Quinze meses após o primeiro caso detectado, em Wuhan, China, a covid-19 apresenta dados assustadores. No dia 7 de abril, o Mundo contabilizava mais de 131 milhões de infectados e quase 3 milhões de mortos. No Brasil, um dos principais focos mundiais da pandemia, os infectados eram 13 milhões, com 340 mil vidas ceifadas. No mesmo dia, o país registrava sua pior marca: mais de 4.200 mortes. Uma situação de tal gravidade que o mais renomado cientista brasileiro na atualidade, o médico Miguel Nicolelis, alertava para a possibilidade de os óbitos superarem os nascimentos.

Sem dúvida, uma pandemia que a cada dia revela-se como uma das mais abrangentes e letais que a humanidade conheceu, causou espanto e desorientação. Inicialmente, as respostas foram as mais diversas possíveis. O vírus parecia um organismo capaz de infiltrar-se por todas as superfícies e nelas permanecer por horas, quando não dias. Hoje, há um entendimento mais ou menos pacificado que a propagação acontece pelo ar. Justiça seja feita: o setor de AVAC, através de suas entidades no Brasil e no Mundo, sempre defendeu tal concepção.

“A pandemia da covid-19 pegou o mundo de surpresa e, para o ramo do ar-condicionado, não foi diferente. Aqui, no Hemisfério Sul, tivemos a oportunidade pela antecedência no Hemisfério Norte, o que permitiu um delay para conhecimento do impacto por ela provocado na Europa e na Ásia, principalmente. As principais entidades científicas mundiais, entre elas a ASHRAE e a REHVA, ainda no 1º trimestre de 2020 produziram trabalhos com recomendações técnicas de como operar as instalações de ar-condicionado durante a pandemia para prevenir a propagação do vírus Sars-CoV-2. Tais recomendações envolvem providências operacionais e providências estruturais, com abordagem principalmente de como proceder para: a) fornecer ar limpo a ocupantes susceptíveis; b) conter o ar contaminado e exauri-lo ao exterior; c) diluir o ar em um espaço com ar mais limpo do exterior ou por filtração do ar; d) limpar o ar dentro do ambiente”, lembra o consultor Francisco Dantas, diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado.

Despertar da responsabilidade

Passado o período probatório, como tem reagido o setor? Novos requisitos e providências foram incorporados ao projeto, instalação, operação e manutenção de sistemas de climatização?

“Pode parecer estranha a resposta, mas não houve nenhuma mudança nos projetos convencionais do dia a dia dos sistemas de ar-condicionado. Nossos projetos sempre contemplaram renovação de ar e filtragem adequada aos ambientes climatizados. Por parte dos clientes nenhuma exigência ou formalização de algo diferenciado que contemplasse medidas especiais em relação à pandemia de covid-19. Houve solicitação de alguns projetos especiais principalmente para UTIs, e poucos consultórios odontológicos para atendimento a pacientes de covid-19”, diz o projetista Mário Sérgio de Almeida, diretor técnico da MSA Ar Condicionado e Refrigeração.

Afinal, ainda no entendimento de Almeida, “todo projetista de sistema de ar-condicionado responsável segue as recomendações das normas brasileiras vigentes, seja ABNT NBR 16401, ANVISA e outras que estabelecem os parâmetros fundamentais da qualidade de ar interior. A renovação de ar e filtragem adequadas são fundamentais neste momento. Creio que alguns clientes estão despertando para os aspectos da importância do ar que respiram e passando a exigir “renovação de ar ambiente”. Então, a pandemia trouxe benefícios no despertar da responsabilidade dos clientes no momento da contratação de novos projetos. Já houve casos recentes em que o contratante exigiu que colocássemos na proposta que o projeto estava contemplando a renovação de ar ambiente. Sinal de que estão mais atentos à qualidade do ar interno.”

Não é diferente a percepção de Dantas: “A pandemia, pela letalidade, serve de alerta para o compromisso que deve ter o mercado, numa amplitude holística, com a qualidade do ar nos ambientes climatizados, priorizando a saúde, o bem-estar e o conforto. Do outro lado, o usuário, pela experiência vivida, creio que se tornará mais exigente, pelo aprendizado que trouxe a consciência quanto às vantagens indeclináveis e inquestionáveis da ciência e da tecnologia, chanceladas pelas Normas Técnicas e pela Legislação”. O alerta é particularmente válido para um país em que o negacionismo ganha ares de política de governo.

Nunca é excessivo lembrar que a redução na taxa de renovação do ar ambiente é herança da primeira crise do petróleo na década de 1970. Vidas humanas financiaram a elevação do custo operacional energético. Então, como mitigar os danos ambientais do elevado consumo energético com a necessária preservação da qualidade dos ambientes internos?

“Tenho assistido muitas palestras e apresentações brilhantes de sistemas de ar-condicionado que priorizam a eficiência energética. É muito nobre a atitude, desde que os ambientes internos estejam dentro dos padrões de saúde ambiental. Basta fechar a tomada de ar exterior para que o sistema de ar-condicionado fique pelo 30% mais econômico em termos de despesas energéticas. No meu entender, prioritariamente, deveremos atender a qualidade do ar interno abrangendo aspectos de distribuição de ar, movimentação do ar, velocidade do ar, acústica, temperatura interna, umidade relativa do ar, pressão ambiente dentre outros itens”, alerta o diretor da MSA.

Alinhado com esta orientação, Dantas defende que a majoração da vazão de ar exterior não deve ser encarada como acréscimo do consumo de energia da instalação como um todo. “A utilização de recuperadores de energia de ventilação (ERVs da sigla em inglês) propicia uma redução da carga térmica do ar exterior de 70%, cabendo ao sistema de refrigeração combater os 30% restantes. Considerando que o acréscimo da vazão de ar exterior favorece a pressurização interna é razoável admitir que, em decorrência, seja reduzida a infiltração de ar externo pela envoltória. Portanto, se cada unidade de volume de ar exterior acrescido combater a infiltração de uma unidade equivalente de volume, evitar-se-á 100% da carga térmica do volume de infiltração evitado, contra apenas 30% correspondente à carga do ar exterior admitido com uso do dispositivo ERV. Mesmo que essa relação seja de 3 para 1, ainda assim o balanço energético será positivo. O balanço será, portanto, favorável, além do benefício da melhoria da QAI, resultando em melhor desempenho cognitivo dos ocupantes.”

Resta uma questão fundamental; a necessária filtração do ar também pesa no consumo energético. “Com respeito ao impacto do uso adicional de filtros F8 ou F9, o mesmo já seria superavitário pela melhoria da QAI, considerando que numa edificação para ocupação humana 92% do custo total no ciclo de vida útil corresponde a salários e encargos sociais, enquanto o custo da energia equivale à 2%, apenas. Ainda mais, o filtro F8 ou F9 mantém a serpentina mais limpa do que o faria o filtro G4, melhorando a eficiência de troca térmica e reduzindo a queda de pressão do ar na serpentina, em virtude da redução do fator de deposição do lado do ar na serpentina. A adoção de filtro de ar de classe A certamente conduzirá a um balanço energético superavitário, considerando o binômio ventilador/compressor”, recomenda Dantas.

Se é possível falar em lições da pandemia, a mais importante é a constatação de que o contágio é preferencialmente nos ambientes internos sendo mandatório redobrar os cuidados com a ventilação. “Nos aspectos positivos é o novo estado de consciência da população em geral que despertou para o “respirar bem” e de forma saudável, e que passou a ser determinante para a própria existência do ser humano. Paralelamente o ar-condicionado assumiu papel importante não somente para atender ao conforto térmico, mas principalmente para propiciar as condições necessárias para uma respiração livre de contaminantes prejudiciais e nocivos à saúde dos usuários. Também podemos considerar muito importante os trabalhos e pesquisas científicas que surgiram em torno da pandemia nos aspectos de filtragem de ar, renovação de ar, lâmpadas UV-C, e outros dispositivos de purificação e proteção ambiental. A eficiência energética perdeu seu posto de relevância em detrimento da qualidade do ar interno. Hoje é mais relevante frequentar um ambiente saudável, mesmo que a custa de mais alguns quilowatts a mais”, pondera Almeida.

Ronaldo Almeida
ronaldo@nteditorial.com.br

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