Um dos atuais desafios da humanidade é a gestão dos recursos hídricos. O Brasil possui uma situação relativamente confortável nesse setor, porém há desigualdades na distribuição da água e os fenômenos climáticos agravam, ainda mais, a situação. Assim, toda inclusão de metodologias sustentáveis é um passo a mais para a preservação do meio ambiente.

A técnica de reaproveitamento da água de condensação é quase que obrigatória, pois, tendo em vista o cenário, não reaproveitar a água proveniente da condensação de equipamentos de ar condicionado pode ser considerado um desperdício. Para Anderson Rodrigues, diretor da Artécnica, a captura do condensado é bastante simples, bastando uma rede hidráulica com isolamento térmico dedicado e um sistema de captação e tratamento. É importante considerar algumas variáveis, como a localização geográfica do prédio e sua zona climática, o tamanho e o número de edifícios e se são novos ou adaptados, a carga térmica de tratamento de ar, e a quantidade de condensado produzido. Ainda, segundo o profissional, a última variável pode ser difícil de medir, embora algumas diretrizes gerais estejam disponíveis.

Como exemplo, cita um estudo apresentado por um grupo de estudantes no CONTECC – Congresso Técnico Científico da Engenharia e da Agronomia, em 2015. O estudo, realizado num edifício residencial localizado na cidade de São Luis (MA), teve como base quatro aparelhos de ar condicionado de janela de 9000 BTUs cada. Os aparelhos funcionavam durante 10 h/dia, gerando 0,750 ml/h de água condensada. Totalizando, num período de 31 dias, 930 L/mês. De acordo com os dados obtidos pelos estudantes, o condomínio possuía 198 aparelhos de ar condicionado de janela com potencia média de 9000 BTUs. Concluiu-se que o condomínio poderia gerar 46.035 L/mês a serem utilizados nos jardins ou limpeza.

Outro estudo, citado por Rodrigues, foi apresentado numa revista de iniciação científica. Foram analisados, em uma indústria localizada na cidade de Canoas (RS), dez equipamentos com potência entre 12.000 e 36.000 BTUs. O estudo analisou o potencial de reaproveitamento da água de condensação gerada por aparelhos do tipo split. Com o objetivo de identificar a sua qualidade, de acordo com a Portaria 2914/2011 MS, NBR 15.527:2007 e pela ANA – Agência Nacional de Águas (2005), foi necessário realizar uma análise de parâmetros físico-químicos e biológicos da água. Os resultados da análise indicaram amostra sem potencial contaminante. As medições, em um período de oito horas, chegaram ao volume estimado de aproximadamente 64,5 L/dia.

Instalação de torre de resfriamento

Edison Tito Guimarães, diretor da Datum, corrobora a opinião de Rodrigues: “Ao invés de lançar o condensado na rede de esgoto, cria-se uma tubulação de captação que enviará a água ao sistema de tratamento e reuso”.

“Na remoção da carga térmica temos duas parcelas: a de calor sensível (variação de temperatura) e a de calor latente (variação do conteúdo de umidade no ar). Portanto, o rejeitado do processo de desumidificação (calor latente) é vapor de água condensado, uma água de boa qualidade, se a higiene do equipamento e do sistema de drenagem for mantida. O reaproveitamento dependerá da necessidade e disponibilidade da água. O calor latente de uma instalação completa, considerando a carga do ar externo, é em torno de 25%, podendo oscilar de 66% (100% de ar externo) a 10% (centro de processamento de dados). No mínimo poderá ser usada como água cinza, qualidade aceitável, mas não potável; nesse caso podemos repor parte da água de reposição para torres, regar plantas, limpeza do edifício e uso em banheiros”, explica Oswaldo de Siqueira Bueno, da Oswaldo Bueno Engenharia.

O profissional comenta, também, sobre um de seus trabalhos mais marcantes, o resfriamento de ar de admissão de turbinas de combustão para a Petrobras. Para aumentar a produção de gás natural de petróleo seria essencial aumentar a vazão bombeada e a potência da turbina, fazendo-se necessário reduzir a temperatura do ar de admissão de 32°C para 15°C. “No processo de resfriamento a carga latente, a condensação do vapor de água, ou seja, água líquida com concentração reduzida de sal, era um dos rejeitados. A água doce é muito importante em uma plataforma petrolífera offshore no mar, onde a água doce era obtida pelo processo de osmose reversa, tornando o seu custo muito alto. Com uma capacidade de refrigeração de 2100 kW (600 TR) e uma vazão do ar de admissão de 41 kg/s, tivemos um ganho médio anual de potência motora de 9,35% e um volume diário de água condensada de 21,5 m³/dia. Com o aproveitamento da água condensada o retorno do investimento foi reduzido de dois anos (aumento da potência) para quatro meses”.

Para Bruno Bonaldi, engenheiro de aplicação da Evapco, o principal ponto de atenção em torres de resfriamento é a qualidade da água usada, não importando sua origem; uma água de baixa qualidade reduzirá sensivelmente a vida útil das torres do resfriamento, tubulações e condensadores. “Para maximizar a vida útil das torres, a nossa empresa fornece um guia com os parâmetros a serem seguidos em sistemas evaporativos. Onde a fonte de água é de baixa qualidade é muito importante consultar uma empresa especializada em tratamento químico para definir qual o melhor tratamento a ser utilizado. Caso isso não ocorra, o cliente final terá um gasto maior e desnecessário com o seu tratamento”.

“A qualidade da água de reposição e a concentração de sólidos dissolvidos na água da torre de resfriamento interferem no desempenho do processo de resfriamento evaporativo. A água passa a ser uma solução aquosa alterando a temperatura saturada de evaporação ou mesmo tornando-a corrosiva ou incrustante. É obrigatória a análise periódica da qualidade da água, reduzindo a quantidade de sólidos dissolvidos através de purga e do tratamento químico e biológico da água”, diz Bueno.

Rodrigues acredita que os fatores que mais influenciam se a coleta de condensado é economicamente justificada são os descontos (créditos governamentais, pontuação por certificação, custo da água e disponibilidade de água) disponíveis na instalação desse sistema.

Economia no consumo de água

“O consumo de água nas torres de resfriamento por evaporação e arraste não mudam conforme a origem da água, assim, a economia de água está atrelada à quantidade de água de reuso utilizada nas torres. Por outro lado, caso a água de reuso tenha uma qualidade inferior à água normalmente utilizada, o consumo de água pela purga será maior, mantendo as concentrações dentro dos níveis indicados, ou necessitará de um tratamento de água que corrija os parâmetros mínimos necessários na qualidade da água”, argumenta Bonaldi.

“As torres de resfriamento são ‘vorazes’ consumidoras de água. A redução é relativamente pequena, mas importante. Realizemos algumas análises e o retorno é perto de 5%”, diz Tito, da Datum.

No Brasil, segundo Rodrigues, não há dados sobre economia no consumo de água utilizada nas torres de resfriamento. Mas, segundo ele, um estudo publicado no Ashrae Journal (edição junho de 2005), por Karen Guz (diretora de Conservação do Sistema de Água do município de San Antonio, no Texas), apresentando a instalação de um Sistema de Recuperação de Condensado (CRS) no estado do Texas (EUA), aponta que as taxas de produção de condensado dependem de como o edifício é usado. Usuários, atividades, máquinas e equipamentos podem aumentar a taxa de produção de condensado. Edifícios comerciais e industriais exigem um ambiente controlado em uma área grande e, portanto, possuem enorme potencial para capturar grandes volumes de condensado. A equação desenvolvida por Guz mostra que durante o verão a produção máxima de conensado pode estar na faixa de 0,5 a 0,6 gph/1000 ft² (304,8 m²) de área resfriada.

Ainda, segundo Rodrigues, Guz (2005) descobriu que edifícios com uma área superior a 100.000 ft² podem gerar volumes de água de condensação suficiente, permitindo períodos de retorno mais baixos para o CRS. “Ela recomenda várias aplicações em que a água condensada pode ser usada, como em torres de resfriamento, irrigação e paisagismo, fontes, lagoas decorativas, resorts de golfe etc. A profissional explica, também, que a água condensada tem qualidades de água destilada quando formada nas bobinas, mas pode ser contaminada durante o processo de transporte; nesse caso recomanda-se o tratamento com cloro ou ozônio. O condensado abordado no standard da Ashrae é orinduo de serpentinas de resfriamento de grandes UTAs, como em instalações comerciais e institucionais. Apenas grandes UTAs produzem condensado suficiente para justificar a despesa de coletar e usar condensado no local. Este limite de tamanho se reflete no requisito da Norma ASHRAE 189.1 de coletar condensado para reutilização de “unidades de ar-condicionado com capacidade superior a 65.000 Btu / h (19 kW).”

Programas de simulação energética, como o Energyplus ou o Trace, fornecem estimativas aproximadas sobre a quantidade de condensado produzido por uma UTA. “Essas estimativas precisas são baseadas em modelos matemáticos e dados de arquivos climáticos confiáveis. Outra maneira de estimar a captação de condensado é usando as fórmulas descritas no manual San Antonio Condensate Collection and Use Manual for Commercial Buildings“, comenta Rodrigues.

Economia no consumo energético

Nas torres de resfriamento, segundo Bonaldi, a redução do consumo energético não está atrelada à origem da água, mas sim às condições climáticas da região onde está instalada. “Quanto maior a variação do clima nessas regiões, maior será a economia energética, uma vez que as torres devem sempre ser dimensionadas para o período mais quente e úmido do ano, tendo sua performance certificada pela norma CTI STD 201, assim, em períodos mais frios, pode-se utilizar variadores de frequência para reduzir a rotação dos ventiladores e, consequentemente, reduzir o consumo elétrico. Vale ressaltar que de acordo com a lei dos ventiladores a redução do consumo elétrico equivale ao cubo da redução da rotação”.

Tito argumenta de um ponto de vista geral: “Tratar e bombear água em uma cidade consome muita energia. As cidades perdem muita água na distribuição, o que agrava mais o problema. Água reciclada evita o consumo de muita energia”.

“Normalmente, a água irá fluir por gravidade conforme o projeto da drenagem da água condensada. Poderão ser necessárias bombas de drenagem em unidades internas tipo high wall e cassete (tanto de expansão direta como hidrônico (água gelada)). Do tanque de armazenagem poderá ser necessário bombas de circulação de água. Tudo dependerá do projeto”, diz Oswaldo Bueno.

Tratamento

“A água condensada é aparentemente limpa, pois é vapor contido no ar que foi condensado. Mas muitas impurezas se agregam nas aletas das serpentinas, o que pode vir a ser um problema.  Por esta razão é necessário o tratamento, tanto físico quanto bacteriológico”, diz Tito.

“Acredito que nenhum tratamento especial seja necessário, pois o condensado é considerado uma boa água, com baixo conteúdo mineral, podendo ser usado, além das torres de resfriamento, em várias outras aplicações, até mesmo em vasos sanitários, se filtrada e desinfetada. A água do banheiro pode borrifar como um aerossol, o que poderia expor as pessoas à bactéria Legionella. O mesmo risco se aplica quando o condensado de AVAC é usado em aspersores de gramado, embora esse risco não esteja associado à irrigação por gotejamento. O engenheiro E.W. Bob Boulware, autor do livro Alternative Water and Wastewater Management System, nota que o condensado também pode ser usado em piscinas (nesse caso é necessário o uso de um biocida) e até mesmo em água potável, se forem tomadas medidas para reduzir o risco de Legionella e outras formas de contaminação biológica. Diante disso, o tratamento incluiria desinfecção com luz ultravioleta, pastilhas de cloro, injeção de ozônio ou elevação da temperatura da água para pelo menos 60°C (acima de 54°C a Legionella é eliminada da água). Embora a presença de Legionella, mesmo em níveis baixos, seja uma preocupação, níveis mais altos são particularmente inseguros. Boulware explica que a maioria das fontes naturais de água não são infecciosas, mas podem se tornar problemáticas quando um dispositivo amplificador, como um condicionador de ar, está presente. A contaminação do condensado do ar condicionado pela Legionella é tão comum que os kits estão comercialmente disponíveis para adicionar ao condensado para inibir o crescimento microbiano”, disserta Rodrigues.

Charles Godini – charles@nteditorial.com.br

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