O debate em torno às demandas e conceito do ESG recém-começaram no setor de climatização e refrigeração no Brasil. Pela sua similaridade com o conceito de sustentabilidade, ao qual abarca, não raro ambas as questões se apresentam como iguais. No entanto, existem grandes diferenças. O conceito ESG é mais amplo, além de trazer para a arena as questões de gestão e remuneração de colaboradores e, principalmente, acionistas.

Em seguida, reproduzimos entrevista realizada por email com Thiago Boroski, coordenador de contas corporativas e eficiência energética da Trox do Brasil. Boroski fala com propriedade: é formado em Engenharia Mecânica e Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e Queens University Belfast, do Reino Unido, com especialização em Sistemas de Ar-Condicionado e Ventilação Mecânica pela Abrava e formação executiva em Inovação e Tecnologia da Indústria 4.0 pela FGV, além de pesquisador pela UFABC na área de Engenharia de Energia.

 A+CR: Como você interpreta a questão do ESG?

O conceito de ESG está longe de ser definido apenas pelo simplório significado dessas três letras: environmental, social and governance (ambiental, social e governança, em português). Ainda assim, o debate em torno desse tema vem ganhando corpo no Brasil – seguindo o movimento mundial -, desafiando empresas e profissionais de diversos segmentos a se aprofundarem em questões até então alheias às rotinas corporativas. O principal motor de crescimento da agenda ESG é a urgência de se combater as mudanças climáticas, principalmente pela meta defendida pela ONU de zerar as emissões de carbono até 2050.

Os pilares do conceito ESG são os mesmo que solidificaram o conceito de sustentabilidade nas duas últimas décadas, na esteira dos debates sobre desenvolvimento sustentável que surgiram no final dos anos 80 e dominaram os anos 90: econômico, social e ambiental. Apesar de caminharem na mesma direção, ESG não é sinônimo de sustentabilidade! É necessário reforçarmos o equívoco dessa definição que vem dominando o debate e aprofundarmos a análise sobre o que de fato é o ESG.

Os princípios do processo de ESG estão relacionados direta e especificamente com a análise de risco de investimento, tomando como base para avaliação uma série de indicativos de performance ligados às práticas ambientais, sociais e de governança corporativa de determinada empresa. Fazendo uma conexão com a sustentabilidade, o ESG mede o impacto que as ações sustentáveis das empresas causa nos seus resultados e o quanto essas ações reduzem o risco de investimento. Voltando ao campo de visão do investidor, pode-se dizer que o ESG trouxe uma nova forma de se avaliar os riscos, não mais focando apenas em aspectos econômicos e financeiros, mas incorporando esses aspectos dentro de uma ampla esfera socioambiental – os riscos socioambientais.

O que o ESG propõe, portanto, é uma nova forma de valuation, ou avaliação das empresas, onde o que gera valor para uma determinada empresa não é mais aquilo que é visto de forma positiva apenas pelos acionistas, e sim o conjunto de práticas corporativas e de sustentabilidade que seja bom tanto para os acionistas como para os demais envolvidos na cadeia de geração de valor – colaboradores, clientes, fornecedores, comunidade local etc.

A+CR: De uma maneira geral, qual a participação possível do AVAC-R para o sucesso do ESG?

O segmento de AVAC-R possui um grande potencial de colaboração dentro dos princípios do ESG por atuar diretamente com práticas de impacto socioambiental. Um ponto de destaque é justamente o caráter interdisciplinar dos projetos, que acabam por impactar diversos aspectos dentro dos princípios do ESG.

Todas as questões envolvendo conforto térmico dos ambientes e qualidade do ar interior são de responsabilidade deste segmento e demandam práticas especificas para garantir indicadores positivos. Além disso, pela necessidade cada vez maior da presença de sistemas de ar-condicionado e ventilação mecânica nos edifícios, aliada à parcela significativa que os sistemas de AVAC-R representam no consumo de energia elétrica de uma edificação, a busca do setor pelo aumento da eficiência energética dos equipamentos e sistemas também é uma prática de impacto bastante positivo para todos os envolvidos.

A+CR: Na questão ambiental quais as principais demandas ao alcance do AVAC-R?

Olhando especificamente para o E do ESG, environmental ou ambiente, é notória a importância do segmento e as práticas que podem ser adotadas em consonância com o conceito de ESG. De maneira geral, os fabricantes têm trabalhado com bastante dedicação no desenvolvimento de equipamentos cada vez mais eficientes, com ganhos de performance em cargas parciais, redução no consumo elétrico, menores níveis de ruído e a aplicação das novas famílias de fluidos refrigerantes ecológicos com baixos potenciais de aquecimento global e destruição da camada de ozônio (GWP, Global Warming Potential, e ODP, Ozone Depletion Potential).

Seguindo esse movimento, os projetos também têm se destacado pela sofisticação das soluções apresentadas na busca por instalações mais eficientes e com menores pegadas de carbono, ou seja, reduzidas emissões de CO2 – é crescente o número de projetos que utilizam recuperadores de calor, vigas frias e ciclos entálpicos para aumento da eficiência energética dos sistemas. Muitos deles, principalmente em aplicações industriais e de processos, também têm olhado para o tema dos fluidos refrigerantes naturais e ecológicos, como é o caso da Amônia (R717), do Dióxido de Carbono (R744) e do Propano (R290).

A+CR: Na questão social, particularmente num país com fortes demandas neste sentido, qual pode ser a contribuição do AVAC-R?

O pilar social do ESG é muito amplo e permite diferentes abordagens dentro das ações possíveis para o segmento de AVAC-R, uma vez que trata dos impactos causados a todos os envolvidos na cadeia produtiva de determinada empresa. O próprio conforto térmico proporcionado pelo sistema de ar-condicionado aos colaboradores em um escritório já pode ser considerado um fator positivo dentro dos princípios do ESG. Com a tragédia da pandemia, outro ponto sob responsabilidade do nosso segmento foi exaustivamente debatido: a qualidade do ar interior. Certamente, o debate sobre as possíveis práticas a serem adotadas para prevenção de contaminação e garantia dos níveis adequados de filtragem do ar nos ambientes resultou em ações concretas que elevaram significativamente a qualidade do ar nos ambientes e a segurança dos ocupantes; as empresas que passaram a adotar essas práticas são vistas de maneira positiva dentro dessa análise de ESG.

Para exemplificar a amplitude do aspecto social, o próprio nível de ruído de equipamentos instalados em áreas externas, além de impactar na eficiência energética e na avaliação do pilar ambiental, também pode ser considerado dentro de uma avaliação do pilar social se estiver causando danos à comunidade local. Os operadores e profissionais de manutenção possuem equipamentos de proteção e condições adequadas para realizar seus trabalhos? Podem estar sendo expostos à contaminantes retidos nos filtros quando realizam as suas trocas? Mais um impacto no pilar social do ESG.

A+CR: Finalmente, como atender as demandas corporativas mantendo o lucro do acionista?

Finalmente, quando se analisa o G do ESG, governance ou governança, o segmento de AVAC-R pode não estar presente nas práticas diretas das empresas e clientes, mas sua atuação nos pilares social e de ambiente geram resultados indiretos para a governança corporativa. Ao mesmo tempo, a demanda por práticas socioambientais sustentáveis só pode partir de uma empresa que conta com sólidas práticas de governança, o que já caracteriza uma prática positiva dentro dos princípios do ESG. Aqui entra o conceito da dupla materialidade – o que é bom para o negócio e também é bom para os envolvidos. As ações de governança corporativa resultam em práticas socioambientais positivas, reduzindo os riscos nos pilares social e de ambiente, que por sua vez evidenciam a presença das próprias práticas positivas de governança. É um circulo virtuoso de práticas e impactos positivos.

Diversos estudos e relatórios apontam para os resultados extremamente positivos das empresas que estão mais alinhadas com as práticas ESG. Um estudo realizado pela consultoria BCG, por exemplo, mostrou que as empresas que adotam melhores práticas em ESG percebem diversos impactos positivos, como aumento da lucratividade e melhora nos índices de avaliação de mercado.

Por fim, vale destacar que as próprias empresas do setor e as entidades devem estabelecer critérios de governança, atuar de forma ética e transparente dentro das suas comunidades e com todos os envolvidos em suas esferas de atuação.

A+CR: Qual seria, na sua visão, o caminho para a implantação da ESG nas empresas?

Uma boa prática na governança corporativa é, ademais, o ponto de partida para o estabelecimento de uma agenda ESG em qualquer empresa e vai refletir a visão da empresa na construção de uma operação sustentável e de baixo risco socioambiental.

O caminho natural da implementação da agenda ESG passa pelo planejamento inicial das ações e práticas sociais e ambientais que se deseja adotar e pela análise dos impactos positivos que podem proporcionar. O ponto crucial apontado pelos especialistas é que essa práticas e ações precisam ser medidas de forma bastante criteriosa, o que demanda a definição de indicadores-chave de desempenho (KPI). São esses indicadores que serão divulgados para o mercado e que evidenciarão o baixo risco socioambiental da empresa, dentro dos princípios do ESG.

Para que esse planejamento resulte em ações efetivas e indicadores positivos, a empresa deve contar com uma liderança engajada nas questões socioambientais e que estimule uma mudança cultural na empresa, apontando sempre para as práticas sustentáveis.

A+CR: Qual é a relação da ESG com a descarbonização do setor AVAC-R?

Na esteira do ESG, muito se tem discutido sobre a descarbonização dos processos e produtos, que de forma indireta, acaba por ser uma consequência natural das próprias práticas socioambientais sustentáveis. O segmento de AVAC-R cumpre papel importante também nesse tema, uma vez que sua atuação impacta direta e positivamente os pilares social e ambiental do ESG. A busca por maior eficiência energética dos equipamentos e sistemas, o desenvolvimento de equipamentos que utilizem fluidos refrigerantes naturais e ecológicos, implementação de sistemas de automação que otimizem a operação, aplicação de tecnologias da Indústria 4.0 que facilitem as rotinas de manutenção e reduzam deslocamentos de equipes e materiais – esses são alguns exemplos de ações já em curso dentro do nosso segmento que trazem diversos impactos positivos dentro do contexto socioambiental, dentre eles a redução significativa das emissões de carbono. Apenas para citar um número, o departamento de Eficiência Energética da Trox vem realizando diversos trabalhos de retrofit em equipamentos para aumento de performance e redução de consumo elétrico – substituição de ventiladores e serpentinas, implementação de sistemas de automação e adequação das baterias de filtragem – nos quais se alcançam reduções nas emissões de CO2 equivalente de até 40%, o que se traduz na redução direta do consumo elétrico e do custo operacional.

A+CR: Qual o processo abraçado por sua empresa na adaptação à ESG?

A Trox atua globalmente de forma integrada para implementar a agenda ESG dentro de uma série de ações alinhadas com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Além disso, estabeleceu a meta de zerar globalmente as suas emissões de carbono até 2040, através de um plano de ação que envolve o mapeamento completo das emissões em todas as suas fábricas e escritórios comerciais para adoção de medidas mitigatórias e compensatórias. Paralelamente, há um plano de metas a serem alcançadas até 2025, como um embasamento para o plano de zerar as emissões de carbono. Dentre elas, crescimento sólido em faturamento e EBIT, redução das emissões de carbono relativas a cada produto fabricado e aumento do ciclo de vida dos produtos, redução proporcional do consumo elétrico dos equipamentos e sistemas pelo aprimoramento e desenvolvimento contínuo, implementação do sistema de gerenciamento de resíduos com aumento da taxa de reciclagem, homologação e gestão de fornecedores alinhados com as práticas sustentáveis e programas de treinamento para os colaboradores.

Thiago Boroski

 

 

 

 

 

 

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