia oferece uma oportunidade de reduzir o aquecimento global, melhorar a vida de centenas de milhões de pessoas e obter enormes economias financeiras”, acrescentou ela.
As mudanças climáticas, associadas ao crescimento populacional e de renda,e à urbanização, aumentam a demanda por resfriamento. Apenas na África e Ásia, são perto de 1,2 bilhão de pessoas sem acesso à refrigeração. A esse número deve-se acrescentar populações periféricas, particularmente das Américas do Sul e Central. É um imenso contingente alijado, não só das mínimas condições de conforto térmico, como do acesso à alimentos saudáveis e vacinas, entre outras necessidades básicas.
Por isso, apela Andersen: “Com o aumento das temperaturas, é fundamental que trabalhemos juntos para melhorar a eficiência energética e reduzir as emissões do setor de refrigeração e, ao mesmo tempo, aumentar o acesso à refrigeração sustentável. Esse acesso é especialmente importante para as comunidades mais vulneráveis, que geralmente são as que menos contribuem para as mudanças climáticas, mas que estão mais expostas a seus impactos.”
Estimativas colocam os sistemas e equipamentos de refrigeração consumindo 20% de toda a eletricidade produzida no mundo, com previsão de dobrar esse consumo até 2050. As emissões de gases de efeito estufa,resultante do consumo de energia, aumentarão juntamente com o vazamento de gases refrigerantes com potencial de aquecimento global muito mais significativo do que o dióxido de carbono. Continuando o cenário atual, prevê-se que as emissões provenientes da refrigeração serão responsáveis por mais de 10% das emissões globais em 2050.
Caso as recomendações do relatório sejam incorporadas, a reduçãodas emissões causadas pela refrigeração poderiachegar a 60% do projetadoatualmente para 2050, significando cerca de 3,8 bilhões de toneladas de CO2e.
As medidas estabelecidas no relatório, se adotadas,podem:
- a) permitir que mais de 3,5 bilhões de pessoas tenham acesso a geladeiras, aparelhos de ar-condicionado ou refrigeração passiva até 2050;
- b) reduzir as contas de energia dos usuários em US$ 1 trilhão em 2050 e em US$ 17 trilhões cumulativamente entre 2022 e 2050;
c)reduzir a necessidade da potência de pico entre 1,5 e 2 terawatts (TW), pertodo dobro da capacidade total de geração da União Europeia atualmente;
- d) poupar investimentos em geração de energia em torno de US$ 4 a US$ 5 trilhões.
O relatório descreve as principais estratégias de resfriamento passivo, padrões mais elevados de eficiência energética e uma redução mais rápida dos refrigerantes hidrofluorcarbonetos (HFC) por meio da Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal.
Setor supermercadista é um dos maiores consumidores de refrigeração
O setor supermercadista no Brasil é um dos que mais consomem energia, devido à necessidade de manter sistemas de refrigeração, iluminação, ar-condicionado e outras operações que demandam eletricidade. Estima-se que o consumo energético em supermercados represente cerca de 12% do consumo energético no comércio brasileiro, ou entre 3% e 5% do consumo total de energia elétrica no país, variando conforme o porte e a eficiência energética de cada estabelecimento.
Dentro do consumo energético de um supermercado, os sistemas de refrigeração e ar-condicionado destacam-se enquanto os maiores responsáveis pelo uso de energia. A refrigeração representa, aproximadamente, de 40% a 60% do total da energia consumida. Expositores, geladeiras, balcões e câmaras frigoríficas operam no sistema 24×7.
O ar-condicionado representa entre 10% e 20% do consumo energético, a depender do clima regional e do investimento em eficiência. Em regiões de clima mais quente, o percentual pode até subir.
Paradoxalmente, o setor tem demonstrado crescimento mesmo em períodos de crise econômica. E todas as previsões apontam para a expansão da rede, entre 3% e 5% ao ano, devido ao aumento da população e da urbanização, novos contingentes sendo absorvidos pela classe média, com elevação do acesso ao consumo, a expansão de redes de supermercados em regiões antes não atendidas, maior consumo de produtos processados, além da adoção de tecnologias para melhorar a eficiência operacional e a experiência do cliente.
O crescimento do setoré proporcional à pressão para a reduçãodo consumo energético e pela adoção de práticas mais sustentáveis. Isso inclui equipamentos de refrigeração e ar-condicionado mais eficientes, adoção de energias renováveis, sistemas de gestão energética para a monitoração e redução do consumo. Mas, acima de tudo, pensar em alternativas que desaguem, efetivamente, em maior eficiência energética.
Fluidos refrigerantes
Regulamentações ambientais, aliadas a avanços tecnológicos,têm moldado o futuro dos fluidos refrigerantes em supermercados. Dentre as possibilidades estão as que seguem.
- A transição para gases de baixo PCA (Potencial de Aquecimento Global), com destaque para os acordos internacionais, como a Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal, incentivando a redução de fluidos refrigerantes com alto PCA, como os hidrofluorocarbonetos (HFCs).Têm-se colocado como substitutos os chamados fluidos naturais, particularmente o dióxido de carbono (CO₂), a amônia (NH₃) e os hidrocarbonetos, como propano e isobutano.
- Adoção de sistemas de refrigeração transcrítica e subcrítica.
- Inovações tecnológicas em compressores e trocadores de calor estão melhorando a eficiência dos sistemas de refrigeração, tornando os gases de baixo PCA mais viáveis. Ao mesmo tempo, sistemas de controle avançados e a automação estão sendo integrados para monitorar e otimizar o desempenho dos sistemas de refrigeração.
Obviamente,a transição para novos sistemas e para a adoção de refrigerantes alternativos, apresentam desafios. A começar pelos altos custos de investimento inicial. Muitos dos fluidos aventados apresentam riscos de toxicidade e inflamabilidade, forçando a um aperfeiçoamento da mão de obra, através de procedimentos de segurança e treinamento.
Nada que impeça o avanço dessa pauta. Afinal, os custos podem ser largamente compensados pelos ambiciosos números de retorno financeiro. Dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostram que a energia elétrica está entre os custos mais altos de um supermercado, atrás somente da folha de pagamento, representando uma despesa que pode chegara R$ 3 bilhões ao ano.
Pesquisa do Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de São Paulo (Sincovaga), realizada em 2021 com estabelecimentos de todos os portes- de mercearias a supermercados – mostrouque a energia elétrica ocupa de 15% e 25% do custo operacional desses estabelecimentos. Considerando que refrigeração e ar-condicionado representam cerca de 40% desse total, e se acrescentamos a isso a estimativa de desembolso do setor com vazamentos de fluidos refrigerantes em R$ 300 milhões anuais, o retorno justifica o investimento.
Algumas respostas para o futuro do ACR em estabelecimentos varejistas encontram-se nas páginas a seguir. Especialistas apontam as melhores opções para a climatização para cada tipo de estabelecimento, os sistemas de refrigeração mais apropriados e eficazes e sistemas integrados que podem resultar em alta economia de energia e de performance.
Ronaldo Almeida é editor e Publisher da revista Abrava+Climatização& Refrigeração e do Portal Engenharia e Arquitetura.