Ondas de calor que assolam o país têm provocado o aumento do número de aparelhos de ar-condicionado em ambientes residenciais, pressionando a rede elétrica

  1. Introdução

O número de prédios residenciais tem crescido de forma significativa sendo que, segundo levantamento realizado pelo Triider, com base nas edições anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um aumento de 321% nos últimos 35 anos (Triider, 2024).

As ondas de calor têm promovido o aumento da demanda por sistemas de climatização nas residências no Brasil, sendo que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) avaliou que a procura por compra de ar-condicionado e ventilador na internetaumentou 59% no mês de novembro de 2023, em relação ao mesmo período de 2022 (Correio Braziliense, 2023).

Com o agravamento dos cenários de aquecimento global, o uso de sistemas de climatização em residências será mais intenso e o desenvolvimento de alternativas para reduzir o impacto energético deste setor tem se tornado cada vez mais relevante.

Neste artigo,foi realizada uma comparação do desempenho energético de uma residência unifamiliar em dois cenários distintos: uso de sistema de climatização convencional e uso de sistema de resfriamento geotérmico. Esta comparação objetiva verificar a viabilidade do uso de sistema de resfriamento geotérmico em residências unifamiliares na cidade de São Paulo.

  1. Caracterização da residência unifamiliar

Neste trabalho foi avaliado o consumo de energia em uma residência cujos parâmetros foram obtidos na norma NBR 15575 (ABNT, 2021) tanto do ponto de vista de dimensões (Fig. 01a e b) como também da ocupação (número de pessoas e perfil de ocupação), como a potência e as horas de operação da iluminação e equipamentos.

Com base nos parâmetros mencionados, um modelo da residência foi construído e simulado no ambiente da ferramenta Energy Plus versão 9.0 (US DOE, 2021) e simulado para dados climáticos típicos da cidade de São Paulo. O sistema de climatização convencional foi modelado nas seguintes condições:

  • Tipo de sistema: sistema split inverter com capacidade de 2.500 W (9.000 Btus/h) nos ambientes de longa permanência (dormitórios e sala/cozinha)
  • Tempo de operação: 08 horas/dia em dias úteis e 12 horas/dia nos finais de semana
  • IDRS= 6,0
  • Setpoint: 23°C (resfriamento) e 21°C (aquecimento)

Nestas condições, verifica-se que o sistema de climatização promove um aumento do consumo anual da residência de40%. Deve-se ressaltar que, para efeito de análise deste artigo, o sistema de aquecimento de água para banho adotado foi o chuveiro elétrico, por representar o sistema mais usado em residências no Brasil (40,9%) e na região Sudeste (81,9%) (Eletrobrás, 2019). No modelo analisado, o consumo do chuveiro elétrico e geladeira respondem por 23% e 20%, respectivamente, do consumo de energia anual da residência.

  1. Sistema de resfriamento geotérmico: tipos e aplicações

O sistema de resfriamento geotérmico consiste em um sistema de climatização que rejeita o calor no condensador por meio da transferência de calor para o solo. Esta rejeição pode ser feita em tubos verticais enterrados (boreholes, vide Fig. 02a) ou por tubos verticais dispostos em anéis (slinky, Fig 2b), sendo que o material dos tubos usados usualmente é polietileno de alta densidade (PEAD).

Lund&Toth (2021) apresentam uma ampla revisão das aplicações de energia geotérmica para utilização direta que se baseia em relatos e artigos de 88 países. Os autores estimam que a energia térmica instalada para utilização direta por geotermia no final de 2019 equivale a 107.727MWt, um aumento de 52% em relação aos dados de 2015, crescendo a uma taxa anual composta de 8,73%. A energia térmicausada é 1.020.887 TJ/ano (283.580 GWh/ano), um aumento de 72,3% em relação a 2015, crescendo a uma taxa anual composta de 11,5%. A distribuição da energia térmica utilizada divide-se aproximadamente em: 58,8% para resfriamento e aquecimento geotérmico com bombas de calor, 18,0% para banhos e natação (incluindo tratamentos terapêuticos), 16,0% para aquecimento de ambientes (dos quais 91,0% são para aquecimento urbano), 3,5% para aquecimento em estufas, 1,6% para aplicações industriais, 1,3%para aquecimento de lagos e pistas de aquicultura, 0,4% para secagem agrícola, 0,2% para derretimento e resfriamento de nevee 0,2% para outras aplicações. Os autores avaliaram que a redução de energia proporcionada pelo uso de geotermia chega a 596 milhões de barris (81,0 milhões de toneladas depetróleo equivalente) anualmente, evitando que 78,1 milhões de toneladas de carbono e 252,6 milhões de toneladas de CO2 sejamliberadas para a atmosfera.

Vieira et al (2015) apresentam levantamento de algumas ações voltadas a aplicação de resfriamento geotérmico no Brasil. A primeira instalação de resfriamento geotérmico foi implantada em 1996 no estado do Rio de Janeiro, parasuprir as necessidades de aquecimento e resfriamento de uma casa. Desde então, mais de15 estudos foram realizados por universidades e empresas,demonstrando sua viabilidade técnica, e duas plantas adicionais foramconstruídas. A maior delas é uma usina geotérmica que utiliza água do mar para rejeição de calor construídano Rio de Janeiro em 2015, suprindo a demanda de refrigeração doemblemático “Museu do Amanhã”, e o outro é um sistema de aquecimento geotérmicoinstalado em uma fazenda no estado do Paraná. Um total de42 locais foram identificados com uso direto de aquecimento geotérmico, sendo que a maioria se destina a higiene e recreação (banho e piscinas). Dois locais utilizam energia geotérmica paracalor de processo e um para piscicultura. Resumidamente, 2,3 MWt e 40,0 TJ/ano (estimado) são usadospara climatização, estima-se 1,0 MWt e 20 TJ/ano para piscicultura e agricultura, 4,2 MWt e 77 TJ/ano para calor de processo industrial, 355,9 MWte 6.545,4 TJ/ano para higiene e recreação, e 0,05 MWt e 0,30 TJ/ano para bombas de calor geotérmicas, totalizando 363,45 MWt e 6.682,7 TJ/ano.

  1. Caracterização do sistema de resfriamento geotérmico

O modelo do sistema de resfriamento geotérmico usado neste artigo tem como características principais:

  • Capacidade total do sistema: 7040 W (2 TRs) para os ambientes de longa permanência (dormitórios e sala/cozinha)
  • Tipo de sistema: slinky
  • Tempo de operação: 08 horas/dia em dias úteis e 12 horas/dia nos finais de semana
  • COP nominal =3,6 (compressor tipo scrool)
  • Setpoint: 23°C (resfriamento) e 21°C (aquecimento)

Para os dados climáticos usados para a cidade de São Paulo, a temperatura média do solo varia entre 22o e 23ºC ao longo do ano e as dimensões principais do sistema slinky são:

  • Número de valas: 02
  • Comprimento das valas: 40 m
  • Profundidade das valas: 3 m
  • Diâmetro da serpentina: 1 m
  • Passo da serpentina: 0,2 m

Os resultados obtidos na simulação da residência com o sistema de resfriamento geotérmico fornecem uma redução de 36% no consumo de energia do sistema de climatização, passando a representar 30% do consumo total da residência, mantidos os níveis de consumo de energia dos demais usos finais.

  1. Conclusões

Neste artigo foi realizada uma comparação do desempenho energético de um sistema convencional de climatização (split inverter) e um sistema de resfriamento geotérmico (tipo slinky) aplicados a uma residência unifamiliar na cidade de São Paulo. O uso do sistema de resfriamento geotérmico produziu uma redução de 36% e 14,5% no consumo de energia do sistema de climatização e na residência, respectivamente.

Uma estimativa preliminar do custo para implantação de um sistema de resfriamento geotérmico seria de aproximadamente R$45.000, onde são considerados os custos do sistema, escavação das valas e tubulação de PEAD.

Dessa forma, o custo de implantação ainda necessita de mais pesquisas e análises para reduzir os seus custos e viabilizar uma implantação mais extensa de sistemas de resfriamento geotérmico no Brasil.

Alberto Hernandez Neto, PhD e livre docente na Faculdade de Engenharia Mecânica da Poli-USP, é membro do Conselho Editorial da Revista Abrava + Climatização & Refrigeração

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências

ABNT 2021.Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15575 – Edificações habitacionais – desempenho parte 1: Requisitos gerais. Rio de Janeiro, 48 páginas.

Correio Braziliense. 2023. Varejistas registram aumento na venda de ar-condicionado e ventilador. Correio Braziliense, Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/11/6656290-varejistas-registram-aumento-na-venda-de-ar-condicionado-e-ventilador.html, acesso: 30/01/2024.

Eletrobrás. 2019. Pesquisa de Posses e Hábitos de Uso de Equipamentos Elétricos na Classe Residencial (PPH 2019), 358 páginas.

Lund, J. W.; Toth, A. N. 2021. Direct utilization of geothermal energy 2020 worldwide review. Geothermics, Volume 90, 2021, 101915, ISSN 0375-6505, https://doi.org/10.1016/j.geothermics.2020.101915.

MDR. 2021. Ministério d Desenvolvimento Regional. Protocolo de avaliação do desempenhotérmico de sistemas construtivos para habitações por simulações computacionais. Diário Oficialda União — 1, 2021. Resolução N° 12, 5 de novembro de 2021.

Triider. 2024. Número de apartamentos no Brasil cresce 321% em 35 anos. Disponível: https://www.triider.com.br/blog/numero-de-apartamentos-no-brasil-cresce/, acesso: 08/03/2024.

US DOE. 2018. U. S. Department of Energy. Engineering Reference, 1732 páginas.

Vieira, F. P.; Guimarães, S. N. P. and Hamza, V. M. 2015. Updated Assessment of Geothermal Resources in Brazil, SEG Global Meeting Abstracts: 480-485.https://doi.org/10.1190/sbgf2015-095.

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