Norma brasileira da qualidade do ar interno é atualizada após quase duas décadas da sua criação e os resultados são muito bons

A norma brasileira que trata da qualidade do ar interior, a ABNT NBR 16 401, teve a sua primeira versão publicada em 2008. Em 2013 iniciaram-se as discussões para sua atualização. A partir daí, estabeleceu-se uma maratona de reuniões e discussões que conduzissem a um resultado que fosse expressão dos vários agentes do mercado: empresas fornecedoras, usuários de sistemas, instituições e academia.

Na avaliação de Wili Hoffmann, foram aproximadamente 50 reuniões do Comitê apenas para chegar à primeira consulta nacional, em 2022. A seguir, mais 10 reuniões para avaliação das contribuições, obrigando a uma nova consulta em dezembro de 2023. Após uma nova rodada de reuniões de trabalho a versão final foi publicada em novembro de 2024.

No entanto, o processo não se detém. No final de abril a comissão encarregada da atualização e revisão da Norma deliberou por reabrir as discussões em torno à sua Parte 3. Isso é assim porque uma norma, que deve orientar as instalações de sistemas de climatização, trazendo benefícios aos seus usuários, demanda um trabalho meticuloso.

Dentre as principais alterações introduzidas no processo de revisão estão, segundo Carlos Santos Jr., coordenador da engenharia de aplicação da Sicflux, “o cálculo de vazão de ar externo, a seleção de filtros, a aplicação de recirculação de ar no filtro, a exaustão contínua paralela à renovação de ar e os critérios máximos de concentração de CO2 e material particulado.”

“Observamos uma norma muito mais detalhada. As divisões por tópicos e separação por assuntos torna a compreensão e localização de pontos específicos muito mais fácil. Interessante, também, os múltiplos pontos abordados e a notória preocupação com o texto por parte de todos os envolvidos, na busca por discussões inteligentes para as mais diversas dúvidas referentes ao ar-condicionado. Temos de fato um compilado técnico para nortear projetos e instalações e um ótimo guia para localização de outras normas mais específicas para assuntos mais especiais, haja vista as diversas normas referenciadas na NBR 16.401-2024”, avalia Maurílio Oliveira, engenheiro de aplicação e novos negócios da Multivac/MPU.

O projetista e consultor Mário Alexandre Möller Ferreira, ativo participante do Comitê de revisão da Norma, destaca alguns pontos. “Algumas inclusões e alterações importantes foram elaboradas.A caracterização mais detalhada das etapas de trabalhos foi um dos itens.Também foram definidos mais claramente os limites de fornecimento entre as atividades de projeto e de instalação dos sistemas de climatização. Outra alteração foi a forma de apresentação das condições climáticas para as diversas cidades, sendo essa formatação mais clara e permitindo uma melhor visualização para os usuários.Alteração importante, também, foi elaborada na metodologia de cálculo para limites de vazamentos de ar em dutos, dando, assim, uma ênfase maior a esse importante aspecto das instalações de climatização.Também foram ampliadas as tabelas de dados de equipamentos e componentes que contribuem para a carga interna dos ambientes.”

Qualidade do ar interior

No que diz respeito à qualidade do ar interior, na percepção de Carlos Santos Jr., ocorreram mudanças consideráveis que quebram (ou iniciam novos) paradigmas. “Com relação ao formato de cálculo de vazão de ar externo e selecionamento de filtros, a versão de 2008 era muito direta: cada tipo de ambiente era tratado da mesma maneira, utilizando-se a mesma vazão e especificação de filtragem, independente de elementos como posição geográfica. A versão de 2024 traz uma mudança do ponto de vista que tira o projetista de uma posição confortável em que ‘a solução para todos os sistemas é a mesma’ e o orienta-o a fazer uma análise detalhada de cada caso. Dessa forma, deve-se considerar elementos específicos como a condição de concentração de dióxido de carbono (CO2) externo e de material particulado, pois a especificação do sistema irá variar diretamente do local da sua instalação.”

O coordenador de aplicação da Sicflux destaca, neste ponto, a seleção da filtragem. “Partindo de um ponto de vista da disciplina dinâmica da partícula, faz-se necessária uma medição ou estimativa da concentração de material particulado externo (que depende da vizinhança do edifício) e de geração de material particulado interno (que depende da atividade executada). A partir disso, faz-se um balanço de concentrações até que se defina qual eficiência de filtragem será suficiente para levar o ambiente às condições adequadas, no tempo previsto. Além disso, alguns detalhes mais simples como sugestão de controle de vazão por demanda de CO2 e necessidade de exaustão contínua, paralela à renovação de ar em alguns casos, também são exemplos de novidades.”

Oliveira, da Multivac, também destaca o aprofundamento das discussões sobre QAI.“Passando por referências claras de parâmetros gerais de conforto térmico e, principalmente, abordando níveis importantes de partículas em suspensão, CO2, VOC entre outros, notamos também a abordagem sobre padrões de COP, níveis de ruído, referências aos diversos tipos de dutos, isolamentos etc. Acredito que o compilado de assuntos e as atualizações dos parâmetros gerais em ambientes condicionados, desde temperatura até níveis de ruído, a abordagem clara sobre boas práticas em projetos e instalações e, ainda, o cuidado ao contemplar as mais atuais soluções para climatização, são as maiores e principais mudanças da NBR 16.401.”

Novos parâmetros para a QAI

A Norma, em sua nova formulação, avança na definição de alguns parâmetros fundamentais para as atividades de projeto e instalação. “Foram implementados itens promovendo um detalhamento das temperaturas, velocidades e umidade para conforto térmico dos ocupantes.Itens como a assimetria térmica têm destaque e, para os projetistas, com muita importância, haja vista a dependência do projeto de climatização em relação ao projeto arquitetônico”, destaca Möller Ferreira.

“Determinadas soluções de projeto arquitetônico se mostram de difícil resolução para que o projeto de climatização alcance os parâmetros requeridos e, em função disto, a integração entre os projetos é fundamental.Foram incorporadas figuras de gráficos estabelecendo as zonas de conforto em função da vestimenta e da taxa metabólica, sempre resguardando o conteúdo de umidade mínimo”, esclarece ainda o projetista.

Em relação à versão anterior, algumas mudanças são mais fortemente perceptíveis. “Na versão de 2008, os padrões aceitáveis de renovação de ar eram fixos. Sugeria-se concentração máxima de 1000 PPM de CO2 interno e a simples existência de um filtro de ar no sistema, conforme uma correlação tabelada: especificava-se uma determinada eficiência de filtragem para cada tipo de ambiente. A versão de 2024, por sua vez, é mais fluida. A concentração máxima de CO2interno passa a ser uma comparação com a concentração externa, indicando uma diferença de 500 ou 700 PPM a mais que no ar externo”, explica Santos Jr..

“Adiciona-se à definição de ar de qualidade, a concentração máxima de material particulado. Seguindo a também recente norma NBR 17037:2023, os valores limites são 50 μg/m³ para PM10 e 25 μg/m³ para PM2,5. Outras características, como velocidade máxima do ar (0,2 m/s) e umidade relativa (35% a 65%) se mantêm próximas ao indicado na versão de 2008”, esclarece, ainda, o engenheiro da Sicflux.

Essas novas definições, por óbvio, provocarão os fornecedores de equipamentos e sistemas. “Com maior definição dos limites de qualidade, de velocidade e, até mesmo, outros parâmetros, como qualidade do ar de renovação e classificações de filtragem, os equipamentos destinados a tratamento do ar externo e ventilação, em geral, devem ser mais versáteis com possibilidade de maiores ajustes e controles como, por exemplo, equipamento com motores eletrônicos para propiciar modulação através de automação ou mesmo sensores de CO2 ou diferencial de pressão em filtros. Podemos, inclusive, destacar algumas novidades quea Multivac está trazendo ao mercado com o intuito de atender as novas recomendações da Norma, pertencentes à família de gabinetes com motores eletrônicos, como as CFM, CVM e VXM e micro ventiladores para sanitários. Já estamos também fornecendo com motores eletrônicos as linhas New Muro e New Muro Plus”, informa Oliveira.

Filtragem do ar

As novidades no que diz respeito à filtragem do ar e seus benefícios para os usuários, são explicadas pelo projetista Möller Ferreira. “No cálculo de filtragem a abordagem principal é em relação aos tamanhos dos particulados e a eficiência de filtragem em relação aos mesmos.Também a forma de especificar a eficiência de filtros passa a ser a combinação entre a eficiência de filtros de recirculação, filtros de ar exterior e as taxas de renovação de ar.A qualidade do ar, que geralmente não é percebida pelos usuários, é fundamental para a sua saúde e desempenho das atividades cognitivas e físicas.”

Neste sentido, Santos Jr. enfatiza a importância da questão: “É difícil conceber que um sistema de tratamento de ar aplicado em um edifício na marginal do rio Tietê em São Paulo seja o mesmo para um prédio próximo aos jardins de Curitiba. Certamente a solução para o primeiro caso não é a mesma para o segundo, pois o perfil de odores, concentração de material particulado gases nocivos e, até do nível de ruído sonoro, são bem diferentes. Dessa forma, de acordo com o novo formato de interpretação da norma, o usuário recebe uma solução mais personalizada para sua necessidade e garante uma aplicação mais segura, principalmente em regiões com grande presença de tráfego, obras urbanas, zonas industriais ou ainda zona de manguezais e marítimas.”

Desafios para os fornecedores de equipamentos e sistemas

Mudanças tão significativas terão, sem dúvidas, impacto na vida dos fabricantes. “Definitivamente, é um processo desafiador para os fabricantes de equipamentos. Principalmente nas alterações sobre filtragem, definiu-se um novo formato de nomenclatura e classificação dos filtros. As clássicas denominações G4, M5, F8, Hepaetc. caíram por terra e uma nova versão, que indica a eficiência do filtro para determinados tamanhos de partícula (2,5 e 10 μm), foi apresentada. Isso exige que os fabricantes implementem em seus laboratórios novos formatos de testes de eficiência, o que demanda investimentos em infraestrutura e tempo. Também há grandes impactos no formato de apresentação de informações em catálogos, materiais de apoio e softwares de seleção de equipamentos, além de informações internas de fábrica, como códigos de rastreio e descrição de componentes de estoque”, avalia Carlos Santos Jr.

“Sobre QAI, a NBR 16401 aborda parâmetros mais moduláveis de níveis de CO2 e partículas em suspensão baseando-se, agora, em diferenciais quantitativos entre ambientes internos e externos. Diferente de antigamente, que se estipulava taxas fixas, a meu ver, agora trabalhamos de forma mais correta. Dedica, também, maior importância ao grau de filtragem, conforme os diferentes ambientes a serem tratados. Outro ponto muito interessante são as diferentes análises sobre as importantes questões para QAI e conforto térmico, tratando não só temperatura e umidade, mas dedicando valorizando outros fatores, como níveis aceitáveis de ruído e até mesmo velocidade do ar de insuflamento”, conclui Oliveira, da Multivac.

“Pode-se considerar que a NBR 16401-3:2024 é uma norma que exige mais do projetista e que irá aumentar o seu vocabulário. A normativa sai da posição de centro de definições do que deve ser alcançado em projeto e coloca o projetista como elemento decisor para analisar em cada caso o que melhor se aplica, pois, fórmulas que eram fixas viraram critérios variáveis e interpretativos.Por fim, além termos como carga térmica, umidade relativa, temperatura de bulbo seco e unidades como BTU/h, m³/h, que já fazem parte do dia a dia dos engenheiros e usuários, a Norma traz novos objetos de análise como concentração de material particulado (PM10 e PM 2,5), tempo de equilíbrio para diluição e unidades como μg/m³ que, agora, são adicionadas ao cotidiano do profissional de climatização” analisa Santos Jr..

Ronaldo Almeida, editor e Publisher da revista Abrava + Climatização & Refrigeração e do Portal EA

Crédito da Foto http://www.dreamstime.com/royalty-free-stock-images-modern-office-design-workers-collaborate-sunlit-space-panoramic-city-views-high-ceilings-ergonomic-furniture-boosting-image360186999

Veja também:

Início da atual revisão foi em 2013

Avanços na normatização da qualidade do ar interior

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