O debate sobre a redução de emissões de gases de efeito estufa nas instalações de climatização é pauta mundial, mas as soluções podem não ser as mesmas para todos os continentes

A chamada descarbonização do AVACR é pauta mundial. O que está em jogo, principalmente, é a substituição de equipamentos movidos a combustíveis fósseis por aqueles acionados por eletricidade. Neste sentido, trata-se de um tema com maior adequação para a Europa e Estados Unidos em que as fontes de energia são majoritariamente derivadas do petróleo. Soluções como bombas de calor são vistas como essenciais, dado o alto rendimento energético, para o aquecimento. Em se tratando do Brasil, é necessário estabeleceros limites dessa política.

“De fato, o potencial de descarbonização do AVACR na Europa e na América do Norte é muito maior do que no Brasil, não só pelo fato da nossa matriz energética ser bem mais limpa, em sua maior parte de fontes renováveis, como também pelo fato de que nestas regiões existe um maior uso de combustíveis fósseis no setor de AVACR para aquecimento, seja ele dos ambientes (calefação), ou no aquecimento de água quente de consumo em chuveiros e torneiras, ambas as demandas são muito menores aqui no Brasil por conta do nosso clima tropical”, pontua Marcos Santamaria, da engenharia de aplicação das Indústrias Tosi.

Cristiano Brasil, da engenharia de aplicação da Midea Carrier, entende ser este um assunto polêmico, embora ressalvando que isso não se justifica. “Precisamos ter clareza sobre as condições de nosso país em relação em relação à matriz elétrica.  Segundo o Balanço Energético Nacional do Ministério de Minas e Energia, 84,8% da energia gerada no Brasil em 2022 foi através de fontes renováveis enquanto apenas 28,1% da energia elétrica gerada no mundo veio de fontes similares. Isto coloca o Brasil como protagonista e exemplo para todo o mundo e todos nós deveríamos usar essa condição para divulgar ao mundo que, neste sentido, nós somos o modelo a ser seguido. Precisamos de políticas próprias, incentivos extras a quem no Brasil produz e gera empregos e não simplesmente nos espelhar em políticas externas e, sim, utilizar o que elas possuem de positivo como exemplos e metodologias complementares às nossas. Falamos sobre a eletrificação do setor AVACR, mas precisamos ser mais abrangentes e explicar que o grande objetivo do setor deve ser contribuir para a redução de emissões dos gases de efeito estufa, por exemplo. Isto não vem só da eletrificação ou da adoção de novas gerações de fluidos refrigerante, por exemplo, ou mesmo da não utilização de combustíveis fósseis. A contribuição do setor vem da utilização de sistemas mais eficientes como um todo, que inclui projetos eficientes, instalações eficientes, equipamentos eficientes e operação e manutenção eficientes.”

Eficiência de produtos ou da engenharia?

Brasil insiste na importância de reforçar o conceito global de eficiência energética.“Falando do setor AVACR, o caminho, com certeza, não é focar apenas em equipamentos mais eficientes. Não adianta um equipamento com a melhor tecnologia possível se ele é instalado e mantido em condições desfavoráveis. Um resumo, se é que é possível resumir, o caminho para a descarbonização passa por políticas, normas técnicas e investimentos do setor público e privado, pela educação e conscientização da sociedade como um todo. Sem esquecer do ótimo trabalho que o Brasil faz com sua matriz elétrica.”

Santamaria, por outro lado, realça a opção pelas bombas de calor como o caminho mais promissor para a descarbonização no setor de AVACR.

“As bombas de calor têm papel muito relevante tanto na redução do consumo energético, pois para cada kW de energia elétrica consumida podem ser gerados de 3 kW a 9 kW de energia térmica produzida, dependendo das condições operacionais, como também na redução de emissões de CO2, pois neste caso além da redução oriunda do menor consumo energético, temos o fato da energia utilizada ser elétrica e não oriunda da queima de combustíveis fósseis. Ou seja, no caso do Brasil em que, em 2022, 87,6% da energia elétrica teve como fontes a energia hidroelétrica (72,1 %),eólica (13,5 %) e solar (2,1%) e apenas 12,4 % foram resultado da queima de combustíveis, sendo 8,0% em termoelétricas e 4,4% em biodigestores (veja ográfico), a redução na emissão de CO2 é ainda maior”, diz ele.

Brasil tampouco menospreza a tecnologia. “As bombas de calor elétricas possuem um papel importante quando colocamos na mesma análise as emissões de CO2  e o custo da geração de água quente. Nos grandes centros, principalmente, existe a geração de água quente com a utilização de gás naturalque, além de ser um combustível fóssil, possui uma tarifa não atrativa para a geração de água quente comparada à tarifa de energia elétrica, principalmente para os consumidores que estão no mercado livre de energia.”

O engenheiro da Midea Carrier, no entanto, estabelece algumas ressalvas. “Dizer que os projetos deveriam ser 100% elétricos pode não ser a melhor resposta a esta questão. Muitas vezes a cogeração precisa ser utilizada por uma deficiência ou indisponibilidade de demanda elétrica. Não significa que um projeto que utiliza uma cogeração bem dimensionada e complementada por equipamentos elétricos esteja errado. A solução viável deverá ser sempre a que, após esgotamento de todas as alternativas disponíveis, seja a mais eficiente e econômica possível para cada aplicação.”

Santamaria também avançano estabelecimento de soluções. “As soluções de engenharia e projetos mais viáveis e eficazes para avançar na descarbonização no setor são a recuperação do calor rejeitado pelos sistemas de ar-condicionado para produção de água quente para desumidificação, consumo ou aquecimento em geral, assim como o uso das bombas de calor já mencionadas.”

Matriz energética brasileira

O engenheiro das Indústrias Tosi reforça a sua defesa das bombas de calor. “Conforme já mencionado, a tecnologia mais promissora é a do uso de bombas de calor. Infelizmente a cultura brasileira associa o uso de bombas de calor apenas ao aquecimento de piscinas; o seu uso para outros tipos de aquecimento ainda é muito incipiente no Brasil. O potencial de redução no consumo de gás para aquecimento de água para consumo em chuveiros e torneiras em condomínios é enorme se forem adotados projetos de aquecimento central para todo o condomínio através de bombas de calor. Da mesma forma, em hotéis e hospitaisque já possuem sistema de aquecimento central através de gás. Nestes casos, como existe também sistema central de ar-condicionado, temos como recuperar o calor exaurido pelo sistema de climatização dos ambientes para a produção de água quente.”

Fluidos refrigerantes

Cristiano Brasil realça o papel da indústria na busca de tecnologias e estratégias para descarbonização, como novos fluidos refrigerantes, equipamentos mais eficientes e o desenvolvimento de projetos com esse objetivo. “Fluidos refrigerantes com baixo GWP nem sempre são melhores e nem todos são iguais. Alguns fluidos refrigerantes com baixo GWP podem, na verdade, ser piores do que os atuais ao meio ambiente,ao consumir mais energia, apresentar perda de capacidade (consequente pior eficiência), ser mais caros e requererem um equipamento de footprint maior (uso de mais aço, mais cobre, mais estanho etc.), possuírem baixa ou alta flamabilidade, dentre outros aspectos. Por outro lado, poucos fluidos refrigerantes da nova geração apresentam um salto considerável em performance e, ao mesmo tempo, atendem questões de toxidade, flamabilidade, compatibilidade de materiais, disponibilidade; enfim, o refrigerante ideal precisa possuir alta eficiência, menor impacto ambiental, ser sustentável em todos os sentidos, ter segurança de manuseio e um custo adequado, características difíceis de serem reunidas em uma única substância.”

“Em se falando em eficiência energética com a substituição de fluidos refrigerantes, o R32 tem se mostrado promissor na substituição do R410a, tanto que as novas bombas de calor residenciais para piscinas da divisão JellyFish das indústrias Tosi já passaram a utilizar este fluido refrigerante”, explica Santamaria.

Brasil faz alguns alertas. “A redução da emissão dos gases de efeito estufa são importantíssimos para o meio ambiente, porém, isto não quer dizer que devemos aceitar a imposição de uma interrupção drástica da utilização de combustíveis fósseis. O gás natural é uma fonte energética importante para o país, através dele o Brasil possui um equilíbrio da disponibilidade de energia em momentos de picos de demanda ou falhas das outras fontes geradoras de energia elétrica.

“Sempre é importante salientar que o Brasil é signatário do Artigo 5º do Protocolo de Montreal. A nova geração de fluidos refrigerantes será importante para nossa indústria, mas não pode ser imposta ao mercado como obrigação. Devemos seguir o calendário da Emenda de Kigali e as instruções do Ministério do Meio Ambiente em relação ao phase-down (redução)dos HFCs. Os fluidos atuais estarão disponíveis por muitos anos e as orientações dos fabricantes também devem ser levadas em consideração antes de uma tomada de decisão sobre a aplicação de novos fluidos. A adoção ou não deve ser uma decisão do mercado, baseada na legislação e nos pontos apontados anteriormente.”

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