Em 1978 Sandra Botrel colocava os pés na engenharia ao ingressar no Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Inaugurava, assim, muito além do ofício, uma paixão, seguindo os passos do pai, o engenheiro Pérides Silva, pioneiro da engenharia térmica brasileira e fundador da Protherm, um dos primeiros escritórios de projetos do país, hoje dirigido por Sandra.

“Por temperamento, sou filha da mãe. Pela dedicação ao conhecimento, saí a papai”, diz ela, fazendo referência à sua expansividade social.

Inquieta, desde cedo procurou o que fazer no escritório de projetos. “Elaborava programas para a PI 59, uma maquininha programável. Ainda não era computador”. Em 1981 passou à situação de estagiária oficial. A primeira obra que acompanhou, fazendo fiscalização, e que fora concebida pela empresa, foi a primeira sede da CEMIG, o edifício Júlio Soares. Coincidência, ou não, 20 anos depois ela ganharia prêmios, inclusive o Destaques Smacna, pelo projeto de retrofit do mesmo edifício. Coincidentemente, o prédio da Forluz, construído defronte ao Júlio Soares, categoria Procel Triple A, também é um projeto da Protherm.

Ao concluir o curso, em 1984, passou a dividir as responsabilidades com o pai. “Papai ia aos clientes, concebia o projeto e, em seguida nós o desenvolvíamos. Era sempre ele quem estava na linha de frente. Um belo dia, ele me chamou para irmos juntos à reunião de um novo projeto. Lá chegando, ficamos conversando as pessoas e, quando deveria ter início a reunião, papai disse: ‘Olha, eu não posso ficar na reunião. Mas a Sandra fica e depois conversamos.’ Nunca mais papai voltou e, a partir dali, passei a ser responsável por todos os projetos de AVAC-R.”

Com Arnaldo Basile na homenagem na Noite do Pinguim

Dificilmente pode-se entender a história de Sandra Botrel sem conhecer um pouco a do engenheiro Pérides Silva, seu pai. Em 1973, ano em que criou a Protherm para “projetar, fiscalizar, dar assistência técnica e consultoria no campo de ar-condicionado”, ele já vinha de larga experiência em projetos vultuosos, como o icônico Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, projetado por Oscar Niemeyer em 1951. Foi, também, um dos maiores especialistas em acústica do Brasil, autor de “Acústica Arquitetônica”, obra de referência para estudantes e profissionais da área.

Silva era possuidor de uma paixão imensa pelo conhecimento, que buscava repassar sempre que podia. Foi, durante anos, dono da cadeira de conforto térmico e acústico no curso de arquitetura da Universidade FUMEC, em Belo Horizonte. Essa é outra característica que a filha herdou do pai, a quem serviu inicialmente como assistente na FUMEC e assumido a cadeira em 2002. Sandra, que tem mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura da UFMG, é também docente no curso de sustentabilidade da UFMG e da pós-graduação Lato Sensu na PUC-MG, na disciplina eficiência energética.

Eficiência energética tem sido, há tempos, a sua grande preocupação. Consciente de que tudo começa pelo projeto arquitetônico e os cuidados com a envoltória, busca conscientizar os arquitetos sobre a necessidade de pensar nestes termos, levando em conta a necessidade do conforto térmico.

Não por acaso, sua dissertação de mestrado, transformada em projeto, contemplou o estudo de caso do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, marco da arquitetura modernista. Inaugurado em 1943, o edifício foi projetado por Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Affonso Eduardo Reidy, com consultoria direta de Le Corbusier. Por se tratar de edificação sob proteção do patrimônio histórico, o projeto de climatização deveria respeitar as condições existentes sem alterá-las.

Oscar Niemeyer é personagem constante na história da Protherm. Um dos últimos grandes projetos do lendário arquiteto, o Centro Administrativo de Minas Gerais, inaugurado em 2010, teve o projeto de climatização assinado por Botrel. A obra, majestosa pela arquitetura, conta com avançada e ousada instalação de climatização distrital.

Centro Administrativo de Minas Gerais

A engenheira é uma das primeiras mulheres a destacar-se no ambiente do AVAC-R. É considerada a segunda geração dos profissionais exclusivamente dedicados a projetos. Ao lado de Carlos Kayano, Fábio Takacs, Claudio Misumi e Roberto Montemor, Botrel impulsionou as atividades do então Grupo Setorial de Projetistas, hoje DNPC da Abrava, no final dos anos 1990 e início do presente século. Com garra e coragem, e, por vezes, com o sacrifício da própria atividade empresarial, ela encabeçou as atividades do grupo ajudando a transformá-lo no que é hoje.

Após quatro décadas de atividades, Botrel mantém o mesmo vigor e entusiasmo pela vida e pelo ofício. Talvez um pouco mais desalentada pelo que ela denomina uma “luta inglória” de quem se propõe a fazer projetos eficientes e eficazes e não raro é obrigada a refazer inúmeras vezes, rebaixando a qualidade em nome de um duvidoso baixo custo inicial.

Merecidamente, foi homenageada por seus pares, através da Abrava, na 59ª. Festa do Pinguim, ineditamente realizada online no último 3 de dezembro. A homenagem teve um gosto especial: o pai, Pérides Silva, a recebera em 1994. Ao final, Sandra Botrel deixa uma recomendação àquelas que iniciam no AVAC-R: “Busquem o conhecimento técnico para se impor no mercado.”

Assista a entrevista completa clique aqui

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

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