Segmento de ar-condicionado é o principal agente pela condução de um debate responsável

 A qualidade do ar interior é um dos principais objetivos do sistema de ar-condicionado. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define o condicionamento de ar como um processo que objetiva controlar, simultaneamente, a temperatura, a umidade, a movimentação, a renovação e a qualidade do ar em um ambiente.

Apesar de negligenciado durante décadas, o debate acerca da qualidade do ar interior é fundamental para se estabelecer os critérios mínimos que um sistema de ar-condicionado deve atender, uma vez que se relaciona diretamente com a saúde dos ocupantes de um determinado ambiente. Pensando em uma edificação comercial ou corporativa, enquanto os parâmetros de temperatura e umidade relativa lidam com a percepção de conforto, os parâmetros ligados à qualidade do ar – concentração de CO2 e VOCs, por exemplo – afetam diretamente os sistemas respiratório e neurológico das pessoas. Para ilustrar a importância do tema, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que as pessoas passam em média 90% do tempo em ambientes fechados e que o consumo diário de ar pode chegar a 15 mil litros – o consumo diário recomendado de água é de 2 litros, em média.

A pandemia de Covid-19 trouxe uma preocupação emergencial com a qualidade do ar interior, principalmente no que diz respeito ao nível de filtragem dos sistemas de ar-condicionado e à taxa de renovação do ar nos ambientes. Ainda que o debate tenha sofrido com muitas informações desencontradas no início, talvez até mesmo pelas condições críticas em que ocorreu, houve uma convergência das principais agências de saúde e órgãos técnicos mundiais no sentido de reconhecer as vias aéreas como principal meio de contaminação por Sars-CoV-2 e de se adotar medidas adicionais para garantir a renovação de ar nos ambientes acima de determinados níveis, com elevação do grau de filtragem. Se há algo de positivo a se comemorar em relação à pandemia é o fato de que toda essa preocupação com a qualidade do ar interior trazida por ela não foi embora e dá sinais de amadurecimento, tendo o segmento de ar-condicionado como principal agente responsável pela condução de um debate responsável. Nos últimos dois anos, vimos o fortalecimento do Plano Nacional de Qualidade do Ar Interior e o crescimento do número de eventos, palestras e seminários sobre o tema. A revisão da norma ABNT NBR-7256, que trata das instalações de tratamento de ar em estabelecimentos assistenciais de saúde, em 2021, fomentou o debate sobre qualidade do ar interior ao trazer, dentre outras mudanças, atualizações importantes nos níveis de filtragem dos ambientes. Por fim, temos a revisão da norma ABNT NBR 16401, que trata dos projetos e instalações de sistemas de ar-condicionado, que trará uma nova metodologia de cálculo para determinação da renovação de ar nos ambientes baseada na concentração de CO2.

Nota-se que toda a efervescência acerca do tema qualidade do ar interior rompeu a barreira do meio acadêmico e chegou ao mercado. Há uma crescente preocupação com o atendimento dos níveis de filtragem adequados e com a implementação de sistemas de renovação de ar que atendam aos requisitos legais exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e recomendados pela norma 16401.

Há uma mudança da percepção do sistema de ar-condicionado como promotor apenas do conforto térmico, passando a ser visto também como garantidor da qualidade do ar dos ambientes. Isso é evidenciado pela quantidade de projetos que tem sido concebida com base primeiramente em parâmetros de renovação de ar e capacidade de retenção de partículas dos filtros, buscando-se condições adequadas no ambiente interno para o retorno ao trabalho presencial ou às aulas em sala, por exemplo.

 Eficiência energética ganha espaço

 O debate sobre a qualidade do ar interior ganhou tração quando um outro tema de extrema importância dominava a cena: a eficiência energética. Agora o que se discute é a promoção da qualidade do ar interior com eficiência energética, ou seja, a implementação de sistemas de renovação de ar com filtragens de alta performance que consumam menos energia elétrica. Num primeiro momento, parece um tanto contraditório falar em redução de consumo ao mesmo tempo em que se exige a introdução de novos elementos no sistema e o aumento do seu trabalho energético. No entanto, um olhar aprofundado permite notar que a qualidade do ar nos ambientes, quando promovida de forma criterioso e com os devidos controles, pode se tornar uma forte aliada na redução do consumo elétrico das instalações.

A elevação das taxas de renovação de ar não é feita sem se observar o número de pessoas ocupando um determinado ambiente, o que permite uma eventual redução da ventilação em períodos de baixa ocupação, aliviando assim a operação dos ventiladores e do próprio sistema de ar-condicionado. Da mesma forma, uma maior ocupação e o consequente aumento na taxa de renovação do ar, quando ocorrido em períodos de temperaturas externas amenas, pode proporcionar uma redução significativa da carga térmica e do sistema de ar-condicionado.

A renovação do ar permite ainda que se utilize sistemas dedicados para ar externo combinados com variadas tecnologias de condicionamento do ar, como as vigas frias, por exemplo, que permitem uma redução de até 35% do consumo elétrico total do sistema ao concentrar a movimentação mecânica e filtragem do ar em apenas um equipamento central.

O principal ponto a ser observado nos projetos é a determinação dos parâmetros corretos a serem monitorados, tendo sempre no horizonte que a eficiência energética é proporcionada pela instalação de componentes adequados, mas somente pode ser garantida pelo monitoramento e controle dos parâmetros operacionais. Pensando em projetos com foco na qualidade do ar interior, há que se pensar no máximo aproveitamento da energia térmica, tanto na admissão do ar externo, através de ciclos entálpicos que permitam um aumento da vazão em condições externas favoráveis, como na recuperação de energia do ar que está sendo retirado dos ambientes, através da utilização de recuperadores de calor de fluxo cruzado ou rodas entálpicas.

Há tecnologias disponíveis no mercado atualmente que permitem às unidades de tratamento de ar operar com reduções significativas no consumo de energia elétrica. Mais do que isso, algumas tecnologias voltadas para o aumento da qualidade do ar interior acabam por proporcionar ganhos em eficiência energética, como as rodas entálpicas e módulos de ciclo entálpico já citados anteriormente. A limpeza da serpentina também é um ponto a ser observado quando se pensa em aliar qualidade do ar e eficiência energética, uma vez que as colônias de microrganismos que formam as películas de biofilme na serpentina se tornam focos de contaminação do ar e também provocam uma perda de capacidade térmica, aumentando  o consumo elétrico do equipamento em razão do aumento da perda de carga. A utilização do dispositivo emissor de radiação UVC surge como indispensável para garantir essa condição de limpeza e performance na serpentina. Por fim, os ventiladores, que serão responsáveis pela movimentação do ar em um sistema de renovação ou condicionamento, precisam ser selecionados dentro das opções mais eficientes disponíveis hoje no mercado – a diferença de eficiência entre um conjunto motoventilador de acionamento por polia e correia do tipo sirocco e um conjunto de acoplamento direto do tipo plenum fan pode chegar a 30%.

Aliado a esses componentes eletromecânicos, é fundamental que o equipamento disponha de elementos de controle e sistema de automação embarcados para que todos os parâmetros operacionais sejam monitorados e os ajustes sejam feitos instantaneamente como, por exemplo, através de processamento dos dados de leitura em nuvem e da previsibilidade de condições do sistema através de inteligência artificial.

A aplicação das tecnologias habilitadoras da Indústria 4.0, como a inteligência artificial e nuvem, traz benefícios para a qualidade dos ambientes internos, à medida que garante os parâmetros de qualidade do ar e de conforto térmico dentro das faixas recomendadas e traz o sistema para uma faixa de operação otimizada.

É possível implementar uma rede de sensoriamento nos ambientes que meçam continuamente os níveis de concentração de CO2 e VOCs, temperatura e umidade relativa, comunicando-se com o sistema supervisório via rede local ou computação em nuvem e provendo informações que serão processadas em tempo real para ajustes na operação do sistema. Por exemplo, em um escritório onde o nível de CO2 sofre uma elevação momentânea e ultrapassa o limite estabelecido, o sistema supervisório receberá essa informação do sensor no ambiente e enviará um comando para que o equipamento passe a trabalhar com uma maior vazão de ar externo, ajustando a posição de alguns dampers e eventualmente também alterando a velocidade de rotação do ventilador. Um sistema dotado de inteligência artificial, por sua vez, pode estabelecer correlações e determinar pré-condições em que as alterações são prováveis de ocorrer, antecipando tomadas de decisão e conferindo maior previsibilidade à operação do sistema.

Toda tecnologia implementada em um equipamento ou sistema, de forma direta ou indireta, acaba proporcionando algum ganho em eficiência energética, quer pelo ajuste de parâmetros operacionais de forma otimizada, quer pela melhora no desempenho do equipamento. Os filtros de ar utilizados em sistemas de ar-condicionado são um exemplo bastante oportuno do impacto positivo que a preocupação com a qualidade do ar pode causar na eficiência energética. O monitoramento da condição de saturação dos filtros é uma etapa fundamental para se garantir o nível adequado de filtragem nos ambientes e a determinação do ponto ideal para troca, de modo a não configurar prejuízo técnico para o sistema e elevação dos contaminantes no ar. A saturação dos filtros, para além da perda de capacidade de filtragem, provoca uma elevação da perda de carga e o consequente aumento do consumo elétrico do motor.

O exemplo dos filtros ou das serpentinas, a aplicação de recuperadores de calor e módulos de ciclo entálpico se misturam nos conceitos de eficiência energética e qualidade do ar interior, servindo apropriadamente para obtenção de ganhos nas duas frentes. Isso mostra como o debate sobre os dois temas evoluiu em conjunto naturalmente e como as soluções que se apresentam hoje no mercado não permitem mais uma aplicação fechada em si mesma com um único objetivo. Há que se pensar em eficiência energética ligada à qualidade do ar interior e vice-versa.

 

Thiago Boroski tem formação em Engenharia Mecânica e Engenharia Ambiental e Urbana pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e Queens University Belfast, do Reino Unido, com especialização em Sistemas de Ar-Condicionado e Ventilação Mecânica (Smacna/Abrava) e formação executiva eem inovação e tecnologia da indústria 4.0 pela FGV; é pesquisador pela UFABC na área de engenharia de energia e coordenador de eficiência energética e contas corporativas da Trox

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