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A eliminação completa dos hidroclorofluorcarbonos (HCFCs)na região está prevista para 2030

  1. Introdução

Os países da América do Sul possuem clima tropical e equatorial e, devido a essas condições, os sistemas de refrigeração e ar-condicionado (RAC) estão ganhando cada vez mais importância. A urbanização, a eletrificação, o desenvolvimento da cadeia de frio para alimentos e medicamentos impulsionarão o crescimento das aplicações de refrigeração e ar-condicionado (RAC) nos países em desenvolvimento (UNEP, 2019). A América do Sul não é uma região homogênea, e os países têm diferenças. No entanto, a urbanização crescente é comum e há o crescimento do setor de RAC e, principalmente, o mercado para determinadas aplicações, tais como equipamentos de ar-condicionado unitários, sistemas de refrigeração para supermercados e aparelhos de refrigeração comercial autônomos.

Nos países da América do Sul, a produção de equipamentos de RAC pode variar desde pequenas unidades de montagem até capacidade total de fabricação. Em alguns países, existem empresas de manufatura locais e/ou multinacionais que estabeleceram instalações de manufatura de forma independente ou em joint ventures com fabricantes locais. Por outro lado, há países da região que são importadores de equipamentos. A maioria dos países sul-americanos são seguidores da tecnologia e, dessa forma, estarão utilizando majoritariamente as opções de equipamentos disponibilizados pelas empresas que estão no mercado global.

  1. Impacto do protocolo de Montreal e da Emenda de Kigali no uso de refrigerantes naturais

Os países da América do Sul estão eliminando os hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) sob o Protocolo de Montreal, e a eliminação completa está prevista para 2030. O processo de eliminação progressiva em cada país foi realizado por seu “Plano de Gerenciamento de Eliminação de HCFC – HPMP” desenvolvido pelos países como uma das ações para o cumprimento das medidas de controle do Protocolo de Montreal. Alguns países estão na segunda fase do HPMP e outros estão iniciando a terceira fase. A principal tarefa dos países da América do Sul é substituir o consumo de HCFC-22 e o desafio em alguns casos é substituir esse consumo pelo uso de refrigerantes de baixo potencial de aquecimento global (PAG-GWP em inglês).

A Emenda de Kigali ao Protocolo de Montreal, para reduzir os HFCs, entrou em vigor em 1º de janeiro de 2019. Os HFCs, portanto, tornaram-se substâncias controladas sob o Protocolo de Montreal, com cronogramas específicos de controle adotados para países em desenvolvimento e desenvolvidos. Atualmente, os seguintes países sul-americanos ratificaram a Emenda de Kigali: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Paraguai e Uruguai. No Brasil a emenda foi aprovada em maio passado na câmara dos deputados e agora se encontra no Senado para aprovação do texto que deverá ser encaminhado para sanção da Presidência da República.

Os países da América do Sul são países do Artigo 5 na classificação do Protocolo de Montreal e estão no Grupo I do Artigo 5 para o cronograma de redução gradual de HFC no Protocolo de Montreal, portanto, eles precisam congelar os níveis de consumo de HFC em 2024.

A Emenda de Kigali reforçou o impulso para aplicações usando refrigerantes de baixo GWP e acelera a inovação para tecnologias RAC sustentáveis, e esta é uma forte força motriz para o uso de refrigerantes naturais (Peixoto et al, 2017b).

Uma das ações que os países em desenvolvimento (Artigo 5) estão iniciando é o desenvolvimento de um plano de redução gradual de HFC, uma estratégia nacional para reduzir o consumo de HFC. Na América do Sul, os seguintes países estão desenvolvendo esses planos: Colômbia, Equador, Peru, Chile, Paraguai e Uruguai. Outra ação, que alguns países estão desenvolvendo, é a elaboração de Planos Nacionais de Refrigeração, apoiada por agências implementadoras do Protocolo de Montreal e organizações filantrópicas, com o objetivo de estabelecer uma estratégia para buscar um setor de refrigeração e ar-condicionado sustentável e reduzir/eliminar HFCs de alto PAG. Argentina, Chile e Colômbia estão desenvolvendo esses planos que deverão ser integrados aos planos de redução progressiva de HFC, e os refrigerantes naturais estão sendo considerados como uma importante alternativa aos refrigerantes de alto PAG (UNEP, 2020).

Uma das dificuldades na implementação desses planos é a falta de uma definição clara das regras que serão estabelecidas para o apoio financeiro do Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal. Outro fato importante, expresso por alguns países, é o problema causado pela sobreposição de esforços para a eliminação dos HCFCs e a redução dos HFCs.

  1. Uso de refrigerantes naturais na América do Sul

Devido à Emenda de Kigali, para garantir os benefícios climáticos do Protocolo de Montreal, o status e o potencial das soluções de refrigerantes naturais, considerando suas vantagens técnicas e de desempenho para determinadas aplicações, estão se tornando mais importantes (Peixoto, et al, 2017).

3.1. Uso de refrigerantes de hidrocarbonetos

O HC-600a é usado em aparelhos de refrigeração doméstica; quase todos os fabricantes da região sul-americana converteram de HFC-134a para HC-600a. A previsão é que nos próximos 2 a 5 anos 100% da produção nacional de refrigeradores saia das fábricas com esse refrigerante.

Devido à recente mudança na norma IEC 60335-2-89:2019, aumentando a carga máxima permitida de refrigerantes A3 de 150 gramas para 500 gramas, o HC-290 (propano) está sendo aplicado intensivamente em tomadas de refrigeração comercial autônomos (plug-in), substituindo equipamentos à base de HCFC-22 e HFC.

Não há fabricação ou importação de condicionadores de ar split com HC-290. No Brasil, algumas empresas desenvolveram planos para converter linhas de fabricação de condicionadores de ar split para o uso do refrigerante HC-290, apoiados pelo Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal, mas foram cancelados porque as empresas decidiram usar o R-410A, e o Fundo desembolsou suporte, pois a conversão para refrigerantes de alto PAG não era elegível para suporte.

As razões para a decisão incluem preocupações de segurança, principalmente na área de manutenção. No Brasil e em outros países da América do Sul é improvável que as empresas convertam sua produção para o uso do HC-290 no curto/médio prazo. As empresas estão convertendo de HCFC-22 para R-410A.

Como um caso isolado e único, há uma empresa na Colômbia que converteu a produção de equipamentos de ar-condicionado comercial (ar-condicionado split dutado e unidades do tipo pacote) para o uso de HC-290 (Colbourne et al, 2018).

O Uruguai trabalha com refrigerantes de hidrocarbonetos desde 2003 (o primeiro país da região a introduzir esta tecnologia). Em primeiro lugar, para conversões de equipamentos de ar-condicionado e refrigeração existentes e para a eliminação do consumo de CFC. Todos os testes desenvolvidos com HC-290 apresentaram bons resultados em termos de desempenho térmico e eficiência energética. Devido a questões sobre regulamentos, segurança e restrições de manutenção, a opção de retrofit com refrigerantes de hidrocarbonetos foi abandonada no país.

Refrigerante hidrocarboneto também está começando a ser aplicado em algumas soluções para sistemas centralizados em instalações de refrigeração de supermercados no Brasil. Não foi identificado o uso, ou não existem centrais de ar-condicionado no edifício utilizando chillers com refrigerantes hidrocarbonetos. Os refrigerantes hidrocarbonetos são usados em sistemas de refrigeração industrial nas indústrias petroquímicas em países da América do Sul.

No Brasil, o uso de uma mistura de refrigerante de hidrocarboneto, contendo HC-600, HC-600a e HC-290, está sendo investigado por um grupo de pesquisa para o uso como refrigerante alternativo drop-in ao HFC-134a e HC-600a na fabricação de refrigeradores domésticos. Os resultados alcançados até agora mostram um melhor desempenho e eficiência energética

3.1.1. Conversão de PMEs que fabricam unidades de refrigeração comercial para o uso de refrigerantes de hidrocarbonetos

Há uma tendência de aumentar o uso dos refrigerantes hidrocarbonetos na refrigeração comercial – unidades autônomas. Na região da América do Sul, existem muitas pequenas e médias empresas que fabricam esses equipamentos.

A adoção da tecnologia de hidrocarbonetos pelas empresas exigirá o desenvolvimento de capacidade técnica para a aplicação da tecnologia de refrigerantes de hidrocarbonetos, envolvendo P&D, conversão de linhas de fabricação, adequação da infraestrutura da planta para manuseio seguro de refrigerantes inflamáveis e acesso a laboratórios de testes credenciados para projeto de produtos. Adicionalmente, as empresas precisam desenvolver esforços e contar com apoio externo para a capacitação do pessoal de serviços, envolvendo treinamento e disponibilização de ferramentas de atendimento adequadas.

No Brasil, a implementação do “Plano de Gerenciamento de Eliminação de HCFCs (HPMP) apoiou a conversão tecnológica de PMEs fabricantes de equipamentos de refrigeração comercial, como displays verticais e horizontais, refrigeradores de cerveja, congeladores para sorvete etc. Até o momento, duas empresas foram convertidas e outras sete estão em processo de conversão, principalmente para o uso do refrigerante HC-290.

3.2. Uso de CO2

Desde 2009, o CO2 é utilizado em instalações de refrigeração de supermercados em configurações de sistema em cascata, com HFC-134a como refrigerante no circuito de temperatura mais alta. Esses sistemas foram instalados principalmente na Argentina e no Brasil, onde se estima que existam cerca de 500 instalações. Devido aos importantes e revolucionários desenvolvimentos tecnológicos na última década (multi-ejetores e compressão paralela) para aumentar a eficiência dos sistemas transcríticos de CO2 e a redução da penalidade devido ao consumo de energia mais alto em climas quentes, nos últimos anos iniciou-se a implementação de sistemas transcríticos de CO2 na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Peru. Atualmente, estima-se que existam 75 instalações transcríticas na América do Sul (Shecco, 2020). A previsão é de que 50% dessas instalações estejam localizadas no Brasil.

Considerando os investimentos iniciais necessários para as instalações de refrigeração de CO2 em supermercados, a informação obtida é que em vários países da região há a percepção de que esses custos iniciais estão se aproximando cada vez mais dos custos existentes com HCFC-22 ou HFCs alternativos. Os principais custos envolvidos nas instalações com CO2 estão relacionados aos compressores (cerca de 20% mais caros em relação aos fluidos sintéticos); óleo lubrificante; sistema de segurança (sensores de detecção de vazamento e sistema de exaustão etc.); e controles eletrônicos (válvulas de expansão eletrônicas, sistema de supervisão etc.). O refrigerante CO2 é mais barato, o que tem um efeito positivo não só no custo associado à carga inicial de uma instalação, mas também nos custos operacionais devido à necessidade de operações de recarga decorrente de vazamentos de refrigerante. Além disso, em todos os países há declarações de proprietários, fabricantes e instaladores de uma maior eficiência energética das instalações de CO2 em comparação com os sistemas HCFC-22 e R-404A e com os sistemas R-507.

De acordo com as informações obtidas, ao comparar uma instalação de CO2 a um sistema HCFC-22, com o mesmo nível de configuração tecnológica, por exemplo, usando o mesmo tipo de controles eletrônicos (dispositivo de expansão, compressores de velocidade variável etc.), circuito de óleo lubrificante etc., a diferença no custo inicial é bem pequena ou inexistente.

3.3. Uso de amônia

Na América do Sul, assim como em outras regiões do mundo, o R-717 (amônia) tem sido utilizado basicamente como refrigerante em plantas de refrigeração industrial. Quando existem preocupações de segurança, devido à toxicidade da amônia, relacionadas à localização da planta e sua proximidade com áreas residenciais ou locais onde há circulação de pessoas, os refrigerantes HCFC e HFC são usados em menor escala. Em aplicações industriais, soluções com fluidos sintéticos raramente são mais eficientes que amônia, e os riscos com sistemas de refrigeração com amônia podem ser controlados com medidas de segurança bem elaboradas.

O desenvolvimento da tecnologia de baixa carga de amônia para sistemas de refrigeração de pequena e média capacidade está penetrando no mercado, o que deverá cooperar para expandir o uso de sistemas de amônia.

No Brasil e em outros países da América do Sul, uma empresa global está colocando no mercado sistemas de refrigeração indireta amonia-CO2, com carga reduzida de amônia, e já instalou sistemas para indústrias de processamento de alimentos na Argentina, Brasil e Equador.

Há uma competição incipiente entre amônia e CO2 para sistemas de refrigeração industrial na América do Sul. A concorrência, que de certa forma é semelhante ao que está ocorrendo em outras regiões do mundo, pode ter como impacto o possível aumento de sistemas de refrigeração industrial de CO2 em instalações de menor capacidade, considerando algumas restrições existentes de localização de sistemas de amônia.

  1. Legislação e normas para refrigerantes naturais

Muitos países da América do Sul possuem normas sobre sistemas de refrigeração, mas não possuem normas atualizadas sobre o uso seguro de refrigerantes. Alguns países vêm se esforçando para desenvolver seus próprios padrões, como Brasil, Argentina e Colômbia.

No Brasil, a norma “Segurança em Sistemas de Refrigeração” abrange aspectos de projeto e uso de instalações industriais e foi desenvolvida com base em diversas normas internacionais. A norma IEC 60335-2-89, revisada recentemente, para o uso de refrigerantes inflamáveis em aparelhos de refrigeração comercial autônomos, está sendo usada pelos fabricantes desses aparelhos para apoiar sua conversão e produção de unidades baseadas em HC-290.

Em todos os países da região, não existe norma específica para refrigerantes inflamáveis. No Paraguai, está sendo elaborada norma para certificação do manuseio seguro de refrigerantes de hidrocarbonetos em sistemas de refrigeração domésticos. No Uruguai, não há legislação sobre padrões para refrigerantes naturais, mas há norma para o uso de amônia. No Brasil, e em todos os países, não há legislação específica para refrigeração industrial de amônia.

A Colômbia está planejando a implementação de um processo de certificação para técnicos de RAC, com base nas normas nacionais existentes sobre instalações, manutenção e boas práticas em refrigeração.

  1. Desafios do setor de serviços

O principal desafio do setor de serviços da América do Sul é a disponibilidade da infraestrutura e a acessibilidade ao treinamento e certificação na manutenção de refrigerantes inflamáveis, tóxicos e de alta pressão, e o custo de novas ferramentas para operações de manutenção seguras. Isso é mais dramático considerando os técnicos que estão no grupo informal. Desta forma, é fundamental o apoio às instituições de treinamento para o desenvolvimento de cursos de capacitação.

Em relação à refrigeração por amônia, normalmente não há requisitos específicos para empresas que prestam serviços em refrigeração; não existe nenhuma entidade de certificação, homologação que garanta e/ou fiscalize as instalações. Normalmente, os conhecimentos adquiridos e as referências dos serviços executados são suficientes para qualificar a pessoa/empresa a prestar o serviço. Também não há exigência legal para técnicos.

5.1. Treinamento e certificação para refrigerantes naturais

As empresas responsáveis pelos serviços de montagem, instalação, operação e manutenção devem dispor de recursos humanos e técnicos de boa qualidade, principalmente quanto à utilização de ferramentas e equipamentos adequados no sistema de refrigeração, como bomba de vácuo, detector de vazamento, máquina coletora de gás, cilindro de serviço, manômetro, termômetro, entre outros. Devem também contar com técnicos de refrigeração qualificados e periodicamente treinados de instituições de ensino profissional reconhecidas ou de empresas fabricantes de equipamentos e componentes de refrigeração.

Todos os países da América do Sul implementaram cursos de treinamento do Protocolo de Montreal para técnicos de refrigeração relacionados a boas práticas em refrigeração e muitos desenvolvem cursos e materiais de treinamento sobre manuseio seguro de refrigerantes de hidrocarbonetos. Alguns deles foram desenvolvidos bem antes da demanda de manutenção de equipamentos de refrigeração à base de hidrocarbonetos no país. Agora há demanda, devido à maior presença de equipamentos de hidrocarbonetos em campo, e há necessidade de retreinar parte do grupo de técnicos, principalmente do grupo informal. Além disso, há a forte necessidade de expandir esses cursos de formação.

Atualmente, esses cursos estão sendo retomados presencialmente após a pandemia e também incluem refrigerantes CO2 e amônia.

No Uruguai, foram realizados cursos para conversão de equipamentos existentes para uso de refrigerantes hidrocarbonetos; porém, considerando as recomendações para desencorajar a conversão de equipamentos, foram desenvolvidos os cursos sobre manuseio seguro de sistemas à base de hidrocarbonetos. Deve-se mencionar também que manuais de boas práticas para o manuseio seguro de refrigerantes hidrocarbonetos em equipamentos de refrigeração doméstica foram elaborados em quase todos os países.

No Brasil, foi lançado um programa de treinamento e qualificação de mecânicos e técnicos para o uso seguro e eficiente de CO2 e HC-290 em unidades e sistemas de refrigeração comercial. No segmento de ar-condicionado, considerando a possibilidade de uso dos condicionadores de ar split HC-290 no curto/médio prazo, serão desenvolvidos cursos para treinamento e capacitação de técnicos para o uso seguro de fluidos inflamáveis nestes equipamentos.

Poucos países já iniciaram a discussão e a certificação de técnicos, como Peru e Brasil, e um país está iniciando o processo de certificação de técnico em refrigeração, a Colômbia. O Paraguai está trabalhando na implementação de normas de certificação de competências trabalhistas para Boas Práticas e manuseio seguro de refrigerante amônia em instalações industriais.

  1. Disponibilidade e acessibilidade de refrigerantes naturais e componentes de refrigeração

Em todos os países da América do Sul há disponibilidade de refrigerantes hidrocarbonetos, CO2 e amônia, mas com acessibilidade desigual, considerando o desenvolvimento e o tamanho do mercado das instalações de refrigerantes naturais no país.

Devido à incorporação do HC-290 na refrigeração comercial autônoma, uma empresa brasileira do mercado de GLP (gás liquefeito de petróleo) criou uma divisão de refrigerantes e está promovendo o HC-290 no mercado de RAC.

A disponibilidade de componentes (compressores) e ferramentas (detectores, juntas para soldagem a frio etc.) para lidar com refrigerantes hidrocarbonetos é baixa e, em alguns casos, inexistente. Na Colômbia, há uma baixa disponibilidade de componentes. Um problema existente está relacionado com a frequência dos componentes, principalmente compressores, que são comercializados a 50 Hz, e países como a Colômbia exigem 60 Hz.

No Peru, os componentes para refrigerantes naturais estão entrando no mercado, mas apenas a pedido de clientes específicos, e no Paraguai há um baixo fornecimento e altos custos de aquisição de equipamentos, componentes e ferramentas para refrigerantes de hidrocarbonetos.

Na Bolívia, uma das atividades econômicas mais importantes é a produção de hidrocarbonetos, principalmente gás natural, que é exportado para o Brasil e Argentina. A composição do gás natural inclui propano (HC-290) e isobutano (HC-600a). O país está avaliando o potencial para a produção desses refrigerantes hidrocarbonetos HC-290 e HC-600 considerando a atual infraestrutura instalada

O Brasil possui diversos fabricantes que oferecem uma linha completa de compressores e componentes para uso de CO2, HCs e NH3, incluindo peças de reposição e assistência técnica de fábrica. Há também empresas que fornecem uma linha completa de componentes eletrônicos e controles para a utilização desses fluidos, como válvulas de expansão eletrônica, trocadores de calor, gerenciadores de rack, sistemas de supervisão, inversores de frequência, entre outros.

  1. Barreiras ao uso de refrigerantes naturais

Os países da América do Sul estão sob a orientação das normas internacionais que regulamentam o tema. Assim, a aceitação generalizada é afetada pelas normas técnicas restritivas, em particular para refrigerantes inflamáveis. A atual revisão e alteração da norma internacional sobre limites de carga já impactou e impactará mais nos próximos anos o setor e o mercado local. Uma vez que esta questão de inflamabilidade tenha sido abordada adequadamente nas normas, pode levar à aceitação de cargas de refrigerante maiores no equipamento do que é atualmente possível. Há necessidade de internalização de padrões internacionais para dar confiança ao mercado.

Os países não possuem normas específicas que regulam a carga de refrigerantes inflamáveis e isto pode ser visto como uma barreira local para equipamentos à base de refrigerantes de hidrocarbonetos. Medo de inflamabilidade e suporte legal em caso de problemas são questões envolvidas.

O investimento para conversão para HFC-290 é uma barreira para fabricantes de unidades de refrigeração comerciais. O apoio do Protocolo de Montreal não é suficiente. Sensores e ferramentas nem sempre estão disponíveis e são mais caros (por exemplo, balança e ventiladores com certificação ATEX). Os trocadores de calor padrões não são projetados para refrigerantes naturais ou são mais caros devido à pequena escala do mercado. O imposto de importação sobre alguns componentes é considerado uma barreira e não há incentivos governamentais. Há também medo com o transporte de refrigerantes inflamáveis e os produtos que os contêm.

Em geral, e para todos os refrigerantes naturais, é fundamental a capacitação técnica para o setor de serviços para capacitar (educação e ferramentas) os técnicos de serviço, principalmente no segmento informal. Isso tornará as empresas mais confiantes sobre o uso seguro de seus produtos.

Os importadores mencionam que, em alguns casos, o fabricante do equipamento não está motivado a exportar equipamentos com refrigerantes inflamáveis para determinados locais, por medo de ter problemas legais posteriores em caso de um possível acidente. Menciona-se também que os processos de importação, no caso de equipamentos à base de refrigerantes hidrocarbonetos, são mais complicados e mais lentos em comparação com aqueles relativos aos refrigerantes sintéticos. Também comentam o aumento do custo do frete, que solicita seguro para transporte de substâncias inflamáveis.

  1. Estudos de caso

8.1. Colômbia

Um projeto demonstrativo apoiado pelo Fundo Multilateral para a Implementação do Protocolo de Montreal foi desenvolvido em 2015-2016 para demonstrar o uso seguro do HC-290 como refrigerante alternativo ao HCFC-22 e R-410A na produção de equipamentos comerciais de ar-condicionado em uma empresa colombiana.

O projeto foi realizado em uma empresa que é responsável por grande parte da produção nacional de unidades condensadoras, split dutados e equipamentos tipo self-contained (DACS) com HCFC-22 e R-40A. A produção média da empresa é de 4100 unidades por ano, com capacidades de refrigeração que variam de 3,5 a 17,5 kW (Colbourne et al, 2018).

Os resultados do projeto foram: demonstração do uso seguro do HC-290 na fabricação de equipamentos de ar-condicionado comercial e garantia do gerenciamento seguro e adequado dos riscos associados à introdução de refrigerantes inflamáveis no setor de ar-condicionado comercial.

As unidades foram reprojetadas para trabalhar com refrigerante HC-290. Diferentes testes de vazamento e ignição foram realizados, principalmente em protótipos de grande porte (capacidade de refrigeração de 17,5 kW). As características técnicas e de segurança das unidades com refrigerante hidrocarboneto são: (i) foram utilizados trocadores de calor micro canal de alumínio e trocadores de calor de tubo de cobre de 8 mm; (ii) carga de refrigerante HC-290 otimizada: 1.000 gramas para unidade condensadora split com dutos com tubo de cinco (5) metros (capacidade de refrigeração de 17,5 kW) e 950 gramas para unidade package-type condenser unit; (iii) a estrutura metálica de ambos os tipos de equipamentos foi modificada para evitar altos níveis de concentração de HC-290 dentro do equipamento, sempre que ocorrer um vazamento inesperado; (iv) um sensor ultrassônico para detecção de vazamento foi aplicado na unidade de condensação da unidade split.

Testes comparativos relacionados ao consumo de energia mostraram que a potência do compressor do equipamento baseado em R-410A foi de 4.350 W e a potência para o novo design com HC-290 foi de 3.780 W.

As unidades já estão sendo comercializadas no mercado colombiano. A Figura 1 mostra alguns detalhes do processo de carga de HC-290 e a unidade de hidrocarbonetos.

Figura 1: Processo de carga de HC-290

Fonte: Unidade Técnica Ozono – Colômbia

8.2. Brasil

Um sistema remoto baseado em HC-290 foi instalado em um supermercado no Brasil em 2019. O sistema consiste em um chiller HC-290/glicol e sistema em cascata HC-290/glicol/CO2. O custo de investimento de instalação foi estimado como 5% mais alto, comparado a um supermercado quase idêntico na mesma rede e cidade usando HFC-134a. Quatro supermercados no Brasil estão usando esse sistema (engenhariaearquitetura, 2020).

O sistema possui glicol para os balcões e gondolas de média temperatura e câmaras frigoríficas. A refrigeração de baixa temperatura é fornecida por CO2 (resfriado por glicol). O chiller com HC-290 possui um condensador resfriado a água. No projeto do sistema, a carga do HC-290 foi otimizada e é de 1,90 kg por módulo (11,4 kg no total).

A instalação tem seis módulos, cada uma com uma capacidade de refrigeração de 23,2 kW. Cada módulo inclui um chiller com HC-290 que resfria glicol a -3℃ e seis compressores de CO2 subcríticos para baixa temperatura, com temperatura de evaporação CO2 de -26℃ e os gabinetes de baixa temperatura sendo resfriados a -18℃. A Figura 3 mostra o chiller com os módulos. Como medida de segurança adicional, cada caixa inclui um mecanismo de extração de ar, controlado por um sistema de monitoramento remoto, para manter a pressão de ar negativa na caixa em caso de vazamento.

A instalação é considerada eficiente em termos energéticos apresentando uma economia média de energia de 30 kWh/mês desde que começou a funcionar.

Figura 2: Chiller HC-290/glicol instalado em supermercado brasileiro

8.3. Chile

Um sistema industrial de CO2 transcrítico para múltiplas temperaturas de evaporação e cargas variáveis foi instalado em 2020 em uma empresa de processamento de alimentos frescos e congelados em Santiago, Chile (R744.com, 2020). O sistema apresenta compressão paralela, resfriador de gás adiabático, multiejetores de alta pressão e recuperação de calor para aquecimento de água. A instalação consiste de dois racks idênticos, cada um com capacidade de 900kW (256TR).

Os compressores possuem motores elétricos com ímãs permanentes (motores PM), e os de média temperatura são compressores de rotação variável. Os resfriadores de gás adiabático aproveitam as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do clima local, permitindo uma diferença de 5-6℃ entre a temperatura ambiente e a temperatura do ar que entra no resfriador de gás. A instalação opera com cinco (5) temperaturas de evaporação (-42oC, -30oC, -10oC, 1oC, 7oC).

A instalação possui um sistema de controle de última geração e um sistema de telemetria, que controla e monitora a pressão e permite a gestão do consumo de energia. A Figura 3 apresenta um esquema da instalação.

Figura 3: Instalação de CO2 transcrítico – Chile

Fonte: Portan

  1. Conclusões

Até recentemente, os refrigerantes HFC de alto GWP eram a escolha preferida nos países da América do Sul. Pode-se dizer que para algumas aplicações, devido às vantagens apresentadas, as tecnologias de refrigeração com refrigerantes naturais estão prontas para o mercado e apresentam uma oportunidade de avançar em direção à refrigeração e ar-condicionado sustentáveis.

Soluções baseadas em refrigerantes naturais estão disponíveis para implantação em uma variedade de aplicações na região da América do Sul, mas ainda existem algumas barreiras para a aceitação dessas tecnologias. As normas de segurança e de projeto do sistema são críticas para refrigerantes naturais. A falta de padronização pode tornar a instalação e o uso seguros um desafio.

O setor de serviços dos países sul-americanos, marcadamente o setor informal, está muito despreparado para o mundo dos refrigerantes naturais, principalmente para os refrigerantes inflamáveis. Para lidar com essa barreira, a capacitação e treinamento são fundamentais para a segurança da aplicação.

A tecnologia baseada em refrigerantes naturais energeticamente eficientes está disponível. Na América do Sul, o desafio é como permitir que os países explorem essas tecnologias e as tornem acessíveis. Os fabricantes locais, os projetistas e instaladores, precisam de apoio para absorver a tecnologia e os países precisam construir programas de qualificação e certificação para que os técnicos trabalhem com segurança com essas tecnologias.

Agradecimentos

O autor agradece ao PNUD e à UNIDO, às Unidades Nacionais de Ozônio do Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Uruguai, e às empresas Danfoss e Johnson Controls, pelo fornecimento de informações para este estudo. O autor também agradece a Flavio Fiorelli pela revisão do texto, Pier Zecchetto e Celina Bacelar pela discussão sobre as instalações de CO2 e amônia.

Roberto Peixoto, Professor do Instituto Mauá de Tecnologia, consultor de agências de implementação do Protocolo de Montreal e co-chair do Comitê de Opções Técnicas em Refrigeração, Ar Condicionado e Bombas de Calor da UNEP

Referências

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