O engenheiro Francisco Dantas, do escritório Planejamento Térmico Integrado – Interplan, de Recife, Pernambuco, tem dedicado sua vida profissional a conceber sistemas energeticamente eficientes para edificações das mais variadas ocupações. Estudioso no tema “Edifícios com Balanço Energético Nulo” (NetZero Energy Bulding, no inglês), ele forneceu a seguinte entrevista por email. Em primeiro lugar, ele ressalta que a maior contribuição deve ser dada pelo conceito do projeto, “dotando-o dos componentes complementares aos sistemas triviais por processos artificiais, sempre que a climatologia do local propiciar…tais como ciclo economizador na estação fria e resfriamento evaporativo na estação quente/seca.”

No que diz respeito à refrigeração, Dantas elege, enquanto vantajosa, a acumulação da energia térmica em relação ao armazenamento equivalente de energia elétrica em baterias, com custo significativamente menor, maior robustez e menor impacto ambiental. E ressalva que o grande desafio para obter os edifícios NZEBs são os edifícios altos e com uso intensivo de energia.

A+CR: Em sua opinião, qual o caminho para alcançar as edificações com balanço energético nulo?

FD: Conceber as edificações sob uma ótica energética holística, priorizando e envolvendo a eficiência das edificações, dos equipamentos e dos processos, ou seja, para os sistemas de ar-condicionado e refrigeração, empregando convenientemente as ciências transmissão de calor, mecânica dos fluidos, psicrometria e termodinâmica, independentemente das fontes de energia que serão utilizadas. Considerando, ainda, que as principais fontes de energia renovável têm como característica a variabilidade da intensidade energética, deve ser, sempre que possível, viabilizado o armazenamento térmico para corrigir as diferenças entre os perfis de produção e de uso da energia, notadamente em sistemas que operem por 24 horas diárias.

A+CR: É possível transformar edificações existentes em edificações com balanço energético nulo? Qual seria o caminho?

FD: Sim. Há exemplos de edificações transformadas em NZEBs sem que fosse necessária a desocupação, com as atividades em curso. As principais providências são o tratamento isotérmico de paredes e coberturas, parcimônia na aplicação e uso de vidros de baixa emissividade, aplicação de resfriamento radiante, usufruto de processos naturais de climatização como resfriamento evaporativo e ciclo economizador, utilização de processos de armazenamento de energia elétrica e térmica, uso de iluminação natural e emprego de lâmpadas LED, em substituição às fluorescentes.

Para a geração, utilizar painéis fotovoltaicos e geradores eólicos.

Para a água, realizar a coleta de chuva e a recuperação do condensado.

O grande desafio para obter os edifícios NZEBs são os edifícios altos, edifícios com uso intensivo de energia (exemplo os data centers) e edifícios com sites sombreados.

A+CR: Como a indústria do ar-condicionado pode contribuir para o objetivo de zerar o balanço energético nas edificações novas? E nas edificações já existentes?

FD: A indústria pode contribuir concebendo e produzindo equipamentos de alta eficiência energética e com versatilidade para usufruírem de processos naturais de climatização, no todo ou parcialmente, conforme a ocorrência da condição climática externa, como, por exemplo, os chillers arrefecidos a ar dotados de serpentina para free cooling.

Considero que a maior contribuição pode ser dada pelo conceito do projeto, dotando-o dos componentes complementares aos sistemas triviais por processos artificiais, sempre que a climatologia do local propiciar essas oportunidades, tais como ciclo economizador na estação fria e resfriamento evaporativo na estação quente/seca.

A+CR: Como projetar uma instalação de AVAC que contribua para o objetivo do NZEB?

FD: Para viabilizar a obtenção das edificações NZEBs, além da arquitetura bioclimática, o sistema de ar-condicionado deve conjugar o uso dos equipamentos da melhor eficiência energética com o emprego dos processos de climatização natural possíveis de serem obtidos pelo clima do local, considerando a estratégia da estocagem da energia para equacionar a defasagem de tempo entre os perfis horários da potencialidade da produção da energia primária e a necessidade da sua utilização pelos processos consumidores da edificação.

No que diz respeito à refrigeração, é vantajosa a acumulação da energia térmica em relação ao armazenamento equivalente de energia elétrica em baterias, com custo significativamente menor, maior robustez e menor impacto ambiental.

A+CR: Quais tipos de equipamentos seriam os mais aptos a contribuírem para o objetivo NZEB?

FD: No âmbito da geração térmica, considero que seriam os sistemas de expansão indireta, com condensação a água ou a ar, a depender da característica climática do local, com armazenamento térmico na forma de água gelada e água quente, esta última na hipótese do emprego de desumidificação do ar exterior por processo dessecante e/ou edificações com consumo de água quente sanitária predial.

No âmbito dos sistemas de tratamento de ar, UTAs modulares dotadas de economizadores de energia e módulos evaporativos, quando compatíveis com a climatologia do local.

A+CR: Descreva o que seria uma instalação de AVAC adequada a uma edificação com balanço energético nulo.

FD: A instalação adequada às edificações NZEBs deve possuir as características a seguir:

– Sistema por expansão indireta composto por chillers por compressão mecânica movidos a eletricidade, dotados de tecnologia inverter e sistema de recuperação de calor para aquecimento de água sanitária predial, na hipótese da não existência de energia geotérmica no local;

– Produção da energia térmica em estágios crescentes de eficiência termodinâmica de acordo com temperaturas de produção também crescentes, e processo de acumulação térmica;

– Sistema de tratamento dedicado do ar externo de forma a possibilitar obter o desacoplamento total entre cargas de resfriamento e de desumidificação;

– Emprego de processos de conservação de energia e/ou de climatização natural no tratamento dedicado ao ar exterior;

– Emprego de resfriamento radiante combinado com resfriamento convectivo, reduzindo em 42% o uso de energia no processo de climatização comparado a sistema com resfriamento 100% convectivo;

– Para todos os fluidos térmicos, processos de fluxo variável com uso de inversores de frequência ou motores eletronicamente comutáveis e dispositivos terminais de controle conforme a necessidade de cada fluxo/ambiente.

Tudo isso aliado a uma edificação com envoltória avançada em termos de resistência térmica e sistema de iluminação de alta eficácia priorizando a iluminação natural, comandados por sistema de automação predial dispondo de diagnóstico de falhas.

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