No momento atual de desenvolvimento de processos de qualidade construtiva e de instalações prediais e industriais, muito se tem falado sobre o processo de comissionamento, com a disseminação de inúmeros equívocos entre os profissionais da área de construção, manutenção e operação de edifícios, de forma a se confundir etapas ou ações isoladas com o processo como um todo. Este tipo de confusão gera a indefinição de um escopo de comissionamento que permita a concorrência adequada e justa e que balize o processo de forma a receber um processo que atenda a expectativa do proprietário, pois há vários casos em que o proprietário compra atividades esparsas como ´´comissionamento´´, trazendo frustração e criando uma visão negativa da atividade.

Para que se esclareça o processo de comissionamento, começaremos com a definição deste processo por duas das principais entidades profissionais do ramo de engenharia, a ASHRAE e o BCxA (Building Commissioning Association).

Ashrae Guideline 0-2013 – The Commissiong Process: O processo de comissionamento é estendido através de todas as fases de um projeto novo ou de renovação, desde o pré-projeto até a ocupação e operação com tarefas durante cada fase para assegurar a verificação do projeto, construção e treinamento de operação de acordo com a OPR.

Definição BCxA Building Commissioning Best Practices 2018: Processo focado na qualidade com a finalidade de melhorar a entrega de projetos que incluem verificação e documentação de instalações, sistemas e equipamentos e como eles são planejados, projetados, instalados, testados, operados e mantidos de forma a alcançar os requisitos de projeto do proprietário (OPR).

Como é possível observar pelas definições acima, o comissionamento é um processo amplo de qualidade que se desenvolve em várias etapas do processo construtivo envolvendo vários profissionais para garantir que o empreendimento seja realizado de acordo com as premissas de projeto acordadas durante a fase de concepção do empreendimento. O conjunto de premissas do empreendimento deve ser desenvolvido  em um documento chamado OPR (Requisitos de Projeto do Proprietário) ou em documento similar e respeitar todas as normas e regulações vigentes. Ou seja, o ponto de partida da definição do escopo do comissionamento deve ser feito a partir do documento OPR ou similar, que conterá a profundidade do processo de comissionamento durante as fases do empreendimento.

Para esclarecimento inicial, o Manual de Boas Práticas para Novas Construções do BCxA determina que o OPR define as expectativas, metas, benchmarks e critérios de sucesso para o projeto. O OPR deve ser desenvolvido com informações significativas do proprietário e sua aprovação final. O profissional de comissionamento auxilia idealmente o Proprietário (e, no mínimo, analisa os resultados) na identificação dos requisitos da instalação em relação a todos os sistemas e montagens de edifícios, relativos a questões como processos e cronogramas de projeto e construção, eficiência energética, sustentabilidade, qualidade ambiental interna (temperatura, umidade, ventilação, iluminação, conexão com o  exterior), segurança, qualidade de componentes e montagem, confiabilidade, durabilidade, flexibilidade, redundância e custo, treinamento, operação e manutenção de pessoal, documentação, rigor de comissionamento, monitoramento e comissionamento contínuo, além  de outras diretrizes do proprietário.

Um OPR efetivo incorpora informações do proprietário, equipe de projeto, equipe de operação e manutenção e usuários finais do edifício no início do projeto e é atualizado ao longo do projeto. Um OPR eficaz é desenvolvido utilizando métodos conceituados para coleta de informações (por exemplo, questionários, workshops etc.) Os elementos de um OPR eficaz são no mínimo verificáveis e, idealmente, incluem critérios de sucesso.

A participação do profissional de comissionamento na elaboração do OPR é como membro de equipe multidisciplinar e pode abranger diversas tarefas que devem estar explicitas no escopo de trabalho do comissionamento. Desta forma, o primeiro passo da definição do escopo do profissional de comissionamento é formalizar qual será a forma de participação deste profissional na equipe de formulação do OPR. Terminado o POR, com ou sem a participação do profissional de comissionamento, parte-se para a fase de projetos e elabora-se os projetos que irão ser entregues aos instaladores e fornecedores em geral e, nesta fase, todo o escopo de comissionamento deve ter sido elaborado e delineado no plano inicial de comissionamento e todas as atividades e responsáveis pelas atividades já dever ter sido designados. Os documentos de comissionamento devem fazer parte do processo de concorrência dos instaladores e fornecedores para que não existam problemas de conflitos contratuais entre estes e o profissional de comissionamento.

Como é possível ver pelo fluxograma da figura 1, nesta fase o processo de comissionamento divide as responsabilidades entre o proprietário, ou seu representante, o profissional de comissionamento e os projetistas em geral. Fica claro que o processo deve ser conduzido pelo profissional de comissionamento, mesmo tratando-se de um trabalho de equipe. É de extrema importância que este trabalho inicial seja bem detalhado, para que o escopo de comissionamento seja dividido entre todos os participantes e que as tarefas de cada um dos participantes estejam desenvolvidas da maneira mais clara o possível, para que o impacto econômico do processo seja transparente para o proprietário e todos os envolvidos no processo.   Quanto melhor forem detalhadas as responsabilidades de cada disciplina menos espaço para ´´gorduras´´ existirão, e teremos nas propostas comerciais de todos os envolvidos valores factíveis de serem levantados.

Figura 1

Resolvidas todas estas questões, o processo estará todo detalhado e o escopo de cada participante estará claro o suficiente para que ocorra de forma fluida e natural durante as fases de construção e operação. O fluxograma da figura 2, também extraído do Manual de Boas Práticas em Novas Construções do BCxA, exemplifica a etapa de construção do processo de comissionamento, dividindo as tarefas entre todos os participantes do processo.

Figura 2

É possível entender que o profissional de comissionamento (Cx Provider) faz a gestão do processo e os demais envolvidos têm suas tarefas especificas designadas e que nenhum membro isoladamente é responsável pelo comissionamento. Muitas vezes há uma confusão sobre o entendimento do processo, e entende-se que tarefas isoladas são o processo como um todo. Alguns exemplos são clássicos, como a confusão entre start-up e TAB (Testes, Ajustes e Balanceamento) ou o enderaçamento de automação com o processo, então, é muito comum ouvir algo como “o sistema de automação de VAVs está comissionado”, quando o correto é “o sistema de VAV já passou pelos seus ensaios funcionais”, ou, “o ar-condicionado já está comissionado”, quando o correto é “o TAB do sistema de ar-condicionado já foi concluído”.

Dentro da ótica acima vemos na maioria dos projetos especificações de comissionamento que, na verdade, são especificações de TAB e orientações de alguns ensaios durante a fase de construção como, por exemplo, ensaios de vazamento admissível em dutos, como se fossem o processo de comissionamento. Esta confusão gera uma expectativa errônea do contratante e, quando a instalação começa a apresentar falhas, ou problemas operacionais, diz-se que o comissionamento foi mal executado, quando na verdade nem houve comissionamento.

Conclui-se que se o processo de comissionamento for definido na fase inicial de concepção de projeto, com um escopo definido para cada um dos participantes – profissional de comissionamento, projetistas, instaladores, gerenciadores, proprietários, equipes de manutenção e operação etc. -, os custos do processo serão controláveis, as responsabilidades distribuídas e facilmente gerenciadas, e o resultado final será muito mais satisfatório.

Marcos Antonio Vargas Pereira engenheiro mecânico sênior (FAAP 1988), pó-graduado em Refrigeração e Ar-Condicionado (FEI 1998), Building Commissioning Professional ASHRAE (2018), diretor técnico-comercial da TermicaBrasil

Referências

Manual de Boas Práticas para Novas Construções (BCxA)
Ashrae Guideline-0 The Commissioning Process 2013

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