Embora de menor letalidade, a variante ômicron veio dar razão não somente àqueles que acreditam ser impossível relevar os efeitos da Covid-19 mas, principalmente, aos profissionais que sempre insistiram sobre a obrigatoriedade no cumprimento das normas e recomendações das várias entidades do AVAC e de órgãos regulamentadores. Longe de estabelecer novos protocolos ou procedimentos, a pandemia impõe o respeito àqueles que já existem, mormente no que diz respeito aos sistemas de tratamento do ar de renovação e de recirculação.

É o que defende Marcos Santamaria Alves Corrêa, da engenharia da Indústrias Tosi. “A Covid – 19 veio lançar uma luz na necessidade imperativa de cumprimento das normas já existentes referentes a renovação de ar dos ambientes climatizados e também as normas e outros dispositivos legais referentes à manutenção de sistemas de condicionamento de ar, com o estabelecimento de planos de manutenção operação e controle, o famoso PMOC.  Estes protocolos já estavam estabelecidos, a virulência do vírus alterou apenas eventualmente a periodicidade recomendada de inspeções e troca de filtros, e sempre que possível e viável tecnicamente o aumento nas taxas de renovação de ar.”

“Há um pressuposto que o ar de renovação está isento de vírus. Então, não diria que um protocolo, mas uma recomendação seria que novos projetos, fossem elaborados de tal modo que se possa, se necessário, aumentar o ar exterior, mas os filtros da tomada de ar exterior devem seguir as recomendações da NBR 16401”, corrobora Celso Simões Alexandre, da Trox Américas.

Por sua vez, Robert van Hoorn, Diretor Comercial da Multivac, pondera, acerca da nova variante, que no início a capacidade de contágio assustou as autoridades, mas com mais informações e dados à disposição percebe-se ser de menor letalidade. “O que aprendemos ao longo dos últimos 2 anos é que não há nenhuma ação capaz de barrar as infecções na sua totalidade, mas que a combinação de ações pode deixar a situação mais fácil de administrar. Neste contexto, os sistemas de ar-condicionado e ventilação exercem um papel importante em reduzir as possibilidades de contágio. O que vimos aqui na Multivac nestes últimos 2 anos é que mesmo em instalações de split a atenção pela renovação de ar está sendo levada mais a sério, sendo providenciada também em situações em que antes era negligenciada. Isso sem dúvida vai trazer benefícios para a QAI e para os usuários destes ambientes mesmo depois da pandemia.”

“A nova onda, com a variante ômicron, veio como mais um alerta para as nossas instalações, reforçando a necessidade de respeitar as normas e boas práticas de projeto e instalações. Diretrizes já existiam desde a NBR 6401 de 1980, revisada e aprimorada; temos, também, intervenções com poder de lei como a portaria da ANVISA – RE09 de 2003, tudo isso foi criado antes da pandemia de 2019”, reforça André Zaguetto, da Sicflux.

A mesma interpretação tem Leonardo Cozac, CEO da Conforlab e um dos fundadores do Qualindoor Abrava. “Em relação aos sistemas de AVAC, seguem as mesmas orientações desde o início da pandemia. Melhorar a renovação do ar, nível de filtração e purificação do ar, manutenção e limpeza dos componentes de todo o sistema. Os sistemas de climatização bem projetados, instalados e mantidos são fundamentais para redução dos riscos de contaminação do vírus, e outros contaminantes, pelo ar.”

“Podemos gradualmente voltar para uma vida pré-coronavírus no próximo ano. Ainda assim, um novo vírus letal pode surgir a qualquer momento, e vale a pena levar isto em conta na definição da taxa de renovação do ar interno dos novos sistemas AVAC. Por exemplo, no aspecto de bem-estar dos seres humanos no espaço interno com ar-condicionado a recomendação dos especialistas para a taxa de renovação do ar interno normalmente exige as leis em vigor. O aumento da taxa de renovação do ar interno traz vantagens com ou sem pandemias”, alerta Bo Andersson, Diretor da Heatex.

Renovação do ar

“Não há exigências especiais nestas áreas. A renovação de ar, se for maior do que o especificado nas normas, beneficia a diminuição de concentração por unidade de volume de ar manipulado, o que diminui o grau de contaminação. Sabemos, sim, que é interessante limitar o número de pessoas por ambiente e, não permitir aumento de número de pessoas, imaginando que com filtragens melhores ou mais ar exterior se soluciona o problema. As normas 7256 e 16401 continuam a ser as referências”, explica Simões Alexandre.

Zaguetto reforça a explicação. “Estes temas são tratados pela norma ABNT NBR 7256 no caso de hospitais e estabelecimentos de saúde e nos demais pela norma ABNT NBR16.401 parte 3. Para cada tópico existe uma tratativa específica. No caso dos hospitais e estabelecimentos de saúde, existe a norma NBR 7.256 que acabou de ser revisada e estabelece não só níveis de filtragem para os devidos ambientes como a forma de fluxo de pessoas dentro dos ambientes para evitar a contaminação. Para ambientes com alta taxa de ocupação, a renovação deve respeitar a ABNT NBR 16401, lembrando que a renovação é muito importante para auxiliar na segurança dos ocupantes internos.”

Trocando em miúdos, Cozac diz ser necessário “manter os níveis de renovação em pelo menos 4 trocas de ar por hora. Se possível, instalar filtros de ar de maior eficiência para aerossóis. Sistemas de UVGI e foto catálise são barreiras adicionais importantes para redução de risco. Lembrando que qualquer alteração no sistema de AVAC-R deve ser feita por profissional legalmente habilitado. Importante destacar que é fundamental fazer a renovação com ar limpo, por isso atenção à filtração e tratamento do ar exterior.”

Mesmo com os riscos expostos pela pandemia, há quem veja grande resistência em tornar mais seguros ambientes com ocupação intensiva. É como vê Andersson: “No aspecto da renovação do ar interno, gostaria de salientar a situação das escolas e creches no Brasil. No exterior, as exigências da qualidade do ar interno nas escolas e creches estão entre as mais rígidas, com taxa de renovação do ar interno acima dos níveis aceitáveis em edifícios, shopping centers etc. No Brasil, escolas e creches ficam fora da lei em vigor sobre renovação do ar interno, ou, pior ainda, os municípios e sócios particulares simplesmente não obedecem às leis em vigor. Isto é uma situação ruim; todos os parentes com crianças na creche ou escola sabem com que facilidade as viroses e bactérias são transmitidas através das suas crianças. O custo da sociedade brasileira, em forma de transmissão de doenças, deve ser muito alto.”

Apontando uma luz no fim do túnel, van Hoorn afirma que “as normas em si não mudaram as taxas de renovação, mas as pessoas estão levando o assunto mais a sério e prestando mais atenção na renovação do ar e a filtragem do ar que é recirculado. Aqui na Multivac tivemos muitas consultas de escolas que trabalham somente com aparelhos split nas salas.”

Qualidade do ar e dispêndio energético

O grande inibidor do respeito às taxas adequadas do ar de renovação e mesmo de sistemas mais eficientes de filtração, é o custo da energia. Além de pesar no bolso, o alto consumo energético impacta na conta ambiental. A degradação avança célere como a lebre, enquanto as medidas de mitigação caminham na velocidade do cágado. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em seu último relatório, já vê poucas perspectivas de conter o desastre. Nunca a qualidade de vida esteve tão entrelaçada com a qualidade dos ambientes internos. Como pontua Cozac, “esse é um exercício fundamental que deve ser feito por um consultor ou projetista especializado em sistemas de AVACR. É necessário esse equilíbrio entre consumo de energia e QAI. As soluções de engenharia estão disponíveis e devem ser usadas com esse propósito.”

“Não tem almoço grátis”, dispara Simões Alexandre, “mas em novos projetos a utilização de recuperadores de calor, novas tecnologias como uso de ventiladores com motores EC, a utilização de materiais e vidros de melhor qualidade, sombreamentos adequados, são alguns dos caminhos a percorrer. Não podemos nos esquecer das instalações existentes que continuarão ocupadas e precisarão passar por retrofits e, neste caso, a substituição de certos componentes por outros com novas tecnologias mais eficientes energeticamente serão vitais. A utilização da Internet das Coisas, automação e a gestão da energia é um caminho para que seja possível agir proativamente no controle do consumo energético.”

Zaguetto atrela as soluções ao perfil climático de cada região. “A renovação de ar só traz incremento de carga térmica em dias quentes, na região sul/sudeste em dias frios a renovação de ar ajuda a dissipar a carga térmica. Outro fato que ajuda a mitigar a carga térmica proveniente do ar externo é trabalhar com ambientes a temperaturas maiores, tais como 26Co e, também, é muito importante o tipo de vestimenta utilizada pelos usuários; roupas leves proporcionam conforto térmico a temperaturas ambiente maiores.”

“Outra forma muito de diminuir os gastos de operação é prover a ventilação de renovação de ar com recuperação de energia gasta pelo sistema de ar-condicionado, os recuperadores de calor aproveitam a temperatura interna para trocar com o ar externo. Hoje existem sistemas que recuperam 70% da temperatura de insuflação. Lembrando que para aplicar um recuperador de calor é necessário fazer um estudo de viabilidade que varia de acordo com a região, temperatura e umidade são fatores decisivos quando queremos inserir esse produto em nossos projetos”, completa o consultor da Sicflux.

Santamaria introduz um argumento financeiro: “No que se refere ao maior dispêndio energético por conta do aumento nas taxas de ar de renovação é importante ressaltar que, do ponto de vista financeiro, o custo do afastamento do trabalho devido a doenças respiratórias e os respectivos custos de atendimento médico são muito maiores do que a aumento no custo da energia consumida, mas ainda assim é um problema a ser equacionado tendo em vista a crise energética, e algumas ações podem ser tomadas.”

Equipamentos e tecnologias

Existem soluções e tecnologias que possibilitam manter a qualidade dos ambientes internos sem o consumo exacerbado de energia. Bo Andersson lista algumas ações. “A roda entálpica reduz a carga térmica da renovação do ar interno em 70% a 75%, economizando em consumo de energia e na capacidade instalada do sistema AVAC. E o custo de aumentar a taxa de renovação do ar interno em um sistema AVAC com rodas entálpicas é reativamente insignificante.”

“Existe também sistemas AVAC mais modernos do que normalmente são aplicados no Brasil, como um sistema DOAS e resfriamento hidrônico do espaço interno.  Estes sistemas modernos representam a melhor forma de minimizar o consumo de energia do sistema AVAC com potencial de economizar 30% a 35% da capacidade e do consumo de energia. Um sistema AVAC com DOAS e resfriamento hidrônico do espaço interno já é aplicado na Europa há muitos anos, e está em crescimento nos EUA e na Ásia. O payback comparado com um sistema tradicional pode levar entre 1 a 4 anos, dependendo de vários fatores. Com melhor eficiência e menor custo de manutenção, este sistema é um investimento excelente que se paga em poucos anos e depois gera economia por muitos anos, em um investimento que normalmente tem uma vida útil acima de 50 anos. Vamos lembrar, também, que um prédio com baixo consumo de energia vale mais no mercado”, completa Andersson.

Uma Unidade de Tratamento do Ar pode adaptar-se perfeitamente à nova realidade de surtos virais e crise energética. “Sobredimensionamento de serpentinas, ventiladores, tomadas de ar exterior e dutos; uso em todos os motores de variadores de frequência, ou ventiladores com tecnologia de motor EC, dampers de regulagem motorizados e selecionados com “autoridade”. Sistemas de filtragem como já referido e exigência de UTAs com grau de estanqueidade elevado. Utilização de emissores de UVC com potência adequada”, lista Simões Alexandre.

“Na Multivac temos os ventiladores das linhas CFM e CVM que foram desenvolvidos para a renovação de ar e que já incorporam espaço para os filtros de ar. Também desenvolvemos um sistema de controle e monitoramento (CMM) que pode ser usado em conjunto com os ventiladores para monitorar a QAI em real time e regular a renovação de ar de acordo com a necessidade, além de outras possibilidades como avisar e saturação dos filtros”, informa o diretor da Multivac.

Zaguetto cita, como exemplo de tecnologia a ser incorporada, o controle de vazão de ar externo pelo nível de CO2. “Pensando exatamente nisso, a Sicflux lançou em 2020 o sensor de CO2 que, além de possuir um display que informa a concentração naquele local, opera na velocidade do ventilador disponibilizando vazões de 30% (para concentrações de até 650 ppm de CO2), 50% (para concentrações de 651 a 950 ppm) e 100% (quando ultrapassa os 950 ppm) a fim de não impactar na carga térmica do setor.”

“Assim como a sociedade aprendeu a usar filtros para tratar a água de consome, está na hora de usar filtros e purificadores de ar para tratar do ar que respira. Como comparação, respiramos cerca de 10.000 litros de ar por dia, em comparação a cerca de 2 litros de água recomendado”, lembra Cozac.

A recomendação para o uso de ventiladores mais eficientes, acrescidos de soluções como tratamento dedicado do ar exterior, é recorrente. “O aumento do consumo dos ventiladores das caixas de ventilação ou dos equipamentos DOAS responsáveis pelo ar externo de renovação pode ser reduzido com a utilização de conjuntos moto-ventiladores mais eficientes, do tipo de acoplamento direto sem polias e correias e ainda dos chamados ventiladores EC (Eletronicamente Controlados) de altíssima eficiência. Já o aumento da carga térmica proveniente de uma maior vazão de ar externo de renovação, pode ser reduzida com o uso dos recuperadores de energia do tipo rodas ou cubos entálpicos, de acordo com a realidade climática de cada região, lembrando que no caso de cidades em que a entalpia do ar externo é maior que a entalpia do ar interno, não em todas as horas operacionais do ano, um sistema de by-pass deve ser previsto para que o sistema não aumente o consumo de energia em horários em que a entalpia do ar externo for menor do que a entalpia do ar interno”, indica Santamaria.

Uma conclusão evidente que se pode tirar da atual pandemia é que a sociedade passa a valorizar mais a qualidade dos ambientes internos. Cozac já constata que gestores prediais começam a dar maior atenção aos sistemas de climatização. “Antes da pandemia eram usados exclusivamente para conforto térmico dos usuários. Agora, além de manter temperatura adequada, deve ser usado para melhorar a qualidade do ar interno. A pandemia catalisou o aprendizado da sociedade em cuidar do ar que respira, principalmente em ambientes fechados. Acredito que em breve os smartphones serão capazes de alertar as pessoas quando entrarem em ambientes com uma baixa qualidade do ar. Isso obrigara os gestores e administradores prediais a cuidar melhor desse elemento fundamental ao ser humano.”

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