A climatização de estabelecimentos assistenciais de saúde requer, além da observação de parâmetros de conforto e qualidade do ar, o controle estrito de temperatura e umidade

Um projeto de climatização é crucial para garantir condições de conforto e qualidade do ar interior, garantida não só pela renovação do ar com filtragem ou depuração adequada, mas também com controle da temperatura, umidade, velocidade e turbulência do ar.

Esses mesmos requisitos se mantêm para um cenário hospitalar, mas a ABNT NBR 7256:2022 traz alguns critérios de projeto relativos à saúde, ao conforto e à segurança que são as diferenças determinantes para esse tipo de instalação.

O controle das condições termo higrométricas é necessário para, além de propiciar as condições de conforto encontradas nas ABNT NBR 16401:2024:

  • Manter condições termo higrométricas ambientais favoráveis a tratamentos específicos;
  • Manter a umidade relativa adequada para inibir a proliferação de microrganismos;
  • Propiciar condições específicas de temperatura e/ou umidade relativa para operação de equipamentos específicos.

Ainda segundo a norma de climatização hospitalar, agentes infecciosos podem permanecer em suspensão no ar e 99,97% dos agentes microbiológicos podem ser retidos em filtros de alta eficiência. Em áreas críticas, deve-se utilizar, no mínimo, filtros ISO 35H.

Segundo o Documento de posição Ashrae sobre aerossóis infecciosos de 2020, existem evidências e estudos usando análises metagenômicasde que o controle da umidade relativa (UR) reduz a transmissão de certos organismos infecciosos no ar, o que inclui certas cepas de influenza. Outro ponto é sobre relatos na literatura científica de que manter a UR entre 40 e 60% representam condições desfavoráveis para a sobrevivência de certos microrganismos, especialmente ao que tange infecções respiratórias.

Ainda no documento citado, a UR foi identificada como importante condutora de infecções em pacientes. Quando ela está abaixo de 40%, os aerossóis infecciosos encolhem rapidamente devido à desidratação, o que reduz o efeito de decantação gravitacional e permite que permaneçam muitas horas em suspenção e atinjam longas distâncias, aumentando o risco de contaminação. Em condições entre 40 e 60% UR, essas gotículas tendem a decantar e podem ser eliminadas com a limpeza hospitalar pertinente. Acima de 60%, é sabido que se torna um ambiente favorável para formação de fungos e proliferação de vírus e bactérias.

Nesse sentido, observa-se que a instalação hospitalar vai muito além do conforto e a Norma considera diversas restrições quanto ao projeto para garantir isso, o que implica controle maior de temperatura, umidade, tipo de duto, como utilizar a casa de máquinas, caminho dos dutos, além de exigir pressurização de alguns ambientes.

A pressurização nada mais é do que insuflar ou exaurir diferentes quantidades de ar no ambiente, o que provoca déficit ou superávit. Um diferencial de pressão em um ambiente fechado provoca um escoamento no sentido da pressão maior para a menor pelas frestas. Assim, um local com pressão positiva terá particulados migrando para outra zona e, como a zona adjacente está recebendo partículas de outro ambiente, é considerada com um risco menor. O objetivo principal da pressão positiva não é a migração de partículas, mas impedir a entrada delas. Lembro que esse fenômeno só ocorre se houver um diferencial de pressão, então, deve existir um ambiente tomado com referência para todo o processo de cálculo.

A NBR ISO 14644-4:2004 indica 3 metodologias de contenção para evitar contaminação cruzada: baixo diferencial de pressão e alto fluxo de ar (usada em fluxos unidirecionais), alta pressão e baixo fluxo de ar (diferencial de pressão elevado) e barreira física (isolador). Ainda que ambientes hospitalares sejam regidos pela NBR 7256:2022, é interessante observar os cuidados de biocontenção de um modo geral, eaplicá-la, dentro do permitido pela Norma citada, como medida complementar.

Com isso, pode-se concluir que a grande diferença de uma instalação convencional para uma instalação hospitalar é que muito além do conforto, que também é crucial, trata-se de um sistema que visa propiciar as condições necessárias para o desempenho das atividades médicas, a não proliferação de doenças, a proteçãodo paciente, do instrumental, dos equipamentos e insumos médicos, dos profissionais e, o mais importante, garantir a saúde de todos os atendidos pelo sistema.

O que levar em conta num projeto de AVAC hospitalar

Um projeto de AVAC hospitalar deve seguir as mesmas premissas de um projeto convencional, além de recomendações específicas relacionadas às destinações e atividades desenvolvidas em cada ambiente. Esse tipo de projeto deve ser feito com cautela, pois, no interior de áreas hospitalares, o paciente pode tanto ser a fonte como receptáculo de patógenos. Nesse momento, ressalto que as manutenções preditiva e preventiva, mais do que essenciais, são obrigatórias. Um filtro que estiver saturado, diminuindo a insuflação dos ambientes atendidos, pode provocar a proliferação de bactérias. Isso implica, dois cenários possíveis: Síndrome do Edifício Doente ou Edifício Relacionado à Doença. E isso pode acontecer ainda que o sistema tenha sido bem projetado, porque um filtro saturado descompensa o sistema.

Abro um espaço para explicar a síndrome do edifício doente e o edifício relacionado à doença.Em síntese, o primeiro é o nome usado para descrever doenças recorrentes e persistentes dentro de um edifício, sem que seja identificada uma causa específica ou uma doença específica, e o segundo relaciona-se a doenças diagnosticáveis em que se identifica o agente causador no sistema de ar ou na estrutura. No primeiro cenário é comum reportar fortes dores de cabeça devido à alta concentração de dióxido de carbono (CO2) ou outros componentes orgânicos voláteis. Altas concentrações de CO2 também diminuem o desempenho cognitivo e causam sonolência.

O primeiro passo para um bom projeto hospitalar e para garantir que ele seja exequível é conversar com a área assistencial. Entender as reais necessidades de quem vai utilizar o sistema é crucial e isso acabou se perdendo na pandemia. Projetistas, muitas vezes, se atentam apenas ao que está na planta e não buscam entender o fluxo do hospital e nem a sua dinâmica. Trabalhando na Secretaria de Saúde tive a oportunidade de visitar vários ambientes hospitalares e cada centro hospitalar atende uma comunidade diferente, com recursos e necessidades diferentes que um projeto engessado não vai atender. Essa visão pode vir com a prática, mas é uma recomendação encontrada no Ashrae Design Guide for Cleanrooms. Isso implica dizer que a norma existe para nos direcionar, mas não existe um padrão hospitalar. Cada edifício tem sua própria vida. Em projetos novos, de fato, é um pouco complicado visualizar o fluxo, mas ainda assim faz-se necessário conversar com o contratante e entender o que ele quer, o que ele precisa e, depois, encaixar e adequar os parâmetros normativos.

A Ashrae também chama a atenção sobre a análise de custos e público-alvo; tanto em redes públicas, quanto privadas, o atendimento só será sustentável se houver um controle estrito dos gastos, o que implica em evitar gastos desnecessários, não só no sistema a ser instalado, mas ao longo de toda a vida útil de operação. Essa observação é refletida no projeto ao selecionar máquinas, visto que fabricantes estão inseridos no mercado,existindo a pressão por “lançar o produto”, “vencer a concorrência” ou “ganhar participação de mercado”.Isso é difícil de controlar para fazer um projeto com o melhor custo-benefício. Por vezes, o mercado muda, o produto não está mais no mercado, mas o projetista tinha confiança naquele equipamento e surgem outros mais caros sem confiabilidade comprovada, por estarem há pouco tempo em uso. Então, é necessário um estudo de mercado para desenvolver um projeto.

Um ponto importante quando se trabalha em órgãos públicos é entender que existem mudanças constantes. Hoje, um ambiente é um escritório, mas, amanhã, devido à alta demanda, pode virar uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Ou o projeto previa 3 leitos, mas, durante a execução, foi possível adequar mais um leito. E como lidar com isso quando a ABNT NBR 16401 traz o seguinte: “Evitar superdimensionar o sistema. Os cálculos das cargas térmicas devem ser os mais exatos possíveis, evitando aplicar ‘fatores de segurança’ arbitrários para compensar eventuais incertezas no cálculo.” O fato aqui é entender que não estamos falando de incertezas de cálculo, mas sim de atender às demandas do hospital, sendo necessário deixar uma folga; é claro que essa folga não será alta a ponto de encarecer o projeto e torná-lo inexequível, mas garantirá que o sistema funcionará mesmo com imprevistos.

Depois de identificadas e levantadas todas as informações, é hora da classificação de risco. A NBR 7256:2022 traz uma tabela completa com diversos ambientes e seu grau de risco, basta consultá-la. Uma dica é colorir os ambientes para cada grau de risco, escolha uma cor para 1, 2 e 3. Dessa forma, fica mais fácil de definir as zonas. Durante esse projeto, é importante anotar a quantidade mínima de ar externo e insuflado exigido, se é necessária exaustão completa, pressão positiva ou negativa, faixa de temperatura, classe de filtragem do ar insuflado e se o controle de umidade deve ser preciso. Quanto ao controle de umidade, é preciso observar que, ainda que a norma solicite um máximo de 60% de umidade relativa, nas notas é dito: “Quando for citado UR máxima de 60%, recomenda-se um intervalo de umidade absoluta de 4,0 g/kg a 10,6 g/kg”, exigindo o conhecimento psicométrico do profissional de AVAC-R.

A classificação de risco é importante porque a recirculação do ar só é permitida se for proveniente do próprio ambiente, ou de ambientes do mesmo nível de risco, e pertencentes à mesma zona funcional, exceto em ambientes de isolamento de infecções por aerossóis (AII), materiais contaminados e emissão de vapores/gases. Então, é outro ponto de cautela ao desenhar a rede de dutos.

Tomadas de ar exterior devem estar localizadas de modo que a parte inferior da entrada do duto esteja a pelo menos 2metros acima do nível do piso, enquanto para descarga/exaustão essa altura aumenta para 3metros. E a distância entre o ar externo e a exaustão deve ser de, no mínimo, 8metros. E é importante ressaltar que dutos de exaustão não podem atravessar ambientes ou forros de risco 2 ou 3, o que dificulta bastante o projeto.

Para o cálculo de vazão de insuflamento deve-se considerar o maior de 3 cálculos. Esse momento é crucial, porque é preciso evitar a reversão de cascatas de pressão em salas, mesmo quando as portas permanecem fechadas. As etapas, então, são o cálculo da vazão requerida para atender a carga térmica, a vazão requerida pela NBR 7256:2022 e o balanço de massa. O controle da pressão é ajustado pela exaustão, então, recomenda-se nunca zerar a exaustão/retorno do sistema. O engenheiro J. Fernando B. Britto em seu artigo “Negativando” (Abril,2025), recomenda que a vazão de insuflação seja aumentada em, ao menos, 50% do vazamento de uma das portas durante o cálculo de balanço de massa. Vale ainda o alerta de que, se a vazão requerida pelo balanceamento foi muito maior do que o da carga térmica, é necessário fazer um reaquecimento para reduzir a difusão e controlar as condições termohigrométricas adequadamente.

É importante lembrar que, para os estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS), é preciso garantir um sistema de redundância para a continuidade do serviço mesmo quando acontecer uma avaria de qualquer parte do sistema ou paradas para manutenção preventiva. Hospitais e clínicas não podem parar, então é preciso prever esse cenário.

De acordo com o Ashrae Design Guide for Cleanrooms, a redundância pode ser abordada em nível de componente com considerações cuidadosas durante o projeto para minimizar ou eliminar pontos únicos de falha. Isso implica dizer que sempre é necessário ter um sistema de backup em caso de falha ou considerar máquinas operando em conjunto. Nesse momento, lembro que não é ideal ligar as máquinas em um mesmo duto; caso uma falhe, pode danificar a que continuar em operação. Considere a operação conjunta com máquinas individualizadas. Mas é importante lembrar que o layout elétrico deve ser dimensionado adequadamente, caso contrário, uma pequena falha pode parar todo o sistema.

Um bom projeto prevê espaço para manutenção, porque é um projeto com uma quantidade considerável de equipamentos, mas, principalmente, para que eles continuem operando de forma satisfatória e cumpram o dever de propiciar qualidade do ar interior, evitando sepse e outros problemas já mencionados, é preciso manutenibilidade.

Associação de fancoils e bombas, seja em série ou em paralelo, é sempre uma física complexa e que envolve muitas incertezas. Se possível, evite esse tipo de configuração, mas, se ainda assim for necessário, é aconselhável que para o sistema em paralelo elas tenham a mesma perda de carga e, para sistemas em série, a mesma vazão. Isso facilita os cálculos e ajuda na previsibilidade da curva. De toda forma, consulte o fabricante para evitar a perda de garantia dos equipamentos a depender do que se planeja executar.

É preciso atençãoàs boas práticas básicas de engenharia; já precisei ajustar projetos de empresas que entregaram dutos com tamanhos totalmente inexequíveis. O tamanho mínimo recomendável é de 100mm. Sempre prefira curvas suaves, o raio de curvatura vai depender do tamanho do duto, mas escolha o maior possível dentro das restrições de espaço e custo, o que garante eficiência, baixo ruído e economia de energia.

Como o projeto envolve pressurização de ambientes, o posicionamento das grelhas e difusores é muito importante. Evitar os famosos curtos-circuitos é uma tarefa desafiadora em alguns momentos, mas pode ser resolvido fixando aletas em posições de 45°, por exemplo. Insuflar a 180°, rente ao teto, e colocar a exaustão/retorno logo depois é sempre um perigo, devido ao efeito Coanda. Esse efeito é caracterizado quando um fluido tende a aderir à superfície até que forças de pressão ou viscosidade o soltem. Na configuração descrita, o ar não tem tempo de soltar-se do forro e acaba por não trocar calor com o ambiente e temos, então, um curto-circuito. Para resolver esse problema, insuflar a 45° é uma ótima solução, ou colocar o retorno atrás do duto de insuflação, o que obriga o fluido a voltar depois de perder a aderência e alcançada a troca térmica desejada. A NBR 7256:2022 traz exemplos de configurações para alguns ambientes que é interessante seguir, salvo a sala de cirurgia que tem restrições mais rigorosas, sendo recomendável replicar o que a Norma traz. Particularmente, não gosto de zerar a exaustão de nenhuma sala hospitalar, ou salas limpas de um modo geral, pois, por mais que exista insuflação unidirecional na sala, a exaustão de voláteis também é importante para garantir a assepsia do ambiente.

Além de atender a Norma, a tecnologia é importante nesse momento, fazer análises de CFD (ComputationalFluid Dynamics) pode ser interessante em alguns ambientes críticos para observar configurações diferentes, verificar se a climatização será efetiva, evitar zonas mortas (locais onde não há circulação de ar) e até mesmo simular como um patógeno irá se comportar e propor o melhor posicionamento de difusores e grelhas para impedir ou diminuir as chances de sepse durante uma cirurgia. Diversos estudos já foram feitos, mas isso não impede que a engenharia continue progredindo.

A Norma permite a utilização de máquinas em certos ambientes, desde que seja de fácil manutenção e atenda aos níveis de filtragem. Nesse momento, eu peço atenção e cuidado aos novos modelos de split hi-wall residencial e filtro HEPA. Filtros de alta eficiência têm ensaios e classificação própria e alta perda de carga e dificilmente hi-walls convencionais residenciais terão ventiladores potentes o suficiente para superar esse tipo pressão estática. É bem provável que seja um filtro PM2,5 90% ou algo próximo disso, mas não um filtro que somente máquinas de alta eficiência conseguem atender. Isso é um alerta e é importante antes que sejam utilizados em ambientes hospitalares. Como resolver o problema? Exija certificação do laboratório em que o filtro foi feito. Isso vai garantir a segurança e a saúde de todos, além de economia.

Para selecionar as máquinas, lembre-se de considerar a perda de carga nos filtros ao dimensionar os dutos ou verificar se o fabricante já considerou essa perda. O ar não volta de bom grado pelo retorno, é importante lembrar de considerar a perda de carga do retorno ao selecionar um fancoil ou Unidade de Tratamento de Ar (UTA). Nunca utilize exaustor captando ar no duto de retorno, uma vez que dificulta ou até impossibilita o processo de regulagem do diferencial de pressão.

Se optar por colocar hi-wall de expansão direta ou hidrônico em alguma sala administrativa do hospital, por qualquer que seja o motivo, lembre-se de calcular a tomada de ar externo de acordo com a 16401:2024 e garantir a exaustão para não prejudicar a pressurização dos ambientes adjacentes. Esses equipamentos só insuflam e retornam o mesmo ar, o que deixaria o balanceamento no zero a zero, podendo ser retirado do cálculo, mas, a partir do momento que se coloca uma vazão de ar externo, a sala não tem mais uma pressão neutra e é preciso fazer um controle com exaustão, o que é importante para garantir as trocas de ar.

Quando se fala de pressurização, ressalto que se deve considerar ambientes vedados, ou seja, não é possível considerar a entrada de ar de outros ambientes por grelhas nas portas. O único ambiente que a renovação de ar não necessariamente precisa ser proveniente do exterior, podendo ser de ambiente contíguo, é o banheiro, mas o nível de risco precisa ser inferior a ele. Para banheiros de áreas controladas utiliza-se o anexo C da NBR 7256:2022.

Se for utilizar o sistema de vigas frias e tetos radiantes, considerar de forma correta toda a troca de calor, capacidade do equipamento e verificar a carta psicométrica quanto a temperatura de orvalho para altitude da cidade da sua instalação. Lembrando que as vigas frias e tetos radiantes operam, majoritariamente, por troca térmica sensível e utilizam água a temperaturas moderadas, acima do ponto de orvalho do ambiente, para absorver o calor por convecção e radiação. Isso implica dizer que ambientes com alto calor latente não são bons candidatos para sua aplicação, fora as restrições de recirculação do ar. Por fim, sugiro seguir as demais recomendações pertinentes da ASHRAE.

Nathália Holanda Dantas é engenheira mecânica e Assessora Especial da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, lotada na subsecretaria de infraestrutura, atuando nas áreas de projetos de climatização hospitalar e suporte para gases medicinais, elevadores e manutenção

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