Ventilação personalizada, sistema inovador no Brasil, permitirá ao usuário respirar totalmente o ar de renovação, com ganhos para a qualidade do ambiente interno

A Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE) funcionou em grande parte da sua vida num casarão situado no Bairro da Boa Vista. Com o crescimento das demandas, foi expandindo seu quadro de funcionários sem que a estrutura física acompanhasse. A saída foi alugar salas em prédios vizinhos. Na década de 1980 foi construído o Anexo I, para abrigar os gabinetes dos deputados.

No entanto, a infraestrutura continuava a reboque das necessidades do poder legislativo estadual. Nem mesmo com a construção de um outro anexo, na primeira década do século, o problema se resolvia. Gabinetes e serviços de apoio continuavam a ocupar edifícios vizinhos, como o Caetés. Foi por volta do início da atual década que a administração resolveu dar um passo a mais na direção da modernização. Resolveu-se pela construção de um novo plenário e pelo retrofit do Anexo I.

“Nós fizéramos o projeto de ar condicionado do Anexo I quando da sua construção. A distribuição do ar era feita através de dutos que atravessavam um corredor rebaixado, fazendo a insuflação do ar nas salas. Uma unidade única atendia todos os gabinetes. Coube-nos, também, fazer o projeto de climatização do Anexo II. E a nós foi entregue a concepção do sistema de ar condicionado do atual retrofit”, narra Francisco Dantas, diretor da Interplan Planejamento Térmico Integrado.

A equipe da Interplan: Francisco Filho, Francisco Dantas e Fabiana Dantas

Há tempos o engenheiro Dantas esperava por uma oportunidade para colocar em prática uma das suas convicções: a ventilação personalizada. Neste conceito o ar exterior é insuflado junto à zona de respiração do usuário. O Ashrae Journal, em sua edição de novembro de 2011, publicou um estudo mostrando que a economia de energia em tal sistema pode chegar a 51%, em condições semelhantes ao clima da capital pernambucana. No entanto, não é neste aspecto que reside sua importância capital.

Qualidade do ar

“Nos outros sistemas, mesmo que você tenha máquinas dedicadas, o ar exterior, quando chega à zona de respiração do usuário, vem misturado com o ar do ambiente, não tem como separá-lo do ar de recirculação. O usuário, num sistema de ventilação personalizada, estará recebendo algo em torno de 30 vezes a vazão que uma pessoa pode respirar, praticamente todo o ar que ele respira é ar exterior. O que está muito além do exigido por todas as normas brasileiras e internacionais”, enfatiza Dantas.

O engenheiro apoia-se em estudos da REHVA (Federation of European Heating, Ventilation, and Air Conditioning Associations) para afirmar que a probabilidade de uma pessoa ser acometida por doenças transmissíveis pelo ar é de 20 vezes menor num sistema de ventilação protegida, que vem a ser o mesmo que a ventilação personalizada. “Esse número me impressionou, pois normalmente fala-se em 20% menor. Mas não estamos falando de 20%, estamos falando de 20 vezes, o que significa 2000%. Isso vem respaldado por números que mostram a redução, por exemplo, do absenteísmo. E de um acréscimo da melhoria do desempenho das pessoas em torno de 12,5%. Tenho a impressão de que esse projeto irá trazer, futuramente, uma clarividência do que seria a principal coisa a se pensar em um sistema de ar condicionado, que é a salubridade do ar. Estamos tendo agora a oportunidade de acompanhar e ter o feedback desse processo. É como se você estivesse dentro de um ambiente climatizado e respirando como se estivesse do lado externo do edifício. O ar que vem para você respirar é o ar externo, previamente filtrado, resfriado e desumidificado”, entusiasma-se.

O ar é tratado em unidades dedicadas, as DOAS (dedicated outdoor air system), e insuflado a 50 cm da zona de respiração das pessoas. Ou seja, passa pelos processos psicrométricos e físicos de tratamento e de filtragem, sendo insuflado por difusores exclusivos a baixíssima velocidade, cerca de 0,10 m/s, temperatura em torno de 18°C para 19°C, e umidade na ordem de 6 gramas de vapor d´água por kg. “Ao absorver a umidade liberada pela respiração das pessoas, o ar vai chegar numa faixa de 9 gramas de vapor d’água por kg e 22°C, ou seja, perto de 50% de umidade relativa. Uma condição de conforto que combina todos os ingredientes requeridos, com praticamente a ausência de ruído. A climatização da estação de trabalho vem como uma pluma de ar exterior que atinge o tórax do usuário e, com o calor do corpo, faz um efeito chaminé, e passa pela zona de respiração, dispersando os contaminantes acima da zona de ocupação”, explica Dantas.

Microclimatização e a qualidade do ambiente interno

O conceito de ventilação personalizada é parte do conceito, mais abrangente, de microclimatização, que ganha espaço nos fóruns mundiais de discussão sobre a qualidade dos ambientes internos (IEQ). Na microclimatização o usuário pode ajustar, às suas necessidades, temperatura, ventilação, iluminação, entre outros. Estudos recentes mostram que a possibilidade de controle pelo usuário das condições do seu ambiente de trabalho impacta diretamente na saúde e na disposição para o trabalho.  Ainda que na ventilação personalizada não seja possível alterar a temperatura de insuflação, o usuário pode alterar os demais parâmetros que regem as condições de conforto térmico, que são velocidade e vazão do ar.

Plenário da Assembleia tem fluxo turbulento

No conceito instalado na ALEPE, os difusores possuem um registro que permite ao usuário escolher três velocidades do ar de insuflação ou simplesmente fechá-lo. O usuário tem, ainda, a possibilidade de afastar totalmente o jato de ar do seu corpo, uma vez que o difusor é giratório e possui ângulo de incidência de 135° em relação à zona de ocupação. “Mas acredito que isso dificilmente ocorrerá. Primeiro, porque a velocidade é muito baixa e a temperatura de insuflação já é muito próxima da temperatura de conforto; então, a 20 ou 30 centímetros após o difusor, a temperatura já está praticamente equalizada com a temperatura da sala, que é 22°C”, defende Dantas.

Os idealizadores do projeto, como é costumeiro, trabalharam com o desacoplamento entre cargas. As máquinas de ar exterior, além de serem específicas para o tratamento do ar exterior, têm o comprometimento de retirar toda a carga latente do ambiente de trabalho, ou seja, o restante do processo de circulação de ar já vai ser exclusivamente para cargas de resfriamento sensível. O processo de resfriamento sensível do ar vai até o ponto de orvalho de 13°C, aproximadamente; ficando o ar a 9 gramas de vapor d’água por kg de umidade absoluta, alcançando um ambiente em equilíbrio, com a umidade de 50% e 24°C de temperatura.

“Para tirar o ar num ponto de orvalho a 6°C nas DOAS, temos que ter 2°C a menos. Então admitamos que a água seja produzida a 4°C. Para ter uma boa eficiência energética fazemos o resfriamento da água em dois estágios e utilizamos também o resfriamento do ar em dois estágios. Depois de um recuperador de energia, que usualmente empregamos, a água passa por uma primeira serpentina de resfriamento numa temperatura mais alta, cerca de 9°C, e finalmente segue para o resfriamento final até o ponto de orvalho da ordem de 6°C, com a água a 4°C. Isso pode ser num sistema de bombeamento único, de tal maneira que a água entra na primeira serpentina a 4°C e sai a 9°C, entra a 9°C e sai a 17°C na segunda serpentina. Essa é a água que passa nas unidades DOAS”, explica Dantas.

Processos eficientes na produção da água gelada

O consultor continua a explicar a razão de usar essa estratégia. “Normalmente empregamos uma temperatura de saída de 17°C, por quê? Porque, como o ar exterior foi desumidificado até uma temperatura hipotética de 6°C, é uma temperatura de insuflação muito baixa. Mas depois é necessário fazer um reaquecimento, e para fazer esse reaquecimento sem perda de energia é recomendável fazê-lo num ciclo fechado com a água gelada. Toma-se a água gelada que saiu da unidade DOAS a 17°C, fazendo com que passe pela última serpentina, que seria uma serpentina de reaquecimento. Essa serpentina reaquece o ar até 15°C, aproximadamente, e, em compensação, resfria a água, que entrando a 17°C, pode sair a 15°C, por exemplo. Não houve perda de energia. Houve um processo em série, um círculo fechado do ar com a água. Normalmente a unidade DOAS é a unidade que usaríamos em qualquer instalação fosse ou não fosse um sistema com ventilação personalizada. Já é um processo consagrado em todo o mundo.”

Plenário da Assembleia tem solução adaptada de displacement flow

Aqui se faz necessário um esclarecimento. Sem dúvida que os processos que produzem a água gelada em diferentes temperaturas e com desacoplamento de cargas são energeticamente mais eficientes. Falou-se, no início deste texto em economias de até 51% quando aplicados na ventilação personalizada. Mas o alcance de tal patamar depende, também, do usuário. Aliás, como em todo projeto de eficiência energética, o treinamento do usuário é fundamental.

“Nós incentivamos os usuários a assumirem um papel preponderante no processo de economia de energia. Eles têm a oportunidade de bloquear o fluxo de ar na estação de trabalho quando dela se ausentam. O fechamento do registro de alimentação de ar na estação de trabalho irá gerar uma pressão no duto de insuflação que vem da DOAS; no interior do duto existe um sensor diferencial de pressão que comanda o variador de frequência que atua no motor de acionamento do ventilador da DOAS. Quando o usuário fecha o registo da sua estação de trabalho, ato que se repete por várias estações, automaticamente a unidade DOAS vai diminuindo a quantidade de ar exterior insuflado, gerando uma economia de energia. Imagino que os fatores principais para aqueles 51% de economia citados na matéria (Ashrae Journal de novembro de 2011) sejam: 1º) a redução da vazão de ar exterior provocada pelo próprio usuário quando bloqueia o fluxo, ao se ausentar; 2º) na medida em que o conforto é dado pela insuflação de ar externo na estação de trabalho, o restante do volume do ambiente pode estar numa temperatura mais alta, ou seja, é admitida uma entalpia mais alta do ar naqueles pontos). Mas há um terceiro ponto, e muito importante: normalmente, quando termina o expediente alguns ocupantes permanecem por um tempo no ambiente de trabalho. Mantendo a insuflação de ar externo em uma, ou apenas em algumas das estações de trabalho, e pressupondo que os demais usuários fechem os registros findado o expediente, poderemos desligar o sistema como um todo. O sistema permanece apenas com o bombeamento de água restrito à estação de ar exterior, a DOAS, funcionando com a vazão reduzida para aquelas estações que estiverem ativas. Eu acredito que isso seja perfeitamente possível, dependendo da modulação do sistema, ou seja, mesmo critério aplicado ao zoneamento”, explica o consultor da Interplan.

A climatização das áreas de passagem é feita numa temperatura mais alta porque o usuário passa lá eventualmente. “A mesma matéria (Ashrae Journal, novembro 2011) ressaltava bem a questão de poder ter o restante do espaço numa temperatura mais alta. Comungo perfeitamente dessa ideia. Tenho convicção que isso é possível, sem que, de forma alguma, isso represente um decréscimo da condição do conforto do ambiente. A condição de conforto está consagrada pelo conforto na estação de trabalho, da pluma que se forma em torno do corpo como efeito chaminé levando o ar para cima e passando pelas zonas de respiração. Acredito que isso é o fator fundamental e que permitirá ao usuário definir sua condição de conforto preferida, sem muita sofisticação de controle; algo que ele manuseia no difusor”, continua Dantas.

Desenvolvimento de produto

Um dos desafios era a inexistência de um difusor com as características que o projeto pedia. O que exigiu um trabalho interdisciplinar, envolvendo as equipes de projeto de climatização e de arquitetura, com apoio do fabricante. Trata-se de um difusor do tipo displacement air flow, de pequena dimensão, com 15 cm de diâmetro e 17,5 cm de altura, em formato cilíndrico. Possui um registro tipo guilhotina que permite ao usuário regular a insuflação de ar em 1/3, 2/3 e 100% aberto, e totalmente fechado. Além de ter 135° de divergência, permitindo atender duas pessoas que estejam sentadas na mesma estação de trabalho.

Difusor displacement flow, que integra-se à estação de trabalho, foi desenvolvido especialmente para a ALEPE

A Trox, fabricante do difusor, desenvolveu a peça a partir de um modelo existente. Para tal, os consultores estiveram na fábrica da empresa, no Paraná, acompanhando os testes desenvolvidos na Trox Academy (laboratório de P&D da empresa) até que fosse comprovada a eficácia do artefato.

Com cerca de 630 ton, a CAG é uma central distrital que atende os vários edifícios que compõem a ALEPE: o prédio tradicional da Assembleia, que é centenário e vai ser transformado num museu, os Anexos I e II, e o novo plenário. A ideia é que a mesma instalação atenda ao museu quando estiver pronto. São três resfriadores de líquidos condensação a água, que produzem água em duas temperaturas num regime único de fluxo variável.

Central distrital alimenta todo o complexo

A instalação trabalha com o conceito de ventilação por demanda. O ar de retorno vem pelas portas das casas de máquinas, onde existem sensores de CO2. Quando eleva o nível de CO2 acima do tolerado, os dampers abrem insuflando mais ar externo. Se o CO2 estiver controlado, o ar é recirculado até o limite estabelecido pela operação.

Por limitações do edifício, apenas o ar externo é insuflado pelo piso. Para o ar de recirculação são utilizados fancoletes. Difusores de piso complementam o suprimento de ar, particularmente para a diluição dos contaminantes produzidos pela edificação, como resíduos de carpetes etc. Importante dizer que o sistema de ventilação personalizada atende também as salas de reuniões. Além disso, em caso de mudança de layout, basta tirar uma placa do piso e conectar o duto sanfonado que liga o duto de ar aos difusores de mesa.

As salas de nobreaks existentes em cada andar são atendidas por um sistema VRF. Da mesma maneira, está sendo desenvolvida uma instalação, com selfs especiais para ambientes de missão crítica, para o CPD que deverá funcionar 24 horas. Essas máquinas injetarão ar pelo piso nos chamados corredores frios.

Ficha técnica – Anexo I

Instaladora: Terclima Técnica Climática

Difusores de mesa e de piso: Trox

Variadores de frequência: WEG

Fancoils para tratamento do ar exterior e de recirculação: Trane

Isolamento dos dutos: Epex

Sensores de CO2 (tipo e fabricante): Johnson Controls

Ficha técnica – CAG e Auditório

Instaladora: Comtel

Chillers: Carrier

Difusores: Trox

Válvulas: Oventrop (balanceamento dos fancoletes) e Belimo (válvulas de 2 vias)

Cassettes hidrônicos: Hitachi

Ronaldo Almeida, editor

ronaldo@nteditorial.com.br

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