Projeto de ar-condicionado teve premiação da Ashrae pela eficiência energética com generosas taxas de renovação do ar

A rede Mater Dei de Saúde foi inaugurada em 1º de junho de 1980 com o início das operações na Unidade Santo Agostinho, em Belo Horizonte. Desde então, tem se notabilizado pelo pioneirismo em várias áreas. Coube à instituição protagonizar diversas iniciativas, como a primeira fertilização in vitro de Minas Gerais e terceira do país, em 1989; em 1994 foi responsável pelo primeiro stent em artéria ilíaca de Minas Gerais; também em suas instalações foi realizado o primeiro transplante de fígado no estado, em 1996.

Após várias expansões na primeira unidade, em 2014 era inaugurado o Mater Dei Contorno. O Mater Dei Betim-Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi inaugurado em 2019, enquanto unidade de alta complexidade para atender à principal região industrial do estado. O passo mais recente para a expansão é marcado pela inauguração da Unidade Mater Dei Salvador, Bahia.

Além dos importantes avanços no atendimento hospitalar e da constante inovação tecnológica e de procedimentos, a Rede desenvolve significativo trabalho na área ambiental, buscando soluções sustentáveis para suas instalações. Também se preocupa com um ambiente saudável e acolhedor para pacientes e colaboradores, como é possível constatar pela área verde que cerca a unidade Betim-Contagem.

A unidade Betim-Contorno é um hospital completo, que cobre todas as especialidades, inclusive transplantes; é equipado com o que há de mais moderno na medicina e atende, também, a todas as fases da vida, de acordo com Marcos Antonio Senra e Natália Magalhães Coelho. Senra é engenheiro civil e responsável pela área de engenharia da Rede Mater Dei, onde está há 44 anos. Coelho é coordenadora de operações da Unidade Betim-Contagem e ingressou na instituição em 2018, pouco antes da inauguração.

A complexidade do hospital é um dos aspectos definidores das utilidades, particularmente o sistema de climatização. “Quando a gente vai definir principalmente o sistema de ar-condicionado é fundamental um estudo bem amplo porque você tem que atender a vários fatores. O principal, o foco do hospital, sempre é no cliente. Então, o que o hospital mais olha é o que é melhor para o seu cliente, para evitar problemas de contaminação, a qualidade do ar, o conforto térmico, nível de ruído, tudo isso é pensado antes de definir qual tipo de ar-condicionado vai ser usado. Acrescenta a isso, estudo energético para a economia de energia. Tem também a questão ambiental, que hoje pesa muito. Os equipamentos já não poluem, não afetam a camada de ozônio. Essa coisa toda é olhada com muito critério, muita profundidade e muita seriedade. O ar-condicionado é um dos fatores primordiais na área hospitalar”, explica Senra.

O engenheiro ressalta algumas questões quando do projeto das instalações. “O hospital tem essa preocupação de ser ecologicamente correto, e economicamente também. Existe aqui uma série de tratativas para que isso aconteça. Por exemplo, o dreno da água do sistema de ar-condicionado e dos bebedouros é direcionado para um tanque de acumulação. Lá a água é tratada e reutilizada nas cargas e irrigação, gerando uma economia muito grande. Todo o ambiente iluminado naturalmente tem sensor fotoelétrico, então só se acende luz nestes setores à noite, e se tiver gente. As lâmpadas são 100% LED.”

Na condição de coordenadora de operações, Natália Coelho dá o seu testemunho. “Quando inaugurou o hospital a gente irrigava todo o bosque, toda a parte verde, com a água da Copasa (Concessionária local). Nós tivemos uma redução significativa quando passamos a utilizar a água de reuso. A economia foi de quase 60% para o hospital. E praticamente 90% dessa água vem do ar-condicionado.”

As instalações hospitalares ocupam 20 mil metros quadrados de uma área total de 27 hectares. Isto inclui uma área de preservação permanente. “São 1770 mudas plantadas por nós. Sendo que temos um bosque que serve como área de descompressão, tanto para funcionários, como visitantes e pacientes, além dos jardins e áreas verdes nas varandas”, diz Coelho.

Os sistemas de climatização

As escolhas feitas pelo Mater Dei não poderiam ter sido melhores. O projeto escolhido conquistou o prêmio inovação da Ashrae, tanto no capítulo Brasil, quanto na XII Região que contempla Flórida e América do Sul e Caribe. Quem explica é o engenheiro Francisco Pimenta, diretor da Climatizar, responsável pelo projeto de ar-condicionado do Mater Dei Betim-Contagem e atual presidente do Departamento Nacional das Empresas Projetistas e Consultores (DNPC) da Abrava.

“É possível, e eu tenho dados de outro hospital, ter conforto térmico e confiabilidade no sistema de ar-condicionado como um vetor para a saúde; ele pode mitigar a contaminação cruzada e, ao mesmo tempo, ser eficiente”, defende Pimenta.

No caso específico do Mater Dei Betim, a preocupação do projetista foi com os diferentes ambientes que compõem um hospital, traçando parâmetros para cada um conforme a sua necessidade. Para a sala de cirurgia foi proporcionada uma condição de baixa temperatura, uma vez que os cirurgiões necessitam de temperaturas menores por causa da paramentação pesada, da dissipação de calor do foco e do próprio estresse envolvido no processo com umidade controlada. Para tanto, foi utilizada uma Unidade de Tratamento do Ar (UTA) dedicada para combater o calor demandado pelo ar externo de renovação, com suas altas taxas para este caso. “Consegue-se retirar e controlar a umidade para que o cirurgião possa abaixar a temperatura e não correr o risco de sudorese por causa da umidade”, explica Pimenta.

Tais particularidades levaram a Ashrae, que tradicionalmente coloca em destaque instalações de AVAC que alcançam alto grau de performance, a criar a New Health Care Facility Category na sua premiação anual. O caminho da premiação é: chapter local, a região ao qual pertence o chapter do projetista candidato ao prêmio e, finalmente, o ambiente geral da entidade maior do ar-condicionado. Para ser aceito, o projeto deve atingir alguns parâmetros básicos de eficiência estabelecidos pela entidade, como o kBTU por pé quadrado ao longo de um ano.

Para absorver as razões que levaram ao projeto com tais características, é necessário perceber o conceito arquitetônico. O Mater Dei Betim-Contagem é construído, como diz o projetista Pimenta, como um lego. Salas cirúrgicas, quartos de isolamento, CTI e outros ambientes que compõem um hospital propriamente dito formam um bloco, enquanto as áreas de internação e recepção formam outro. É como se fossem dois prédios diferentes.

Essa configuração orientou o projeto elaborado por Pimenta para que as áreas hospitalares sejam atendidas por uma central de água gelada (CAG) com unidades resfriadoras de água do tipo water-chiller com condensação a ar. O restante é atendido por duas centrais de equipamentos de expansão direta do tipo VRF. Todos eles fornecidos pela Midea Carrier.

A CAG funciona em circuito primário variável. “O que isso faz? Economiza energia e minimiza a ocorrência da síndrome do baixo DT. O primário e secundário, que é o que eu mais faço, é muito bom. É racional, do ponto de vista de consumo de energia, mas ele não mitiga a síndrome do baixo DT. O primário variável, sim. Então, é uma grande vantagem”, explica Pimenta.

Por que condensação a ar?

Para justificar a escolha do sistema de condensação a ar, Pimenta, como todo bom mineiro, conta uma história. “Quando eu comecei a trabalhar com ar-condicionado, em 1988, fiz um estágio na antiga Telemig. Eu via torre para todo lado, as instalações lá não eram pequenas, nas teles do Brasil todo era comum. E me lembro da planilha que a engenheira, de quem eu era estagiário, usava para comparar condensação a ar com a água. Tinha uma colunazinha assim, consumo de água, que era zerada. Da água, naquele tempo, 30 e tantos anos atrás, ninguém fazia conta. Aliado a isso, o chiller com condensação a ar era limitado na capacidade e na eficiência. Então, foram duas coisas, a água foi virando um vilão no custeio e os chillers a ar foram se desenvolvendo”, explica o projetista.

Lito, como é conhecido, diz que atualmente o mercado oferece chillers a ar com capacidades de até 500 TR e boa eficiência. “Outro impacto dos chillers à água é que as torres de arrefecimento têm peso elevado a ser computado na estrutura. Estamos falando de cerca de 15 toneladas. Para um sistema com três torres seriam, então, 45 toneladas com impacto em toda a estrutura do prédio, um gasto expressivo.”

Ademais, segundo o projetista, o perfil de carga de um hospital é totalmente diferente de um shopping, por exemplo. O hospital trabalha com 80% de ocupação na área de hotelaria em todo o período, noturno incluído. À noite a temperatura é bem mais amena, o que provoca uma elevação da eficiência do chiller a ar. “Então, quando você faz aquele perfil ao longo das 24 horas, o chiller a ar vai te entregar um sistema muito interessante. Tanto é que caiu no índice deles (da Ashrae).”

Mas, por que um sistema híbrido, quando poderia ser todo atendido por uma CAG? “A preferência inicial para um bloco de hospital mais hotelaria, vamos dizer assim, e como fiz na maioria deles, é por um sistema de água gelada e pronto. Aquela central vai interpretar a somatória de demanda térmica da edificação como um todo. E a maioria delas é bem misturada, você não consegue ver onde é uma área de um e de outro. O Mater Dei Betim-Contagem é bem definido, como se fosse um lego. Se você tirar a hotelaria, o hospital continua igualzinho”, justifica Pimenta.

Por isso, a escolha do VRF para atendimento da hotelaria. “O VRF tem uma característica que é de conseguir interpretar bem as pequenas cargas térmicas variando. Qual é o defeito dele? Questão do ar externo, ele não tem uma capacidade grande para combater o calor latente. Daí o porquê das rodas entálpicas inseridas em recuperadores de calor. Existe uma carga latente que talvez o VRF não conseguisse resolver. Mas quando você fala em conforto, só de temperatura e eficiência, ele é ótimo. Então, combinei uma coisa com a outra, fazendo um sistema que a gente chama híbrido” continua ele.

Lito explica que a roda entálpica faz o ar de exaustão dos banheiros cruzar com o ar externo de renovação, provocando uma troca de calor e retirando umidade. “Como a ocupação é de 80% em média, não é igual a um hotel, sempre vai ter gente em quarto. Então, eu tenho uma vazão muito significativa de exaustão, de ar frio. Eu estou tirando o ar do banheiro do quarto, um ar frio. E o ar que eu jogo para renovar, por norma para dar qualidade ao ar, entraria quente se eu não tivesse isso. Então, a gente cruza um com o outro. Ao invés de eu jogar o frio fora, eu esfrio o ar externo.”

O mesmo princípio foi utilizado na CAG que possui um outro tipo de recuperador de calor. Trata-se de um trocador que absorve o calor que seria rejeitado para a atmosfera e utiliza-o para pré-aquecer a água do hospital. Sabemos que hospitais têm um alto consumo de água quente.

“O ar-condicionado é aquilo, ele tira o calor do ambiente, vai passando por uma série de etapas, no nosso caso a água gelada, que vai para o chiller e daí para a água de condensação, quando tem torre. Quando não tem torre, é o ar quente que é rejeitado para o ambiente. É uma energia “gratuita”, explica Pimenta.

O projetista diz ainda que embora o projeto tenha sido entregue antes da revisão da Norma 7256 ele já obedece a alguns parâmetros e exigência da nova versão.

“Com o tempo, começou a se falar que aumentando a taxa de renovação, para melhorar a qualidade do ar, gastamos muito mais energia. Esse é um mito que tentamos corrigir. O Miguel (Ferreirós), meu amigo e professor, começa a provar o contrário para nós. O pessoal fala que, se eu acrescentar filtro, vai elevar a perda de carga, com maior gasto de energia nos motores. Se você fizer o filtro com velocidade padrão, vai ser isso mesmo. E se eu diminuir a velocidade do ar no filtro, que seria o mesmo que aumentar a área da filtragem? Essa é a tese do Miguel e ele está certíssimo. Vai diminuir essa perda de carga e o aumento no consumo de energia não será tão impactante assim”, continua ele.

A CAG conta ainda com bombas tipo in-line. “O modo construtivo da bomba in-line permite uma racionalidade maior no fluxo de água. O pessoal se preocupa, às vezes, só com a performance do chiller. Se eu não me preocupar com vazões excessivas de água, eu não estou me preocupando com a eficiência. Tem que ser um conjunto”, enfatiza.

Para a qualidade do ar e eficiência na sua distribuição foram utilizados difusores cirúrgicos nas salas de cirurgia, UTAs especiais para salas cirúrgicas e ambientes de isolamento, todos fornecidos pela Trox , que também forneceu as rodas entálpicas.

Natália Coelho e Marcos Senra

Os dutos utilizados na instalação são do tipo painéis pré-isolados, o MPU, fornecidos pela Multivac que, segundo o projetista, possui várias vantagens. “Uma delas é o peso menor que o de chapa de aço, então exige menos da estrutura. Outra seria a facilidade na montagem; uma coisa é você levar uma viradeira para a obra e outra é uma bancada, com um guarda-pó branco para a montagem dos dutos. O nível de estanqueidade dele também é muito superior. E para fazer uma modificação, é bem flexível. Para o projeto hospitalar, ele apresenta muitas vantagens.”

“Como eu falei na apresentação (em palestra proferida no Entrac-BH), esse prêmio conferido pela Ashrae é muito interessante porque está intimamente ligado à performance. O profissional que faz o projeto de uma instalação para escritórios, por exemplo, visa o conforto térmico e a qualidade do ar interior. Quando se trata de um projeto para um hospital, é necessário acrescentar ferramentas para a mitigação da contaminação cruzada, fazendo do sistema de climatização um vetor de saúde.”

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